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"Meu tio matou minha mãe na minha frente"

Renata e a mãe, Maria Leide - Arquivo Pessoal
Renata e a mãe, Maria Leide Imagem: Arquivo Pessoal

*Depoimento de Renata Leal à Talyta Vespa

Colaboração para Universa

26/04/2018 04h00

A infância da comerciante Renata Leal, de 21 anos, foi quase toda dentro de uma sala de terapia. Aos 11 anos, ela viu a mãe ser morta, a tiros, pelo próprio tio, o irmão do pai. Renata diz que, por causa da dor, deixou de ver inocência na vida. Sua mãe, Maria Leide Leal, foi assassinada quando tinha 39 anos.

"Ele apontou a arma e a única reação da minha mãe foi abrir os braços pra proteger a mim e a minha irmã. Eu fiquei com muito medo. Lembro que caí no chão e, quando levantei, minha mãe estava toda ensanguentada. Não sei se desmaiei, mas eu não lembro do momento dos tiros. Corri pra chamar meu pai, que estava num balcão da frente. Ele tinha ouvido o barulho e também já estava correndo. Meu tio, que é irmão dele, fugiu depois que atirou, e deixou a arma no chão. Colocamos minha mãe no carro. Ela foi deitada no meu colo durante todo o caminho até o hospital. Fiquei toda suja de sangue. Foi meu último momento com ela.

Não tenho palavras pra explicar a dor. A vida perde o sentido. Foi crescer sem amparo, sem carinho, com a pior lembrança que eu podia ter. Meu tio está preso, mas demorou dez anos desde o crime até a prisão. Ele ficou foragido por todo esse tempo e só foi encontrado no ano passado. Senti alívio. E também pena dele. Não sei explicar por quê. 

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Minha mãe ajudou meu pai a crescer financeiramente. Os dois se casaram contra a vontade da família dele. Eles nunca gostaram dela. Com o dinheiro que começaram a ganhar, saíram logo do aluguel, compraram uma casa e abriram uma distribuidora de alimentos no Ceagesp. Começou a entrar mais dinheiro e a inveja da família dele aumentou. Para eles, era inadmissível uma mulher ser responsável pelo sucesso de um homem e, claro, pelo próprio sucesso. 

Meu tio tentou separar meu pai da minha mãe algumas vezes. Disse até que ela o havia traído. Escreveu nos espelhos dos banheiros do Ceagesp que ela era vagabunda, puta. A outra irmã do meu pai tinha uma empresa lá também e meu tio trabalhava com ela. Os clientes viram, os funcionários leram, todo mundo olhava torto pra minha mãe. Quando ela soube o que estava acontecendo, ficou puta e decidiu tirar satisfação. Meu pai não queria enfrentar meu tio e eu o culpei por muito tempo. Só depois que consegui entender que ele não tinha como prever o que ia acontecer. 

Minha mãe já tinha conversado com uma advogada sobre o que poderia fazer em relação ao meu tio. A sugestão dela foi um processo por calúnia e difamação. A advogada pediu que a minha mãe avisasse o cunhado que entraria na Justiça. Ele precisava saber que não adiantava fugir.

No sábado de manhã, a gente foi fazer feira. Eu, a minha mãe e minha irmã, que é mais velha, chegamos no Ceagesp e ela decidiu falar com o meu tio, ali mesmo. A gente pediu que ela deixasse pra lá, mas ela era teimosa.

Chegou e disse que o que ele estava fazendo era uma sacanagem e que ela iria processá-lo. E que não adiantava ele fugir. Ele não falou nada. Só tirou a arma da cintura e apontou pra ela. Minha mãe falou pra gente se proteger, abriu os braços e ele atirou. Os tiros pegaram na região do abdômen. Foi a última vez que ouvi a voz dela. 

A vida nunca mais foi a mesma. Minha saudade só aumenta. 

Minha família, como era antes, não existe mais. Era a minha mãe quem reunia todo mundo; até quem não gostava dela.

Eu moro com meu pai, tenho dois irmãos, e todos nós trabalhamos no Ceagesp.

É muito difícil pra mim.