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"Depois dos 50 decidi fazer faculdade, morar em república e curtir a vida"

Cláudia é, de longe, a mais velha a turma.  - Arquivo Pessoal
Cláudia é, de longe, a mais velha a turma. Imagem: Arquivo Pessoal

Depoimento para Helena Bertho

do UOL, em São Paulo

16/04/2017 04h00

Cláudia Guerra,52, não se deixou abater pela separação e correu atrás de seu antigo sonho de estudar. Hoje ela está no segundo ano da faculdade de história, no interior de São Paulo, e mora com dois colegas em uma república. O nome da moradia? Dona Flor e Seus Dois Maridos.

Quando eu estava para fazer 50 anos, já não esperava muito mais da minha vida. Tinha meus quatro filhos, minha netinha, era casada e achava que a vida era isso. Aí veio um golpe: meu marido pediu a separação. Eu não queria, eu não sabia imaginar minha vida diferente da que eu tinha. Mas a situação era essa: ou eu ficava padecendo pelo meu marido ou ia fazer algo, tirar a dor da cabeça.

Eu amo estudar e tinha dentro de mim um sonho de fazer faculdade. Como engravidei e casei aos 17, isso não tinha sido possível antes, mas por que não agora?

Decidi então que faria faculdade de história. E mais, iria cursar uma das melhores faculdades o Brasil, em Assis, e mudar minha vida por completo!

"No primeiro dia pensei: o que eu estou fazendo aqui?"

Parecia impossível para mim entrar na Unesp, mesmo assim quis tentar. Por um ano estudei e me preparei. E o resultado veio já na primeira vez que fiz a prova, quando vi meu nome na lista de aprovados. Eu não acreditava, chorava de alegria e meus amigos choravam comigo.

Já nos dias seguintes arrumei minhas coisas, coloquei tudo no carro e parti, para ficar 480 km distante dos meus filhos e de tudo o que conhecia.

Lembro que já no primeiro dia de aula escrevi no meu caderno: "O que eu estou fazendo aqui?". A média de idade dos meus colegas era entre os 18 e 23 anos! Todos inteligentes, afiados, modernos. Eu era de longe a mais velha! 

Acompanhar as aulas era complicado no começo. Imagine, sem estudar havia anos. Mas outra dificuldade enorme para mim era a solidão: eu nunca tinha morado sozinha e agora estava em um sítio a 80 km da cidade, tendo de conviver só comigo.  

Depois de mais ou menos dois meses vivendo assim, resolvi que precisava mudar. E foi aí que vi o anúncio de uma vaga par dividir apartamento com mais dois rapazes. Não nego que achei aquilo esquisito, dividir a casa com dois completos estranhos. Mas era minha fase de experimentar coisas novas... Visitei o apartamento, gostei e liguei para os meninos confirmando. Antes, porém, eles quiseram ter uma conversa. ´É que nós temos namoradas e de vez em quando recebemos umas amigas. Nossas namoradas não podem saber...´.

"Quando alguma moça dorme aqui, eu até ofereço um cafezinho"

Acordo fechado, mudei-me e nossa república recebeu o significativo nome de ´Dona Flor e Seus Dois Maridos´. Brincadeiras à parte, acabei me tornando amiga deles e a convivência foi bem mais fácil do que eu imaginava. Quer dizer, no começo tinha seus desafios.

Imagine eu, acostumada a cozinhar para a família, cuidar da casa e contar com a ajuda de uma empregada doméstica, ia fazer meu almoço e me deparava com um fogão imundo. Aquilo me arrepiava, mas eu sempre pensava: ´por que eu estou aqui? É para pegar meu diploma e limpar esse fogão não vai me acrescentar nada nos estudos.´ Assim eu conseguia deixar para lá. Até porque, eles também precisam aceitar algumas coisas minhas. Vivo esquecendo calcinha no banheiro, por exemplo.

No fim das contas, minha convivência com os meninos é ótima. Com frequência fazemos uns eventos em casa, chamando alguns amigos para jantar. E quando alguma moça dorme aqui, eu sempre trato bem e até ofereço um cafezinho.

Por estar muito longe dos meus filhos, tem dias em que fico tristonha, para baixo. E os meninos na hora percebem e dizem que estou precisando de carinho de filho. Então me abraçam e tentam levantar meu astral! 

Cláudia adora torcer pelos times da faculdade no InterUNESP. - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Cláudia adora torcer pelos times da faculdade no InterUNESP.
Imagem: Arquivo Pessoal

"Não é que eu seja careta, mas o cheiro de maconha me faz mal"

Fora de casa as coisas também vão ótimas. Eu peguei o ritmo dos estudos e agora sou a nona aluna da sala! Além disso, fiz vários amigos e adoro sair com eles. Mas eu não consigo acompanhar o ritmo dos colegas, porque aqui tem festa de sexta a sexta. Prefiro uma cervejinha tranquila no bar.

Até porque odeio cheiro de maconha, passo mal. Não é que eu seja careta, não. Eu passo mal de verdade, cai a pressão. E nas festas não tem jeito, juntou uma rodinha, já sobe a fumaça.

Dos eventos mais badalados, os que mais gosto são os jogos do InterUnesp. Vou assistir e torcer todo ano, acho divertidíssimo. Também faço oficinas de forró e vou para as festas de peão das cidades vizinhas. Fora isso, ainda sou coordenadora do grupo de oração da faculdade. Ou seja, minha vida social é bem ativa!

Se não fosse meus filhos estarem longe, não teria nada do que reclamar da vida aqui. A verdade é que olho para mim e não reconheço aquela pessoa de 2014, que não acreditava, que achava que não podia viver mais nada. Agora eu acho mesmo é que a vida ainda está só começando.