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Mortalidade infantil: São Paulo tem semelhanças com países ricos e pobres

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Marcos Candido

Do UOL, em São Paulo

06/12/2017 04h00

A cabeleireira Sandra de Moura, 42, diz ter dificuldade para para criar os dois netos. Porém, as barreiras que encara hoje são semelhantes às que enfrentou quando teve o primeiro filho, aos 20 anos de idade.

Moradora da ocupação Jardim União, no Grajaú, zona sul de São Paulo, ela só pôde iniciar os estudos aos 16 anos, já que trabalhava para ajudar o restante da família. Quatro anos depois, abandonou a escola para cuidar do primogênito como mãe solo.

Além de cabeleireira, ela atravessava a cidade para trabalhar como operadora de telemarketing na região da avenida Paulista, cerca de duas horas de distância de sua casa.

“Ainda hoje, vaga em creche é quase impossível e demora meses”, ela diz. Os netos de Sandra só tiveram acesso ao pré-natal e atendimentos pediátricos quando ela e os colegas de ocupação fizeram um protesto em frente da Unidade Básica de Saúde que atende a região.

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Da África a Europa em uma mesma cidade

Em São Paulo, uma criança de zero a seis anos de idade pode enfrentar uma realidade na primeira infância que varia de países ricos da Europa a índices similares a de regiões pobres da África, Ásia e América Central.

É o que indica o “Mapa da Desigualdade - Primeira Infância”, desenvolvido pela rede “Nossa São Paulo”. Publicado nesta terça (5), o estudo reúne 28 indicadores que mostram como é distribuído o acesso à educação, saúde, assistência social, segurança pública, direitos humanos, preservação do meio-ambiente e saneamento básico a crianças de zero a seis anos de idade em São Paulo.

Mapa da desigualdade - Reprodução/Rede Nossa São PAulo - Reprodução/Rede Nossa São PAulo
Imagem: Reprodução/Rede Nossa São PAulo

Taxa de mortalidade é similar a países pobres

Segundo o levantamento, o Grajaú, na zona sul de São Paulo, é o distrito que mais aparece entre os piores indicadores da cidade para a primeira infância. Na região, há cerca de 75 favelas e o tempo para se conseguir uma vaga em uma creche pode passar dos 200 dias. O número de Unidades Básicas de Saúde é de 0,379 a cada dez mil habitantes na região.  “Ser mãe e criar um filho aqui é muito, muito difícil”, diz Sandra.

A taxa de mortalidade infantil no Grajaú fica na casa dos 14 óbitos a cada mil nascidos vivos --número superior ao da Líbia. Pinheiros, por exemplo, área da zona oeste do município, teve uma taxa de mortalidade infantil de 1,59 a cada mil nascidos vivos na mesma região, em 2015. O número chega a ser inferior a última taxa registrada pela ONU, em 2016, em países como Noruega, Suécia e Suíça.

Em contrapartida, o distrito de Pari, na região central de São Paulo, registrou o pior número, com 27,03 mortes de crianças de até 5 anos a cada mil nascidas vivas, o equivalente a países como Marrocos, na África, e Filipinas, na Ásia. Segundo a ONU, o Brasil teve uma taxa de mortalidade infantil de 15 a cada mil em 2016.

A gravidez na adolescência é 25 vezes maior em Marsilac, no extremo sul da cidade, do que em Moema, bairro nobre, também na zona sul. 22,88% dos nascidos vivos na extremidade da cidade têm mãe com até 19 anos, contra 0,887% em Moema.

Mapa pretende reverter números negativos

Para Jorge Abrahão, coordenador da “Rede Nossa São Paulo”, a intenção do mapa é mostrar ao poder público, sociedade e organizações governamentais como é preciso criar políticas públicas para reverter a desigualdade entre mães e crianças em uma fase considerada essencial de formação. “Estamos falando de 1 milhão de crianças, uma parte mais do que expressiva da população paulistano”, defende Jorge Abrahão.

O estudo também mapeia casos de violência doméstica, que Jorge diz ser revelar como é o espaço doméstico em que as crianças são criadas. O distrito com o pior índice foi o Itaim Paulista, no extremo zona leste de cidade, com 258,26 internações de mulheres de 20 a 59 anos por possíveis agressões de violência doméstica em 2015.

Vila Medeiros, na zona norte, teve 8,96 homicídios a cada 100 mil mulheres em 2015. As fontes vão de banco de dados do SUS, IBGE e a secretarias e órgãos municipais de saúde e mortalidade.

Os dados e um mapa interativo da pesquisa pode ser vistos no site oficial do estudo.