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Contra desnutrição e machismo, africana cria negócio com mulheres sem terra

Salma Abdulai, fundadora da Unique Quality Product Enterprise - Divulgação/UQPE
Salma Abdulai, fundadora da Unique Quality Product Enterprise Imagem: Divulgação/UQPE

Daniela Carasco

da Universa

26/03/2018 04h00

Combater a fome no mundo poderia até ser um desejo clichê, se não fosse o trabalho da africana Salma Abdulai, 32. Natural de Gana, onde mais de 50% das crianças sofrem de desnutrição e a fome faz 3,5 milhões de vítimas fatais todos os anos, ela decidiu reverter as estatísticas com esforço próprio.

"A desnutrição é uma questão social séria em Gana, onde temos muitas crianças que morrem com menos de cinco anos de idade por causa da má nutrição", conta. "Por isso, acredito que, para ter uma sociedade saudável e ativa, precisamos começar com a comida." E foi isso o que decidiu fazer.

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Formada em Tecnologia Agrícola e pós-graduada em Economia Agrícola, ela tem promovido uma verdadeira revolução agrícola e social em seu país. Em 2014, usou suas economias de US$ 5 mil (R$ 16.500) para abrir sua empresa, a Unique Quality Product Enterprise. Desde então, beneficia não só aqueles que sofrem de problemas nutricionais, como também mulheres impactadas por uma sociedade predominantemente patriarcal.

A caminhada de Salma

Depois de anos de estudo, Salma redescobriu o potencial do fonio, um cereal indígena altamente nutritivo, que estava em desuso há seis décadas por conta da introdução do arroz e de outros tipos de grãos. Feito isso, concentrou esforços para abrir seu próprio negócio, dedicado a produzir e comercializar o produto de um jeito um tanto quanto poderoso.

Durante as pesquisas, ela identificou a possibilidade de cultivar o fonio em qualquer tipo de solo, do mais seco ao mais úmido. E bastavam oito semanas para que ele amadurecesse. Nascida e criada em Tamale, no norte de Gana, onde mulheres não podem ser donas de terra, ela forneceu terrenos --até então inférteis-- a centenas de moradoras sem terra e as capacitou para o cultivo do cereal.

"Sempre tive consciência social, mas as pessoas me diziam que seria impossível realizar o que eu queria", recorda em um vídeo de divulgação do projeto. "Diziam que eu jamais daria condições para que mulheres tivessem suas terras, fazia parte da nossa cultura e tradição elas pertencerem aos homens. Pois bem, a tradição e as terras continuam aqui, só que agora as mulheres também têm acesso a elas. E os homens passaram a entender que não se trata de uma competição."

Em quatro anos de trabalho, ela aumentou de dez para 350 o número de mulheres produtoras capacitadas para o cultivo. Depois de colhido, o produto é transportado para a sede da empresa, onde um grupo de cerca de 20 funcionárias dá andamento aos passos seguintes.

Ele precisa ainda ser processado, pré-cozido, embalado e distribuído para o abastecimento dezenas de escolas, armazéns e centros médicos, atuando diretamente na diminuição dos índices de desnutrição. Na fase final, o produto ganha o selo DIM Fonio - 'dim' é 'comer' no idioma local.

fonio - Divulgação/UQPE - Divulgação/UQPE
Fonio produzido pelas mulheres da Unique Quality Product Enterprise
Imagem: Divulgação/UQPE

O que é o fonio?

Semelhante a um milho, esse cereal não tem glúten e é rico em ferro, proteína e carboidratos. Além disso, ele pode ajudar pessoas com problemas pré-existentes, como diabetes, já que tem baixo índice glicêmico e propriedades reguladoras de insulina.

Além disso, a produção de fonio promove um importante impacto ambiental. Ela minimiza a erosão de solos e dispensa o uso de fertilizantes, que prejudicavam o terreno. Este cereal ainda é resistente a mudanças climáticas, devido à baixa necessidade de água, e pode ser colhido três vezes em uma única estação.

Os números de Salma

  • 1.500 hectares de terras degradadas já estão sob o manejo sustentável
  • 3.000 agricultores sem terra devem ser envolvidos no cultivo de fonio nos próximos anos
  • US$ 600 (R$ 1.900) é o montante faturado por cada produtora, a cada safra
  • US$ 70 mil (R$ 231 mil) foi o faturamento anual do negócio até 2017
  • 512 famílias já foram ajudadas pelo negócio

Sua proposta para um mundo melhor

Acreditar em si mesma sempre foi o combustível de Salma para seguir em frente com seus planos e acabou virando a filosofia de seus negócios. Mas ela também é uma forte defensora do empreendedorismo feminino para mudar a realidade não só de seu país.

"O empreendedorismo é uma maneira de destacar a influência das mulheres no mundo", acredita ela, que atua hoje também na Canadian Feed The Children, em Gana. A instituição tem como proposta oferecer treinamentos a pequenos agricultores sobre sistemas, ferramentas, tecnologias e sementes agrícolas adaptadas ao clima local. Cerca de 85% das famílias locais dependem da agricultura para sobreviver.

Inspiradora e responsável por resultados tão significativos, Salma é sempre muito celebrada quando vai ao encontro das produtoras que colabora. "Sou tratada como se fosse presidente do país. De certa maneira, sou mesmo. Afinal, a função de um chefe de Estado é melhorar a condição de vida de seu povo e é isso o que eu faço", descreve.