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Novas riot girls amenizam pegada e abrem debate com a velha guarda punk

Theodora Charbel - Rodrigo Gianesi/Divulgação
Theodora Charbel Imagem: Rodrigo Gianesi/Divulgação

Marcela Paes

Da Universa

10/06/2018 04h01

Feminismo, violência doméstica, questionamento do patriarcado, aborto, política e empoderamento de mulheres são assuntos tratados (e cantados) por bandas de meninas no movimento "Riot Girrrl" desde sua criação em meados dos anos 1990, nos Estados Unidos.

Quase 30 anos depois, o movimento discute as pautas de forma diferente. Apesar de dezenas de garotas continuarem se agrupando no estilo “a união faz a força” e lutando por visibilidade em um meio ainda dominado por homens, o discurso delas hoje toma o cuidado de não cair na mesmice do cotidiano do público.

“Nosso discurso continua politizado, mas a maneira como nós colocamos as questões é menos incisiva. A internet já traz isso. Partimos também do pressuposto que muitas pessoas já leram sobre aquilo”, diz Cint Murphy, vocalista da banda In Venus.

Na velha guarda das riot girls nacionais, Sandra Coutinho, do grupo As Mercenárias, ícone dos anos 80, enxerga a importância do discurso feminista das novas bandas, mas acha que é necessário tomar cuidado para não reproduzir as "ações do opressor". "Já vi muitas meninas agindo exatamente como os homens que elas criticam: querendo bater em caras porque eles estão na frente do palco. Não tem que ser assim. O feminino acolhe", afirma.

Parte do que se pode chamar de "Riot Girrrl 2.0', integrantes de bandas como In Venus, Six Kics, Ratka, Bertha  Lutz, entre muitas outras, vêm se agrupando em festivais e criando selos musicais em que as mulheres são as protagonistas. Elas seguem o rastro tanto das pioneiras americanas como Bikini Kill e Sleater-Kinney entre outras, como de bandas nacionais como Dominatrix e as próprias Mercenárias.

Cint Murphy - Julia Moraes - Julia Moraes
Cint Murphy
Imagem: Julia Moraes

Na rede formada por essas garotas, os discursos de Facebook e até as letras de música são só a superfície de uma bem organizada ação para obter visibilidade dentro da cena do rock, especialmente a do punk e do hardcore. “Acho que é isso que pode ser chamado de Riot Girrrl 2.0. Não só a questão dos discursos, mas essa rede de apoio que nós formamos. A união entre as minas. Se dependermos dos homens para organizar festivais com maioria de bandas de mulheres, vamos continuar escondidas”, diz Cint.

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Theodora Charbel, que integra junto com Marjorie Jorie a dupla Six Kicks, tem um estúdio de gravação e, apesar de também trabalhar com homens, privilegia gravar garotas. “O que eu percebo é que as meninas ficam mais à vontade. Também vejo que nós somos mais abertas a experimentar coisas novas, enquanto muitos homens têm uma ideia prévia do que é bom, do que vai funcionar”, diz.

Apesar do protagonismo das mulheres ser a chave no movimento, homens não são proibidos, mas incitados a se posicionarem dentro da luta das meninas. Cint, que tem como companheiras de banda Patricia, Camila e Rodrigo, seu namorado, frequentemente o questiona.

“Tem muito diálogo mesmo. Eu, a Camila e a Patricia estamos sempre conversando com ele, colocando questões que são importantes. Não adianta ter um homem lá se ele não está com a gente, ativamente, nisso”, diz.

Quando a In Venus foi chamada para tocar em um casa de shows em que o dono tinha uma acusação de abuso, a banda decidiu não aceitar o convite; ‘Nós denunciamos o cara. Eles queriam fazer um festival de meninas para se isentarem de culpa, mas não é assim, né?”

Em alguns shows, Theodora costuma se apresentar sem roupa ou sem blusa. Ela conta que já foram “alertar” sua família e “criar climão” sobre suas performances. “Minha família sabe de tudo o que eu faço, eu estou segura. Mas é uma coisa chata. Isso jamais aconteceria com um homem”, diz.

As letras de Theodora também causam estranheza em algumas pessoas. Quando a vocalista canta os versos de 'You wanna fuck me' (na tradução do inglês: Eu posso passar pela minha própria imaginação/Mas parece que estou morrendo sufocada/Você me fode com força na minha imaginação/Acho que com você eu gosto de ser sufocada/Você quer me foder/Você quer me foder agora), já percebeu olhares incomodados no público.

"As pessoas comentam, mas não é todo mundo que chega questionando diretamente porque a gente se impõe", explica.

A velha guarda critica

Sandra Coutinho - Reprodução Facebook - Reprodução Facebook
Sandra Coutinho
Imagem: Reprodução Facebook

Sandra Coutinho, uma das fundadoras da pioneira banda As Mercenárias, criada nos anos 1980, acha que os discursos das bandas atuais são importantes, mas devem vir acompanhados de qualidade musical.

“Eu acho que faltam boas instrumentistas na verdade. Eu sou velha, já vi e ouvi muita coisa. A banda tem que ser boa. Claro que a nossa banda foi boicotada por homens em alguns momentos, mas não era a nossa bandeira falar sobre isso”, diz.

Ela conta que iniciou a banda porque “tinha vergonha de gritar na frente de homens”. Eu queria tocar com mulheres para me sentir mais à vontade. Foi natural unir forças com outras mulheres”, diz.

A veterana diz que é importante ter em mente que muita gente vai ouvir o que é cantado. Temas como o aborto, por exemplo, devem ser tratados com cuidado. "Eu sempre tive uma formação nesse sentido, inclusive já fiz um aborto. Mas, às vezes, uma menina do interior não é familiarizada com esse discurso."