"Crime passional foi criado para perdoar assassinos. É feminicídio"

Em outubro, no Piauí, Ana Carolina de Sousa Barros foi morta a pedradas pelo ex-cunhado. A polícia alegou que o criminoso sentia um "amor platônico" pela vítima. No mesmo mês, em Minas Gerais, Laís Andrade foi assassinada pelo ex-namorado com uma facada no pescoço, dentro da viatura da polícia, a caminho da delegacia. Há tempos, a vítima se queixava do ciúme do ex. Em novembro, no Mato Grosso, Rita Jorge da Silva foi morta a tiros na frente da família. O suspeito é o ex-marido, a quem ela pedia o divórcio. No boletim de ocorrência, o caso foi classificado como crime passional.
Ainda que o crime de feminicídio --homicídio qualificado envolvendo violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher-- tenha entrado para o Código Penal, em 2015, assassinatos como esses continuam sendo relacionados ao termo passional.
"Isso precisa acabar", diz a advogada criminal Luiza Nagib Eluf, autora do livro "A Paixão no Banco de Réus" (ed. Saraiva). "Há dois anos, demos um nome abominável a uma conduta inaceitável. E é ele que deve ser usado para que um assassino nunca mais seja encoberto."
"Ninguém mata por amor"
Associar casos como esses à paixão, amor e ciúme foi "um recurso encontrado por advogados de defesa lá nos anos 1940 para que assassinos de mulheres fossem perdoados", explica a especialista. Na época, uma mudança no Código Penal passou a negar perdão a qualquer homem que matasse uma mulher por suposta ou efetiva traição. "Ninguém mata por amor. O réu nunca é um apaixonado que se descontrolou. Ele é um homicida."
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Só em 2016, um levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 4.657 mulheres foram mortas no país, sendo 585 ocorrências de feminicídio -12,6% do total. Os casos, porém, ainda são amplamente subnotificados.
"O ciúme não pode ser socialmente incentivado"
Sentimentos de posse e superioridade do homem com relação à mulher é o que gera assassinatos como esses, garante Luiza. Por isso, sugere que cada vez mais o ciúme deixe de ser visto como um "sentimento bonito" e passe a ser interpretado como algo "torpe e perigoso". "Quem sente ciúme acha que manda no corpo do outro. Ele não pode ser incentivado. Ninguém é dono ou propriedade de alguém", diz.
A polêmica em torno do termo "feminicídio"
Em agosto, a SUG 44/2017, sugestão de iniciativa popular que pede a revogação da Lei do Feminicídio, reuniu 20 mil votos de apoio e foi encaminhada para análise na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). O mineiro Felipe Medina, autor da ideia legislativa, alega que "feminicídio é um termo totalmente infundado que fere o princípio da igualdade constitucional" e defende que "violências passionais contra qualquer pessoa sejam apenas um agravante de crime hediondo".
"Esse tipo de pedido é absurdo", diz Luiza. A SUG ainda está em tramitação. "Não faz sentido que uma pessoa se sinta prejudicada pela existência do termo, a não ser que esteja planejando matar uma mulher por razões do gênero feminino", disse durante a última audiência pública sobre a questão. Segundo ela, para quem tem conduta correta, o acréscimo do tipo penal "não faz mal nenhum". "Só contribui para salvar vidas." Hoje, o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo.
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