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Relato de uma ex-detenta: "Diziam ao meu filho que eu trabalhava fora"

Hannah foi presa pela primeira vez quando era adolescente - Arquivo pessoal
Hannah foi presa pela primeira vez quando era adolescente Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela Guimarães

Colaboração para o UOL

19/10/2017 04h00

Hannah Isabela Gonçalves da Rocha, 30 anos, foi presa pela primeira vez quando era adolescente. Ela também era mãe de um menino de 1 ano e precisou lidar com a dolorosa separação da família. Hoje, cinco anos depois que foi solta, ainda enfrenta dificuldades para se reintegrar à sociedade.

“Fui presa aos 15 anos por tráfico de drogas. Na época, meu filho tinha 1 ano e 2 meses, mamava no peito ainda. Durante os cinco meses em que fiquei na prisão, deixei ele com a minha irmã. Quando saí, não consegui retomar a guarda dele – minha irmã não cedeu e a Justiça também não. Pior que isso, só a reação dele quando me viu: não me reconheceu. Foi horrível! Eu soube ali o que as outras mulheres que estavam ainda na prisão passariam ao sair. Mais triste do que presenciar suicídios na cadeia, era ver grávidas chegando, tendo o bebê lá e, depois, tendo que entregar para a família ou para adoção.

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De volta à cadeia

Quando fiquei livre, terminei o ensino médio e fiz gestão empresarial com ênfase em administração. Mas, aos 25 anos, fui parar na cadeia novamente. Desta vez, eu não tinha feito nada. Mas meu marido sim. Me levaram junto com ele, por causa de um assalto. Disseram que uma pistola e um revólver eram meus. Só consegui sair porque eu pedi a perícia das armas e não tinha nenhuma digital minha. Mesmo assim, fiquei um ano na cadeia. Eu já tinha outra filha, que estava com 6 anos. O meu mais velho, que estava com a minha irmã, tinha 11 anos. Eu também estava grávida na época, mas no segundo mês de gestação tive um aborto espontâneo na prisão.

A saudade no cárcere

A minha irmã dizia ao meu filho que eu estava trabalhando fora, eles nunca foram me visitar. Eu preferia assim, não achava legal ficar levando eles. Sozinha, lá dentro, eu só pedia a Deus que meu coração não esfriasse junto com o ritmo da cadeia. Lá você vale o que tem, as coisas mais supérfluas corrompem. Para me manter firme, eu tinha fotos deles e também cartas que minha mãe enviava com o perfume deles. Pelo menos eu podia sentir o cheiro dos meus filhos.

Meu filho descobriu que eu estava presa

Um dia meu filho pegou uma carta que eu escrevi para minha mãe. Ao ver o endereço da penitenciária como remetente, ele disse: ‘Vó, a Hannah tá presa, né?’. Minha mãe não conseguiu negar. Sei que ele chorou muito, mas nunca questionou a mim nem a ninguém da minha casa. A minha filha ficou sob os cuidados do meu pai, até ele falecer. Hoje, ela mora comigo. É uma filha muito carinhosa.

O reencontro com a minha família

Saí num dia de chuva, foi maravilhoso! Tomei o melhor banho de chuva da minha vida! Eu pulei e gritei muito na rua, parecia louca. Tirando o nascimento de um filho, ter a liberdade de volta é a melhor sensação que existe. O reencontro com a minha família foi lindo. Na época, minha filha não entendia muito bem o que era a mãe estar presa. Hoje ela já sabe, mas isso não a afetou muito. Já meu filho, que ficou com a minha irmã, sabe que sou mãe dele, reconhece os irmãos (tenho mais um filho, de 1 ano), mas não me chama de mãe e nem o meu marido de pai. Isso já me doeu muito, mas hoje não tanto. Consigo vê-lo o tempo todo, porque eu e minha irmã somos vizinhas.

Tentativas de reintegração à sociedade

Já faz cinco anos que saí da prisão e ainda não consegui trabalho, por ser ex presidiária e mulher de preso. Eu chego a ser contratada, mas quando descobrem que eu visito meu marido na cadeia e que eu também já fui presa, me mandam embora. Já passei por isso três vezes. Falam que não podem continuar comigo, porque meu passado me coloca como uma pessoa de caráter e conduta duvidosos. Hoje eu vivo com ajuda da minha mãe e com o dinheiro de alguns bicos de faxina que faço. Meu marido trabalha na penitenciária e ganha um dinheirinho também, o que me ajuda.”