Topo

Papo de vagina

Tem mulher usando a menstruação para adubar a horta. Será que funciona?

Getty Images
Imagem: Getty Images

Helena Bertho

do UOL

09/11/2017 04h00

Metade das garotas ainda tem vergonha de falar sobre menstruação. Na contramão, um movimento tem procurado desmistificá-la e lembrar que é algo natural. E, como parte desse movimento, a prática de fertilizar hortas e plantas com o sangue menstrual ganha espaço.

A ideia central é a de que o sangue é rico em nutrientes, e, portanto, seria benéfico para as plantas e um desperdício jogá-lo fora. Mas será que isso é seguro? Funciona? Como faz?

Veja também

"Faz bem para as plantas, dá para notar a diferença"

O quintal da casa da antropóloga Mariana Macchini, 34, é repleto de vasos e canteiros. Manjericão, mamão, babosa... Diferentes tipos de plantas crescem ali e ela acredita que, quando recebem uma rega com sangue menstrual, ficam "mais vivas". Há dois anos ela é adepta da prática.

Coletor menstrual - iStock - iStock
Imagem: iStock
"Isso só foi possível por causa do coletor menstrual, porque ele coloca a gente em contato com o sangue. Aí eu acabei lendo sobre isso na internet, conversei com amigas e decidi seguir a ideia", conta.

Para adubar os vasos, Mariana mistura uma parte de sangue para dez de água e despeja na terra. "Não é nada sistemático. Quando tiro o copinho em casa, dissolvo na água, escolho um vasinho e rego. Já me falaram que faz bem para as plantas, e faz todo sentido! É uma junção de nutrientes. Tem época que escolho um vaso para regar sempre e dá para notar a diferença", afirma.

Mas tem cheiro? E gosto?

A naturóloga Bárbara Vizoli, 23, soube da prática da fertilização com sangue ao assistir a uma palestra sobre os ciclos femininos. "Ela falou de anticoncepcional, das fases da mulher, que são como as da lua, e falou sobre 'plantar a lua". Plantar a lua é um dos nomes dados à prática de usar a menstruação para fertilizar a terra.

Depois da palestra, já começou a usar o coletor e, já na primeira menstruação, usou o sangue para regar as plantas que tinha em casa. "Foi muito especial".

Isso tem um ano e, desde então, ela aduba as plantas com o sangue menstrual. "Não fica cheiro na terra nem atrai inseto. Também não muda o sabor dos temperos, sempre uso o orégano. Mas a diferença é visível. Tinha um orégano morrendo, 'plantei a lua' e logo apareceram folhinhas verdes", conta.

A ciência concorda com elas?

Apesar de ter gente que diz que a prática é antiga e parte de rituais indígenas, não existem muitos estudos ou materiais científicos sobre ela. Mas, segundo as biólogas entrevistadas pela reportagem, considerando a composição do sangue, é provável que ele tenha, sim, efeito nutritivo para as plantas.

"O sangue é composto, basicamente, por plasma e células sanguíneas (hemácias, leucócitos e plaquetas). Dentre essas, as hemácias são constituídas de hemoglobinas, que contêm ferro em sua estrutura, potanto, é uma fonte de ferro", explica Fernanda Mendes, doutoranda em botânica pela USP.

"Na composição das células, há poucas quantidades de elementos inorgânicos e grandes quantidades de elementos orgânicos, como carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. A disponibilidade de nutrientes no solo é um fator fundamental para o desenvolvimento das plantas". 

Ela reforça que, de fato, a matéria orgânica decomposta, como o sangue, contribui para os vegetais, mas que as concentrações desbalanceadas dos nutrientes podem ser prejudiciais.

"Não há comprovação científica, mas se a pessoa usa coletor e gosta de cuidar das plantas, acho que pode ficar à vontade para colocar o sangue lá e observar o que acontece. As plantas sempre dão sinais quanto a déficits ou excessos. Basta observar".

A prática pode transmitir doenças?

Sobre o risco de contaminar as plantas e, posteriormente, quem ingeri-las, a bióloga Nelsimar Monnier afirma que é inexistente. "Para a planta não transmite a doença, porque são organismos diferentes".

No entanto, ela alerta que o manuseio do sangue pode, sim, trazer riscos para a saúde. "O sangue é material biológico. Existem doenças na corrente sanguínea e o contato com ele pode ser uma porta para a transmissão".

A própria mulher que menstrua não corre risco de contrair nada que já não possa ter do próprio sangue, mas outras pessoas que participarem do manuseio ou possam entrar em contato com sangue correm riscos.

Por isso, Nelsimar não recomenda a prática, considerando adubos inorgânicos mais seguros. Mas, se a mulher estiver com a saúde em ordem ou for a única a mexer no sangue, fazer a adubação não é considerado perigoso.

Papo de vagina