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Fraqueza não tem vez: elas contam como é viver com um parceiro depressivo

Getty Images
Imagem: Getty Images

Letícia Rós

Colaboração para Universa

20/04/2018 04h00

A depressão não afeta apenas quem sofre com a doença. Quem está ao redor também tem a vida abalada. A seguir, quatro mulheres que se relacionam ou se relacionaram com parceiros depressivos contam os desafios dessa convivência.

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"Nas crises, quando não estou por perto, ele me liga chorando"

"Estamos há quatro meses juntos e uma das primeiras coisas que me disse quando nos conhecemos é que era dependente químico – há três meses estava limpo e não usava cocaína.

Eu já tinha convivido com outros dependentes ao longo da minha vida, e sabia um pouco do assunto. Mas subestimei a situação. Ele me parecia ser alguém tranquilo e divertido sempre... até começarem as crises de depressão. É quando ele fica alheio ao resto do mundo, deita na cama e se encolhe. Ou, então, chora muito.

Eu esperei isso acontecer algumas vezes, para chegar a ele e dizer: ‘olha, é importantíssimo que a gente entenda a sua dependência. Mas precisamos atacar a outra doença também, a depressão’. Ele ficou extremamente sem graça, deu uma risada e disse: ‘Eu nunca tive depressão. Eu amo minha vida’.

Até hoje reluta em aceitar a própria condição. Precisei conversar e negociar muito para que ele aceitasse ir para a psicóloga. Mas não durou muito. Foi em três sessões e faltou as três seguintes. Discutimos muito sobre isso, porque ele precisa de um acompanhamento psicológico – até por conta da dependência – mas não vê isso como útil.

O diálogo é muito importante. Mas sobretudo, um ouvido atento ao que ele tem a dizer. Sem julgamentos, sem dedos sendo apontados. A gente segue o lema do ‘dor compartilhada, dor diminuída’. É uma luta diária. Eu tenho de me dedicar muito à relação. Alterei a minha rotina significativamente: antes eu ficava muito em casa, hoje em dia saímos o tempo todo, porque isso o ajuda a eliminar pensamentos ruins.

Saímos para caminhar, andar de bicicleta, de patins, passeamos com cachorro e viajamos. Ajuda muito ele fazer atividade física – ele se sente mais feliz ao fim do exercício. Já pensei em desistir da relação várias vezes, mas me motivo a continuar por saber quem ele é fora das crises. Sou apaixonada por esse homem, que é parceiro e me conforta melhor que muitos outros homens com quem já me relacionei."

Mariana, 24, designer

"Voltei e o encontrei jogado em uma cama, 8 kg mais magro"

"Meu ex namorado tinha depressão, ficamos juntos por um ano e oito meses. Descobri quando estávamos em um relacionamento à distância – e ficamos sem nos ver por dois meses. Fui chamada pela família, que não sabia mais como tirá-lo do quarto.

Voltei e o encontrei jogado em uma cama, 8 kg mais magro, há dias sem comer e sem tomar banho. Eu lembro que entrei no quarto e o cheiro era horrível, muito forte. Ele estava com o cabelo e a barba imensos. Foi desesperador. Ele só chorava e eu não sabia o que fazer.

Com muita paciência, consegui tirar ele da cama, dei banho e o deixei deitado na sala. Demorei quatro horas para faxinar o quarto dele, de tão sujo. Consegui alimentá-lo e o tirei de casa pela primeira vez em muito tempo.

Ele dormiu agarrado em mim, como uma criança com medo do mundo. Eu nunca vi alguém tão indefeso e tão entregue assim. Partia o meu coração. Mas ele se negou a aceitar que tinha depressão – até hoje, depois de dois anos, nega. Fala que é uma fase ruim e se culpa por não ter motivação para fazer as coisas.

É um desafio ver quem você ama ter a luz própria apagada dessa forma, é muito doloroso. E tudo na rotina do casal muda. Inclusive a vida sexual. Às vezes o ânimo da pessoa está tão baixo que, por mais que ela te deseje não rola sexo. E é preciso compreender isso.

Infelizmente, me afastou dele. Terminou comigo e se isolou, disse que não queria afetar ainda mais a minha vida. Ainda sofro muito por isso. Somos amigos e sempre que possível viajo para visitá-lo e mantenho um contato virtual. Amar alguém com depressão é acima de tudo conseguir enxergar, em meio a nuvem da doença, aquilo que te fez se apaixonar pela pessoa.”

Alline, 26 anos, professora

"A depressão tornou ele uma pessoa triste e pessimista"

"Eu fui diagnosticada com depressão aos 17 anos, doença que eu controlo com terapia e antidepressivo. Por já ter passado por isso, fiquei muito triste ao perceber no meu namorado, com quem estou há 8 meses, os sintomas da doença. Ele muda de comportamento do nada. Fica indeciso sobre nós, sobre o futuro e age de maneira muito pessimista. Também fica extremamente carente e às vezes se isola. Tem também momentos de explosão.

Nas horas de crise, que acontecem cerca de três vezes ao mês, eu só posso ajudar ficando quieta, mostrando que estou ali, mas não vou invadir o espaço dele. Eu tento lidar da forma mais leve possível, sempre escutando o que ele tem a dizer e o encorajando a buscar ajuda.

A depressão tornou ele uma pessoa triste e pessimista e que tem medo de ser julgado. Ele já quis terminar comigo três vezes, diz ‘tem muita coisa acontecendo, não consigo conciliar trabalho, estudo e você’. Ficamos dois dias sem nos falar e um mês até acertar a volta. O que me motiva a seguir com ele é o carinho e o amor que sinto e por saber que é difícil passar por tudo isso. Eu sempre procuro dar a ele momentos de distração e lazer e o encorajo a ir atrás dos sonhos dele.

Conversamos bastante, desenvolvi muita paciência e respeito para enfrentar os momentos em que ele quer ficar sozinho. Quando chora, eu acabo chorando junto com ele, mas tento ser forte, para que a depressão dele não me afete tanto. Depois da nossa última separação estamos mais unidos. A gente pensa em um dia morar junto e ter um filho. Eu sigo incentivando ele a se tratar.”

Thays, 22 anos, fisioterapeuta

"Tenho sempre que estar forte para ajudar meu marido"

"Sou casada há seis anos e cinco meses. Meu marido apresentou os primeiros sintomas de depressão há cinco anos, quando eu estava grávida de sete meses da nossa primeira filha. Parecia que ele ia morrer, sentia dores no peito e suor frio excessivo. Descobrimos, então, um quadro de depressão e ansiedade que, mais para frente, virou síndrome do pânico.

Para piorar, quando nossa filha tinha 15 dias ele foi demitido da empresa em que trabalhava e a doença se agravou. A crise começa com ele dizendo que está mais introspectivo e que está sentindo alguns incômodos, um aperto no peito e a mão formigando. Na pior crise, estávamos no interior de São Paulo e ele parecia que estava enfartando -  tive que passar a noite com ele no hospital até descobrir que tudo não passava de ansiedade.

Ele tomou medicamentos por quase quatro anos – faz um ano que parou e a doença está controlada. Mas seis meses atrás, quando engravidei novamente, ele quase caiu em depressão de novo. Descobrimos que o gatilho dele é o medo de não conseguir suprir as necessidades da família.

Como somos religiosos, rezar nos ajuda muito. Hoje, quando ele começa a sentir algo, vamos à missa juntos ou fazemos algum outro programa para distrair – sair ajuda muito.

Hoje, as crises são raras. Ele é muito perseverante e trabalhador e isso me atrai muito nele. Nós mulheres somos criadas como o sexo frágil, mas eu não posso ser. Tenho sempre que estar forte para ajudar meu marido.” 

Talita, 30, assistente comercial