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Mãe da Tatá, Claudia Werneck luta para formar jovens pobres com deficiência

Claudia Werneck, idealizadora da ONG Escola de Gente - Divulgação/Escola de Gente
Claudia Werneck, idealizadora da ONG Escola de Gente
Imagem: Divulgação/Escola de Gente

Thais Carvalho Diniz

Da Universa

04/04/2018 04h00

Levar o direito à comunicação aos jovens pobres e com deficiência é a luta de Claudia Werneck. Ela é idealizadora da ONG Escola de Gente - Comunicação em Inclusão, que há 15 anos já sensibilizou mais de 500 mil pessoas em 18 países pela causa da integração e acessibilidade.

Todas as atividades e projetos visam a formação de jovens em inclusão e acessibilidade. "Com nossas Oficinas de Teatro Acessível, espetáculos de Teatro Acessível, palestras, seminários, cursos e consultorias, incentivamos a construção da sociedade inclusiva. Tudo gratuito", explica Claudia.

O discurso da instituição é formar jovens, onde quer que estejam, e vê-los como defensores de uma sociedade inclusiva. "É fácil aderir a um discurso e ser incoerente nas atitudes do dia a dia", fala ela, que também é jornalista.

Entretanto, Claudia explica que a preocupação maior da instituição são os pobres e com deficiência porque uma pessoa desfavorecida desde infância tem na juventude, talvez, a última chance de reverter um pensamento excludente.

"É uma ilusão achar que uma vítima da desigualdade está naturalmente pronta para uma sociedade inclusiva. Posso ser o símbolo da exclusão e ser racista, homofóbico.... As deficiências e minorias se discriminam entre si."

Madrinha da campanha, Tatá já atuou em mais de 20 escolas municipais do Rio de Janeiro em esquete que é apresentada até hoje pelo projeto  - Divulgação/Escola de Gente - Divulgação/Escola de Gente
Madrinha da campanha, Tatá já atuou em mais de 20 escolas municipais do Rio de Janeiro em esquete que é apresentada até hoje pelo projeto
Imagem: Divulgação/Escola de Gente

A mãe da atriz Tatá Werneck também é especializada em Comunicação e Saúde pela FioCruz. Tem 14 livros publicados sobre direitos humanos, diversidade e inclusão. Ativista e palestrante internacional, em 2000, tornou-se a primeira autora brasileira a ter suas obras recomendadas simultaneamente pela Unesco e Unicef. Seu trabalho é garantir que todas as pessoas consigam se comunicar e ser comunicadas, é um "desafio diário", como a mesma define.

"Milhões de pessoas não participam do que acontece no país e no mundo. Isso acontece por conta de como a comunicação é feita, desde a forma como você faz um panfleto para ser entregue na rua."

Todo pensamento excludente começa, segundo a escritora, ao enxergarmos as minorias como um ônus quando, na verdade, elas são parte da sociedade. O que a Escola de Gente faz é tentar rebobinar esse filme.

"A comunicação inclusiva e acessível nem entrou em pauta ainda. As empresas contratam porque é lei, não está associado a uma garantia de direito. E toda pessoa tem que ter o direito de contribuir com o seu melhor para o bem comum."

Tenho a sensação de que vivemos numa espécie de delírio. Não aceitamos quem nasce com uma síndrome, achamos que são deslizes da natureza. E essas pessoas são parte, como você

Mesmo com todo histórico e ativismo diário, muitos só conhecem Claudia por causa da filha, atriz da Globo, atualmente no ar em "Deus Salve o Rei". Claudia entende isso como um reflexo do Brasil, "um país no qual tudo é muito personalizado".

"Em dois dos últimos prêmios que eu ganhei, as pessoas nunca tinham ouvido falar de mim ou da Escola, mas ouviram a Tata falar de mim."

Cultura acessível e linguagem simples

Visita ao Congresso Nacional, em 2015, para pedir a aprovação da lei que criaria o Dia Nacional do Teatro Acessível, o que só ocorreu em 2017 - Divulgação/Escola de Gente - Divulgação/Escola de Gente
Visita ao Congresso Nacional, em 2015, para pedir a aprovação da lei que criaria o Dia Nacional do Teatro Acessível, o que só foi sancionado em maio de 2017
Imagem: Divulgação/Escola de Gente

A ONG chega aos jovens por meio da cultura. O projeto "Teatro Acessível. Arte, Prazer e Direito" é uma das ações e percorre o país oferecendo teatro gratuito e acessível. O objetivo é garantir autonomia e participação de pessoas com deficiência, mobilidade reduzida e baixo letramento, na vida cultural de suas cidades.

"Segundo  ONU, 80% das pessoas com deficiência vivem na pobreza. É nosso dever garantir a participação dessas pessoas sem custos."

Em 2017, após três anos de proposta, a Escola de Gente conseguiu marcar no calendário nacional o Dia do Teatro Acessível, 19 de setembro, mesma data do Dia Nacional do Teatro no Brasil.

A gente fica feliz com muito pouco. Dá um passo e comemora como se fosse um quilômetro

Já a campanha "Talk It Easy", que estimula o uso da linguagem simples, foi lançada em fevereiro de 2018 por Claudia em uma conferência internacional sobre acessibilidade na Áustria.

"A comunicação é o berço que embala a discriminação. Temos muita dificuldade em falar objetivamente. Precisamos fazer com que pessoas de baixo letramento, dificuldade de aprendizagem temporária ou permanente, entre outras deficiências, se sintam pertencentes ao que estamos informando."

Como lidar com o dinheiro público

Em 2011, a Escola de Gente percorreu dezenas de cidade dos estados de Pará, Maranhão, Amazonas, Mato Grosso do Sul e São Paulo mostrando como funciona um espetáculo de teatro acessível de acordo com os princípios da legislação brasileira - Divulgação/ Escola de Gente - Divulgação/ Escola de Gente
Em 2011, a Escola de Gente percorreu dezenas de cidade dos estados de Pará, Maranhão, Amazonas, Mato Grosso do Sul e São Paulo mostrando como funciona um espetáculo de teatro acessível
Imagem: Divulgação/ Escola de Gente

A captação de recursos da Escola de Gente vem 90% da Lei Rouanet, do Ministério da Cultura. Outras empresas apoiam por via direta e também há doação de pessoa física. Além disso, a instituição recebe um apoio do Ministério Público do Trabalho, que repassa as multas de empresas acionadas por não cumprimento das leis.

"Projetos totalmente acessíveis custam de 20 a 30% a mais. Esse é o orçamento sem discriminação. Mas um patrocinador nunca disse que achava irrelevante algo dentro do que fazemos. Nossos parceiros estão muito alinhados. O principal valor é a coerência", explica Claudia.

Sempre serei uma inquieta e indignada. As pessoas continuam sofrendo, sem acesso à informação. Eu tenho essa urgência

Outras parcerias institucionais como MPU (Ministério Público da União) e TCU (Tribunal de Contas da União) garantem a Claudia uma forma de prestar contas à sociedade de que "tudo é feito de forma correta na ONG".

"Você pede [dinheiro] pela causa, mas gostaria de não precisar. Mas se não pedir, não caminha. É preciso enfrentar pessoas, criar constrangimentos, por mais delicada que eu seja. E para mexer com o dinheiro público, é preciso ter sentimento por ele e passar para a equipe. É um processo educativo interno."