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"Comecei a usar cocaína para emagrecer e quase destruí minha vida"

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Helena Bertho

do UOL, em São Paulo

30/05/2017 13h25

A dona de casa Nicoly Bacarin, 30 anos, provou cocaína a primeira vez para tentar perder peso. Do pó foi para o crack e chegou ao fundo poço: morou na rua e até foi presa. Aqui, ela conta como deu a volta por cima.

"Provei cocaína pela primeira vez no carnaval de 2009. Mas não foi numa balada, como acontece com a maioria das pessoas que começam a usar a droga. Eu tinha uma amiga supermagra, enquanto eu, sofria por estar 30 kg acima do meu peso ideal e odiava meu corpo. Um dia, numa conversa, perguntei qual era o segredo dela para não engordar. Ela me disse era a cocaína. 

Naquela época, eu gostava de fumar maconha. Mas não me ajudava em nada, só me abria o apetite e eu engordava ainda mais. Então achei que, passando para cocaína, seria uma boa maneira de fechar a boca. E foi assim que abri a porta para coisas muito piores"

"Eu passava tão mal com a cocaína, que não conseguia comer"

"Para entender minha história, preciso contar um pouco do que aconteceu antes. Eu tinha começado a fumar maconha com 18 anos, época em que conheci um namorado de quem engravidei. Ele convivia com as drogas desde novo, não assumiu a gravidez e o namoro terminou. Larguei os estudos no colegial, tive a Julia aos 19. Nessa época engordei muito. Logo em seguida comecei a trabalhar na área administrativa de um banco e só continuei a ganhar peso.

Por quase três anos, levei a vida normalmente. Fumava maconha quase todos os dias, mas aquilo não me afetava. Só relaxava e abria o apetite, fazendo com que ganhasse cada vez mais peso. Acho que se não fosse o meu contato com a cocaína, tudo teria seguido bem na minha vida.

Experimentei e, de fato, o pó tirava completamente minha fome. Eu me sentia muito mal, ficava incomodada com a forma como fechava minha garganta e no dia seguinte tinha dor de cabeça, enjoo e indisposição. Mas aquilo me fazia não conseguir comer e, por consequência, emagrecer, então continuei usando.

A diferença no corpo veio rápido. Eu não sei ao certo na balança quanto foi, mas eu via meu corpo mudando e me sentia mais interessante.

Usava aos finais de semana, às vezes às quintas-feiras. Como não sabia como comprar a droga, acabei retomando o contato com o pai da minha filha. O que fez com que retomássemos o relacionamento, o que só contribuiu para minha autoestima que estava melhorando na época. 

Mais ou menos dois meses depois de começar a usar a droga, decidi que queria casar com ele, montar uma casa. Pedi demissão e, com o dinheiro da rescisão, comprei o enxoval da futura casa. Até ai, parecia que estava tudo só melhorando na minha vida.

Minha mãe não estava feliz com a forma como eu andava me portanto e decidiu pedir a guarda de minha filha. Isso me deixou muito revoltada, o que somado com os efeitos da droga no meu corpo, que me deixava mais no limite. Briguei feio com ela e saí de casa para morar com meu namorado."

"Provei o crack e foi aí que tudo acabou"

"Um dia, na casa dele, encontrei um embrulho com algo que eu não sabia o que era. Pensei que fosse maconha e perguntei se podia provar. Ele ficou assustando e na hora me deu um sonoro 'não'. O que só aumentou minha curiosidade. Era crack e eu tanto insisti que ele acabou me deixando provar.

A gente fumava no cigarro, misturado no tabaco e a sensação era ótima. A gente sempre queria mais e a essa altura minha preocupação com minha aparência já quase nem existia, eu fumava pelo efeito mesmo. Todo dia esperávamos a mãe dele sair para a igreja e acendíamos um. O problema é que fazia uma baita fumaceira e ela não suportava aquilo. Eu me sentia mal em incomodar minha sogra, por isso decidi não fumar mais com tabaco e provar na lata – ou no cachimbo, porque fazia menos fumaça. E foi aí que acabou, não teve mais volta."

"Roubei para poder fumar e fui presa"

"Quando provei o crack puro, o negócio era outro. Eu não via o tempo passar, ficava completamente fora de mim, passava até 24 horas na mesma posição sem perceber.

Pedíamos dinheiro para minha sogra, até acabar com tudo. Então começamos a sair, para fazer pequenos furtos e acabávamos não voltando para casa. Nem víamos o tempo passar, perdia completamente a noção de onde estava.

Foi em um desses momento que, roubando um supermercado, fui pega saindo com uma garrafa de whisky para vender e fui presa. Minha mãe foi avisada na hora, mas me deixou passar seis dias na prisão, esperando que aquilo me ensinasse alguma coisa. Então me pagou a fiança e, no mesmo dia em que saí, já voltei para a rua.

Não era uma decisão muito racional. Mas depois que começava a fumar, perdia totalmente a noção de tudo."

"Fui internada a força e logo dei um jeito de voltar para a rua"

"Depois da cadeia, passei 18 dias seguidos na rua. Ficava na parte de trás de um posto, onde fumava o que dava, até sair para fazer furtos e poder comprar mais. Eu era loirinha, de olho claro, acostumada com uma vida boa e não tinha nenhuma habilidade para viver na rua. Para minha sorte tinha uma outra mulher, dependente também, que se juntou a mim e me ajudava a me virar.

Não era só roubar que eu precisava, mas sobreviver. Precisava ficar ligada, tomar cuidado. Era preciso muito pouco para que as pessoas se matassem pela droga e eu tive que aprender os esquemas todos. O fundo do posto de gasolina era o nosso local seguro. 

Eu e ela ficávamos juntas ali, fumando e passando às vezes até cinco dias sem comer, completamente dopadas. De vez em quando meu namorado aparecia e a gente brigava, ele ficava muito violento quando estava usando.

Mas para mim estava bem, eu mal percebia os dias passarem. Mas em um determinado dia minha mãe apareceu, com uma equipe de resgate e disse que queria me levar. Eu tentei despista-la, mas ela me ofereceu um café dentro do qual colocou remédio. Só me lembro do gosto amargo da bebida e de acordar dois dias depois dentro de uma clínica de reabilitação.

Só que eu não fiquei ali, não. Como a lógica da clínica era de que eu precisava querer estar ali, no dia em que pedi para sair, me liberaram. E isso foi seis dias após a internação. Fui para a casa da minha mãe de manhã e na mesma noite dei um jeito de pegar 20 reais e voltar para a rua."

"Apanhei muito e decidi sair dessa vida"

"Voltei para o crack e para a rotina dos furtos. Mas durou só uma semana, porque o pai da minha filha apareceu ali, extremamente alterado e começou a me bater muito. Ele estava fora de si e eu apanhei demais. Por sorte, consegui fugir em um momento em que ele se distraiu e liguei para a minha mãe, pedindo que me internasse novamente.

Assim voltei para a clínica, dessa vez decidida a sair dessa vida. O que fez toda a diferença, pois eu admitir o vício e querer largar era o primeiro passo para poder sair dele. 

Ah! Se vale saber, nesse processo eu de fato emagreci, afinal, ficava dias sem comer. Cheguei a pesar 40 kg e estava completamente acabada."

"Ajudei meu marido a vencer a dependência também"

"Os três meses internação não foram nada fáceis. Passei mal e tive alguns dias piores em que cheguei a desmaiar durante o processo de desintoxicação. Mas eu estava decidida e aguentei. No quarto mês até comecei a ajudar a dona da clínica na administração do local.

Depois voltei a viver com a minha mãe e fui tentando reconstruir minha vida, entrei para o Narcóticos Anônimos e ela, minha mãe, também foi participar de grupos de ajuda para poder lidar comigo e evitar que eu tivesse recaídas. Mas muita coisa eu perdi nesse um ano que passei entregue ao vício, como a guarda da minha filha, que foi dada para minha prima, madrinha dela – uma mulher incrível que cuida até hoje da Júlia como ela merece.

No ano seguinte, voltei a trabalhar na clínica, como monitora. Era um trabalho muito pesado, lidar com pessoas dependentes ou com distúrbios psiquiátricos, por isso aguentei apenas alguns meses. Mas nesse período conheci lá meu atual marido, o Marcelo. Ele era dependente e foi em busca de ajuda. Ali não tinha vaga, mas eu o ajudei a conseguir um lugar em uma outra clínica, no litoral de São Paulo.

Ainda ficamos um ano sem nos ver, período no qual ajudei na internação de diversos dependentes. Ele também se desintoxicou e passou a ajudar nisso e foi em um resgate que nos reencontramos e acabamos nos apaixonando, em 2011.

Fui morar com ele em São Vicente e estamos juntos até hoje. Marcelo colocou a minha recuperação à prova várias vezes, pois ainda teve diversas recaídas e precisei estar a seu lado e ajudar que saísse de todas elas. Fui forte e não só resisti, como consegui ajuda-lo a vencer o vício também. Ao nosso lado, sempre tivemos nossos pais, amigos e filhos, como uma parte essencial do tratamento.

Estou limpa há seis anos e ele há quatro e reconstruímos nossa vida por completo. Entre as muitas coisas que mudaram, hoje tenho uma relação muito mais saudável com meu corpo e sei ver a loucura que fiz para tentar emagrecer e não há magreza que pague o que passei por causa disso. Não me importo mais com isso, porque sei que a dependência é uma doença perigosa e existem coisas que valem muito mais que a minha aparência."

 

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