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Mãe de dependente químico que mora na rua: "Não desisti à toa"

Marlene Moreira Lugoboni - Arquivo pessoal
Marlene Moreira Lugoboni Imagem: Arquivo pessoal

Letícia Rós

Colaboração para a Universa

04/05/2018 04h00

A professora aposentada Marlene Moreira Lugoboni, 64, é mãe de quatro filhos. Um deles, o mais novo, se tornou dependente químico aos 14 anos. Após treze anos de tentativas de livrar o filho das drogas, a exaustão venceu Marlene e ela se afastou. O rapaz já mora nas ruas há um ano e quatro meses. A seguir, a professora conta o que a fez tomar essa decisão.

“Quando ele fez 13 anos, eu descobri que estava fumando. Fiquei entristecida, mas ele me prometeu que pararia e pediu que eu não contasse para o pai. Eu acreditei e realmente não falei. Dias depois, vieram me falar que tinham visto ele bebendo. Daí para frente, a história só piora.

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Ele começou a mentir para mim. Saía de casa às sete da noite, falava que ia encontrar um amigo, mas só voltava no dia seguinte. Um dia, voltou descalço, depois sem camisa e, uma vez, só de cueca. O vício começou no cigarro, logo foi para a cocaína e chegou no crack.

Noites em claro e busca por tratamento

Por seis anos, não falei para ninguém o que estava acontecendo, eu queria tirá-lo dessa vida sozinha. Ficava acordada a noite inteira esperando por ele. Levei a um monte de psicólogos e cheguei a mudar de cidade achando que mudanças de ares resolveriam, mas foi pior.

Todo dinheiro que ele ganhava, sumia. Ele comprava celular e, um dia, voltava sem celular para casa. Comprava roupa e as roupas sumiam. Não era de faltar no trabalho, mas o primeiro empregador dele percebeu o que estava acontecendo e o mandou embora.

Quando estava com 19 anos, me pediu para ser internado. Fui obrigada a contar para o pai. Foi muito duro, ele não acreditava, porque só se encontravam durante o dia. Era o filho mais amoroso, muito grudado na família.

Contato com a família biológica

Foram cinco meses na clínica de reabilitação. Ele saiu e logo estava usando drogas novamente. Tempos depois, pediu para ser internado de novo. Ficou cinco dias e fugiu. Esta história se repetiu cinco vezes. Depois da última fuga a clínica não o aceitou mais. Disseram que perderam o controle e não fazia sentindo continuar.

Em uma época, ele pediu para conhecer a família biológica dele, porque ele havia sido adotado. Não neguei. Então, falou que ficaria com os irmãos biológicos e achei que poderia ser bom, que ele mudaria com a convivência. Saiu de casa levando o computador, roupas e perfumes. Por seis meses, viveu do seguro-desemprego e do FGTS que recebeu. Mas depois de um tempo, quando fui visitá-lo, ele já tinha dado sumiço em todos os itens pessoais e saído da casa.

"Qualquer esquina tem gente vendendo drogas"

Ficávamos desesperados procurando por ele, saíamos de carro e íamos para onde sabemos que vivem os usuários. Também colocávamos fotos em postes. Quando a gente o encontrava, era o mesmo ritual: levávamos no médico para fazer uma bateria de exames. Os resultados mal chegavam e ele já estava na rua de novo. Foram treze anos nessa vida. Até que, há um ano e quatro meses, ele saiu de casa mais uma vez. Meses depois, uma assistente social me ligou, falando que ele estava na rua e eu respondi: “Não vou atrás”.

Não desisti à toa, ninguém pode me acusar disso. Tentamos de tudo. Mudamos de cidade algumas vezes, acreditando que resolveria ele se separar de alguns amigos. Mas não adianta, qualquer lugar, qualquer esquina tem gente vendendo drogas.

Ele chegou a ficar em uma favela por sete dias – ele sempre se metia nas bocas –, e uma mulher me ligou e me destratou. Disse que eu não era mãe, porque mãe não abandona. Mas ninguém sabe o que eu passei, quantas vezes eu e o pai dele saímos de carro, sem ter um centavo, para procurá-lo. Somos dois idosos, não dá mais para passar por isso.

"O que eu não pude fazer pelos meus filhos mais velhos eu fiz por ele"

Fico pensando: 'será que eu falhei?'. Mas cuidei dele mais do que dos outros. Eu já tinha três filhos quando ele chegou, é o caçula da família. A mãe biológica o abandonou com dois meses e eu o adotei. Teve uma infância feliz, o que eu não pude fazer pelos meus filhos mais velhos, fiz por ele. Ele tinha tudo. E perdeu tudo.

Hoje sei que está uma hora em cada lugar. Um dia, me liga da praia, outro do interior. Ele não esquece o telefone ou endereço de casa. Pergunta dos irmãos, do pai, dos sobrinhos. Às vezes chora, pede perdão, pede para buscar, mas eu digo que não vou. Ele ainda não tem força para lutar contra a dependência. Ele já me disse que vendia bala dentro do ônibus e que estava [vivendo] como morador de rua, deitado em cima de uma poça d´água. No meio tempo, está sempre se internando, mas fica no máximo 20 dias e some de novo.

Quando toca o telefone na minha casa, sempre espero pelo pior. Estou preparada para o pior.

Digo que ele só vai acordar quando a morte chegar. Buscar eu só vou se ele estiver debilitado, sem poder sair de uma cama. Enquanto estiver andando e consciente, eu não vou. Foram 13 anos dando oportunidade. Ele vai fazer 28 anos.

"A casa vai ser sempre dele"

Tem dias em que dá uma saudade desesperadora, em que eu quero sair para procurá-lo, mas não posso. Fico pensando nele nos dias frios... Mas perdi a confiança. Tenho medo de que ele cometa uma loucura aqui em casa.

O quarto dele está aqui, a cama dele, todos as coisas estão do jeito que ele deixou. A casa sempre será dele, desde que esteja longe dessa desgraça. Usando droga, não dá. Eu não dou mais conta.”

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