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Poliamor pode virar união estável? Entidades divergem sobre tema na Justiça

Getty Images
Imagem: Getty Images

Marcos Candido

Da Universa, em São Paulo

07/05/2018 04h01

Entidades ligadas ao direito da família disputam na Justiça se cartórios podem ou não realizar contratos de união estável para famílias poliafetivas, com relacionamento entre três ou mais pessoas.

O assunto começou a ser votado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no dia 24 de abril. O debate, interrompido por um pedido de vista do Ministério Público, será retomado na próxima terça (8). Assim como fora do júri, a votação expôs diferentes visões sobre o conceito de família.

Contrária à união estável de poliafetivos, a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), formada por advogados e juristas e autora do pedido ao tribunal, usou como base três uniões poliafetivas formalizadas entre 2012 e 2017 no Rio de Janeiro e em São Paulo.

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Entre os argumentos, os membros da associação dizem que a união entre casais poliafetivos seria inconstitucional, uma vez que a Constituição ou Código Civil só entendem "união estável como casal aquele que é formado por homem e mulher e, desde a decisão do Supremo Tribunal Federal em 2011, entre pessoas do mesmo sexo. Além de possíveis problemas jurídicos e de bens, a ADFAS também acha que a poligamia vai contra os “bons costumes” da sociedade brasileira.

Em contrapartida, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), também formado por advogados de família, defende que o estado não deve intervir em relações afetivas entre indivíduos. Para a associação, a união estável seria uma maneira de reconhecer os direitos desse novo modelo familiar. O instituto também diz ter levado uma contra-argumentação ao CNJ em relação ao tema.

Representantes das instituições trocam acusações

Presidente nacional do IBDFAM, o doutor em Direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) Rodrigo da Cunha Pereira avalia que a proibição parte de uma visão “ultraconservadora”. “A grande questão, que incomoda, é que a monogamia está em cheque. Por que o estado tem que interferir nisso? O Direito sempre foi dando legitimidade a relações que já existem, porque as escrituras não criam essa união, elas apenas dizem que elas existem”, diz.

Já a presidente da ADFAS, a doutora em Direito Civil pela USP Regina Beatriz Tavares da Silva afirma que a união poliafetiva, diferentemente da união homoafetiva, não é aceita na sociedade. “Os casais homoafetivos, dentro do princípio monogâmico, perante a legislação, entidades públicas e privadas, passaram a ser parte dos costumes”, defende. “O Direito tem que acompanhar os bons costumes.”

Segundo ela, a monogamia é a norma dos relacionamentos de países com altos índices de desenvolvimento. “Os piores índices de desenvolvimento humano estão onde há a poligamia”, citando tribos indígenas, países da África e do Oriente Médio. Segundo a advogada, os povos destas regiões não são desenvolvidos como os “Estados Unidos, Canadá, China e Rússia”, onde ela afirma ser norma a monogamia.

A presidente também expressou preocupação na partilha de pensões previdenciárias e divisão de contrato em associações. Já Rodrigo rebateu as afirmações, dizendo que a divisão de bens e direitos poderiam ser resolvidos com o auxílio de um advogado. “O instrumento [da união estável] é de inclusão”.

Um documento da IBDFAM, que será enviado ao CNJ a favor da firma da união poliafetiva, foi obtido com exclusividade por Universa. No texto, a associação conclui que a proibição a cartórios de realizarem reconhecimento jurídico de poliafetivos “afrontaria os princípios da liberdade, igualdade, não intervenção estatal na vida privada” e de “pluralidade das formas constituídas de família”.

Na votação da última terça (24), o Conselho Nacional de Justiça não chegou a um consenso. O debate ressoou o argumento das duas associações

Em nome do Ministério Público, o subprocurador-geral da República, Aurélio Virgílio, defendeu que os cartórios podem reconhecer a união poliafetiva, “desde que seja a vontade das pessoas”.

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Aurélio afirmou que o ‘'conceito de família evoluiu’, e que proibir o tabelião de firmar o contrato de união estável seria semelhante a recusa em aceitar casais homoafetivos no passado. “O poliamor não é novo na história, desde a antiguidade se pratica, talvez com bem menos dose de hipocrisia do que como se comenta hoje em dia”, afirmou.

O conselheiro João Otávio de Noronha, relator da matéria e corregedor-geral de Justiça, votou a favor do pedido feito pela Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), pedindo a proibição das uniões estáveis poliafetivas.

“O conceito constitucional de família, o conceito histórico e sociológico, sempre se deu com base na monogamia”, argumentou. O ministro também afirmou que “ninguém é obrigado a conviver com tolerância de atos cuja reprovação social é intensa”. “E aqui ainda há intenso juízo de reprovação social. Sem querer ser moralista, estou dizendo o que vejo na sociedade”, relatou. Após o voto, o representante do MP pediu vista e o julgamento foi interrompido.