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Quando os filhos vão parar na delegacia: veja histórias e como agir

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Imagem: Getty Images

Beatriz Santos e Rita Trevisan

Colaboração para Universa

18/06/2018 04h00

O filho de Adriana*, 35, autônoma, tinha 17 anos quando sofreu um acidente de moto na rua atrás de casa. Ele estava pilotando o veículo do amigo e, claro, não tinha habilitação. “Chamaram a gente na delegacia e eu fui correndo. Passamos a noite lá, porque ele só foi liberado no dia seguinte. Foi uma humilhação, eu me senti um lixo naquele lugar, impotente e revoltada. Eu sempre procurei dar tudo para ele, não conseguia entender aquilo”, lembra.

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Já Eduardo*, 22, estudante, foi flagrado pela polícia, aos 16 anos, enquanto pichava um muro. Ele também portava maconha.

“Fui pego por policiais à paisana, que chamaram a viatura. Lembro que eles avisaram minha mãe e ela ficou muito nervosa, chegou na delegacia, chorando, falando alto comigo. Ela nem desconfiava de nada, porque trabalhava muito naquela época. Teve que ouvir sermão dos policiais”, conta.

A adolescência traz sentimentos de liberdade que podem ser entendidos pelos jovens como uma possibilidade de seguirem adiante sozinhos, fora do olhar dos pais.

“Contudo, falta ainda o senso de responsabilidade da vida adulta, porque ainda estão em formação, o que faz com que as transgressões sejam uma constante e muitas vezes com graves consequências”, fala a psicóloga e gerente de atendimento do Prontobaby Hospital da Criança Adriana Cabana, do Rio de Janeiro.

Sendo pais, sentir culpa em uma situação dessas é inevitável. “Mas se os pais são presentes, tendem a orientar os filhos e, mesmo assim, há a transgressão em excesso, é preciso deixar que as consequências cheguem aos filhos. Este é o grande aprendizado da adolescência”, diz Adriana.

Fabiane*, 37, dona de casa, acredita que o filho deve pagar pelo erro que cometeu. Em junho de 2017, ela esteve na delegacia porque o rapaz de 16 anos foi acusado de perseguir, ameaçar e agredir fisicamente a ex-namorada.

“A mãe dela fez um boletim de ocorrência e chegou a carta do oficial de justiça na nossa casa. Meu chão caiu, mas eu e meu marido fomos com ele. Ainda vamos passar por uma audiência, para ver o fim que terá essa história”, fala.

Encarando a situação

Responsabilizar o menor pelo ato cometido é a principal conduta, além de buscar o entendimento do acontecido. A conversa deve ser objetiva: afinal, o que o levou a cometer o delito?

“É importante o adulto manter a serenidade e, principalmente, a maturidade e o discernimento, porque os jovens ainda não têm essas capacidades. Essa reação é crucial para a maneira como esses adolescentes aprenderão com o que foi vivenciado”, diz a psicóloga do Conselho Tutelar de Taquara (RJ) Tatiana Costa.

A omissão é o pior remédio, dizem as especialistas. Xingamentos, também, não resolvem. “Devem ser evitadas comparações entre amigos e familiares, além das violências verbais, físicas e psicológicas, que estimulam manter o comportamento inadequado, porque depreciam o jovem”, diz Tatiana.

Adriana lembra ter “brigado feio” com o filho ao saírem da delegacia. “Ele escutou calado, não me respondeu nada. Acho que o susto serviu para ele aprender. Agora, ele me escuta mais, principalmente quando eu falo para tomar cuidado com as companhias e com as situações do dia a dia, para não se meter mais em nenhuma confusão”, diz.

Da mesma forma, Fabiane acredita que só após o ocorrido o filho entendeu o que ela vinha tentando explicar há meses para ele.

“O relacionamento dele sempre foi muito tumultuado, a maioria das brigas acontecia por ciúme. Eu via o tempo todo eles se ofendendo, inclusive usando as redes sociais para isso. Tentava conversar, explicar que aquilo não era saudável, mas eles não levavam a minha opinião em conta”, diz.

“Ter ido até a delegacia mexeu muito com ele. Havia vários adolescentes algemados lá, muitas mães chorando, foi algo realmente muito forte”, conta.

O estudante Eduardo precisou cumprir três meses de serviço comunitário, que é uma das penalidades previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. “Eu passava quatro horas por dia em uma escola indicada por eles. Logo depois, arrumei emprego como jovem aprendiz e melhorei”, fala.

Embora a situação seja assustadora para os pais, as especialistas reforçam que cometer delitos na adolescência não significa que o jovem se tornará um adulto criminoso.

“A adolescência é um momento de transgressão natural, mas, ainda assim, é preciso estar atento ao comportamento e a sucessão de erros. Transgressões em série podem culminar em uma personalidade sem limites. Por isso, devemos estar atentos e sempre dispostos a ajudá-los e apoiá-los, mesmo que seja após a uma bela bronca ou castigo”, fala Adriana Cabana.

O que diz a lei

- Os menores de 18 anos são inimputáveis, ou seja, não se pode atribuir a eles a responsabilidade por ato criminoso. As leis penais não se aplicam a crianças e adolescentes, mas, sim, as normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, medida de liberdade assistida e internação.

- A autoridade só pode conduzir alguém preso em caso de flagrante ou ordem judicial (mandado de prisão) – o flagrante deve ser verbalizado pelo policial. O uso de algemas só é permitido quando há risco de fuga ou perigo à integridade física do próprio preso ou de terceiros. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a condução de menores de idade em compartimentos fechados de veículos policiais, o camburão.

- Na delegacia, a pessoa tem direito a avisar a família ou outro responsável do acontecido. Também é um direito aguardar a chegada do advogado para prestar depoimento.

Fonte consultada: Jeferson André, advogado especializado em criminologia e direito penal.

*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados