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TJSP livra mulher por crime de aborto após denúncia médica; entenda o caso

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Imagem: getty images

Natacha Cortêz

da Universa, em São Paulo

13/03/2018 18h55

No último 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou ilegais as provas contra H. S., mulher de 21 anos acusada criminalmente de autoaborto (“provocar aborto em si mesma”, crime tipificado no artigo 124 do Código Penal), e impediu a ação penal que estava em curso. O pedido de trancamento do processo foi feito pela Defensoria Pública de São Paulo. 

O TJ-SP reconheceu que as provas contra H. eram ilícitas pois foram conseguidas após denúncia da própria médica que a atendeu num hospital público, o que configura violação de sigilo ético profissional. 

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Elaborado pelas defensoras públicas Ana Rita Souza Prata e Paula Sant’Anna Machado de Souza, coordenadoras do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, o pedido de trancamento da ação integra um conjunto de 30 habeas corpus em favor de mulheres acusadas criminalmente de aborto. Outras seis ações desse conjunto já foram julgadas, no entanto, a de H. foi a única até agora a ter reconhecida a ilegalidade da prova --o que faz da decisão do Tribunal memorável. 

"Aqui em São Paulo, a Defensoria não tem conhecimento de nenhuma decisão semelhante na Justiça. Com o caso de H., criou-se um precedente no Estado de uma tese de defesa, importante para as mulheres acusadas de autoaborto, uma vez que 75% delas chegam ao sistema de justiça delatadas por profissionais da saúde", explica Ana, que ainda tenta responder o porquê do caráter inédito da decisão: "Apesar de antiético, há pouco reconhecimento no Judiciário da ilegalidade desse tipo de prova; mesmo com o posicionamento do Conselho Federal de Medicina sobre a questão". 

Em setembro de 2017, a Universa falou sobre os habeas corpus protocolados pela Defensoria e mostrou que, na maioria dos casos, quem de fato denuncia a mulher são trabalhadores das esquipes médicas. "Eles próprios fazem as denúncias ou entregam documentos médicos [exames e prontuários, por exemplo] ou fazem declarações à pessoa das comunidades", conta Ana. 

Aborto é uma das maiores causas de mortes de mulheres, especialmente as mais pobres

Em seu voto, a relatora do processo, desembargadora Kenarik  Boujikian, afirmou que o aborto é um "gravíssimo problema de saúde pública e deve ser enfrentado fora do âmbito das políticas repressivas, excludentes, fortalecedoras da violência e reprodutoras de dor e sofrimento". Ela ressaltou que o procedimento quando clandestino é uma das maiores causas de mortes de mulheres, especialmente as mais pobres, que sofrem com a seletividade penal. "Isso porque a criminalização faz com que elas, em vez de buscarem atendimento no sistema público de saúde, optem por outras soluções por conta própria. Posteriormente, quando já estão em péssima situação física e emocional, chegam ao serviço público e podem acabar denunciadas".

Médicos não devem projetar os seus valores éticos e/ou religiosos em cima de pacientes.

Thomaz Gollop, ginecologista e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), conversou conosco sobre as delações médicas. "Profissionais da saúde não podem denunciar um paciente sobre qualquer questão da vida dele a nenhuma autoridade, seja ela policial ou de qualquer outra natureza. Aliás, se o paciente não te autorizar, nem para a família dele você pode dar informações. Isso é uma infração ética grave. Médicos não devem projetar os seus valores éticos e/ou religiosos em cima de pacientes. Mas muitos não entendem isso", conclui. 

As leis de aborto no Brasil

Desde 1940, o código penal brasileiro permite a interrupção da gravidez somente em casos de violência sexual ou de risco à mãe. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal também autorizou que o aborto fosse realizado para fetos com malformação cerebral (anencefalia). Quem provoca o próprio aborto ou dá permissão para que outra pessoa o cometa, pode ter punição de um a três anos de detenção.