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Você é gordofóbico e não sabe? Pessoas contam como sofrem com a gordofobia

A youtuber Luiza Junqueira deixou de ir a médicos para fugir da gordofobia - Reprodução/Instagram.com/luizajunquerida - Reprodução/Instagram.com/luizajunquerida
A youtuber Luiza Junqueira deixou de ir a médicos para fugir da gordofobia
Imagem: Reprodução/Instagram.com/luizajunquerida

Denise de Almeida

Do UOL

16/12/2016 06h04

Pense bem: será que você é gordofóbico e não sabe? O preconceito com quem é gordo pode aparecer disfarçado - em comentários aparentemente inocentes ou mesmo num olhar de julgamento - e também escancarado, com ofensas gratuitas a quem tem um peso considerado fora do padrão.

De xingamentos a sugestões de dieta que não foram pedidas, a humilhação constante pode não só abalar a autoestima, como ter consequências bem sérias: casos de depressão, adoção de regimes severos e medicamentos que colocam a saúde em risco.

Cinco mulheres e um homem contaram ao UOL como a gordofobia faz parte do cotidiano de cada um. 

"Não é porque eu sou gorda que minha saúde é um lixo", garante Sylvia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Não é porque eu sou gorda que minha saúde é um lixo", garante Sylvia
Imagem: Arquivo pessoal

Sylvia Barreto, 32, jornalista e modelo
Me incomoda bastante quando as pessoas falam ‘tem que cuidar da saúde!’. Não é porque eu sou gorda que minha saúde é um lixo. Tem muita gente magra e que tem a saúde ruim. Na internet é a mesma coisa: em vez de dizerem algo positivo, estão sempre querendo atacar, não sei o porquê. 

As pessoas têm que parar de falar ‘você tem um rosto tão bonito, por que você não emagrece?’. Por que você tem que se intrometer? Ela não pode estar satisfeita e feliz com o corpo? Eu estou superfeliz com o meu!

Por mais que eu queira estar magra, nunca vou ser feliz e completamente saudável sendo magra. Quando era adolescente, praticamente não comia. Às vezes tomava um copo de leite com achocolatado durante o dia todo. Chegava a desmaiar de fome.

Mas nunca estava magra o suficiente. Tenho 1,70m e cheguei a pesar 57kg. Esse peso não era normal para minha estrutura corporal. Eu era infeliz, mal-humorada, nunca estava satisfeita, me sentia sempre culpada e preocupada com o que estava comendo. Era um desvio pior do que comer demais. Eu não tinha noção que fazia isso pelos outros, mas hoje tenho.

Não sei se as pessoas são gordofóbicas porque têm medo de ficarem gordas ou se elas não aceitam que um gordo pode ser feliz. Somos bombardeadas pela publicidade, que diz que você tem que ser magra. É por isso que algumas mulheres têm como meta de vida serem magras. E aí quando surge uma gorda feliz parece que você ‘furou a fila’: ‘como ela pode ser uma gorda e feliz?’. Acho que é um pouco de dor de cotovelo. 

Maira Medeiros já tomou remédios para emagrecer, mas sofreu com efeitos colaterais - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Maira Medeiros já tomou remédios para emagrecer, mas sofreu com efeitos colaterais
Imagem: Arquivo pessoal

Maira Medeiros, 32, youtuber
O pior não é alguém chamar de gorda na sua frente, mas as situações que não parecem preconceituosas, e que você percebe depois que é pura gordofobia. Na minha casa, via minha família brigando com a balança e não entendia porque o peso era um problema, mas acabei aprendendo que não poderia ser gorda. Resolvi então tomar remédios para emagrecer: minha mãe foi contra, assim como o médico, mas fui atrás do "amigo do amigo" e consegui comprar sem receita.

As pessoas elogiam quando alguém está emagrecendo com remédios, mas não se preocupam com todos os efeitos colaterais que eles causam. Não ligam se ela está muito nervosa, está suando demais e mal de saúde. Só parei depois que meu namorado me falou que eu não era mais a mesma pessoa. Ele me disse: "eu prefiro você gorda e normal do que você magra e desse jeito, alterada. E você, prefere o que?"

As pessoas precisam parar de pensar que alguém é pior ou melhor por causa do seu peso.

Uma vez participei de um vídeo com outros youtubers, incluindo os meninos do Jovem Nerd. Eles são gordos, mas os fãs se incomodaram com o fato de ter uma mulher gorda entre eles. Fizeram muitos comentários negativos sobre mim. Ou seja, tudo bem o homem ser gordo, o julgamento do corpo só acontece com a mulher. Tanto que surgiu a história de que ter "dad bod" (corpo de pai, em português) é ok, mas não existe "mom bod". Pelo contrário, a mídia adora exaltar a famosa que teve bebê e três meses depois está magra e maravilhosa numa praia paradisíaca. 

"Sempre me achei linda", afirma a cantora MC Carol  - Fernando-Schlaepfer/Divulgação - Fernando-Schlaepfer/Divulgação
"Sempre me achei linda", afirma a cantora MC Carol
Imagem: Fernando-Schlaepfer/Divulgação

MC Carol, 23, cantora 
Odeio quem fala que gordo é doente, que o peso te impossibilita de fazer as coisas e que ele tem que cuidar mais da saúde! Estou cansada de ver gente magra com problemas de alimentação e excesso de gordura no corpo, mas ela nunca vai ouvir isso. Outro dia fiz um post sobre isso com duas meninas negras, gordas e maravilhosas fazendo ioga. Aposto que muito magro que não consegue fazer metade do que elas fazem! 

Nenhuma situação de gordofobia realmente me atingiu, mas recentemente um grupo fez um ataque com ofensas gordofóbicas e racistas na minha página. Tivemos que fazer um BO na delegacia de crimes virtuais. Eles falavam coisas tão absurdas que não tinha nem como levar a sério. 

Nunca sofri preconceito por ser gorda antes de ser famosa, porque me impunha na comunidade -comprava até briga com os meninos, então a galera me respeitava. O preconceito maior que sofri sempre foi por ser negra e favelada. 

A relação com meu corpo é a mesma de sempre: me acho linda! E não consigo entender como ainda precisamos falar de gordofobia em 2016. As pessoas não estão aceitam o que é diferente. E não são só os gordos que sofrem com isso, todas as minorias sofrem: negros, mulheres, homossexuais. Sinto é pena de quem ainda não consegue respeitar alguém que seja diferente. 

Para Rodrigo, o preconceito com homens gordos é menor, mas existe - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Para Rodrigo, o preconceito com homens gordos é menor, mas existe
Imagem: Arquivo pessoal

Rodrigo Barrionuevo, 35, modelo e bancário 
Acredito que para os homens essa situação seja um pouco diferente. Para nós, a gordofobia acontece mais quando se está na adolescência, na transição para a vida adulta, em que não se é aceito de forma alguma no seu grupo social. Você não é escolhido para fazer parte da turma. Na escola acontece bastante isso.

Sempre fui gordo, o cara grandão. Como os meninos tinham um pouco de medo de mim, eu não sofria tanto. Mas tinham algumas situações em que você percebe que não está sendo aceito -quando acontecem convites para eventos, por exemplo. Não te chamam porque você é o gordo da turma.

Cada um tem que cuidar do seu quadrado, da sua vida. Sou feliz, sou gordo, faço tudo que eu quero, não tenho nenhuma limitação por isso e não fico perdendo meu tempo acusando outras pessoas. As pessoas não aceitam que o gordo possa se sobressair, ser seguro e que pode fazer o que ele quiser. Fui atleta por muitos anos na adolescência e, quando dizia isso, as pessoas olhavam para mim e falavam: "atleta, você? Você é gordo!’. E sim, eu era um atleta peso-pesado de judô e faz parte ser grande e gordo. Isso não é um problema, inclusive é legal. 

"Não consigo enxergar esse monstro que as pessoas criam", diz a professora Luisa Leinns sobre seu peso - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Não consigo enxergar um monstro", diz a professora Luisa sobre seu peso
Imagem: Arquivo pessoal

Luisa Leinns, 25, professora
Sempre que ia a Minas Gerais visitar meus avós as pessoas me paravam na rua para falar "nossa, como você engordou" Essa tinha sido a única vez em que ninguém fez comentários. Estava até feliz, indo embora, quando minha madrinha me disse que eu deveria fazer uma dieta porque estava muito gorda. Fui chorando da casa até a saída da cidade. Aquilo me fez muito mal e eu não voltei mais.

No dia a dia, minha sogra fala "nossa, você precisa emagrecer, você só faz comida de gordo". São coisas que vão me deixando bem chateada. Acredito que as pessoas estejam querendo que eu emagreça pela minha saúde e falam para me incentivar, mas acabam desmotivando. Elas não sabem o quanto isso me machuca.

Vou fazer uma cirurgia bariátrica. Não gostaria, mas estou com muitas dores nos pés e nas pernas. Não me incomodo com meu peso. O que incomoda são as pessoas se incomodando por mim. Não tenho uma vaidade de querer emagrecer, e me sinto bem como sou.

Não consigo enxergar no espelho o que as pessoas demonstram em seus comentários. Às vezes tenho a impressão de que eu estou com algum problema de visão, porque eu não consigo enxergar esse monstro que as pessoas criam, da forma como eu estou e do meu peso.

Não se deve fazer nenhum comentário sobre o corpo do outro. Ninguém tem nada a ver com isso. Desde meu casamento até hoje, um ano depois, engordei 18kg. Tenho consciência disso, porque eu subo na balança e me peso. Não preciso que ninguém me diga isso. Não vai me ajudar, pelo contrário, vou acabar me sentindo pior e comer mais, em vez de querer dar a volta por cima.

Comprar roupas também é muito difícil. Porque a gente não encontra nada e quando encontra são peças horrorosas. Você não consegue se sentir bonita, porque tudo envolve pessoas magras. Então isso faz sua autoestima ficar menor. 

Luiza Junqueira, 24, youtuber
Claro que a gente sofre preconceito da família e das pessoas ao redor, mas acho que o pior preconceito você sente no consultório médico. Já tive várias situações com profissionais gordofóbicos. Eu parei de ir, principalmente, em endocrinologista. Fui muito quando era adolescente e eles te humilham mesmo, é muito grave.

São coisas que passam despercebidas, justamente porque o médico tem o respaldo da profissão. Só que eles não são anjos que não praticam gordofobia. Muito pelo contrário.

Você não tem como ir contra a fala de um médico porque eles estão em uma posição de poder. O que ele disser vai ser verdade, então ele aproveita para humilhar as pacientes gordas. Já fui a dentista e saí com dieta!

O que também é recorrente e incomoda são os comentários das pessoas ao redor. Principalmente quando uma pessoa magra fala "Ai, eu estou muito gorda" para quem é gorda. Se você levanta a sua voz, a pessoa ainda fala "não estou falando de você, é sobre o  meu corpo. Acho você maravilhosa, mas eu, gorda, não dá". Esse tipo de violência é muito comum e machuca.

Acho que isso tudo faz parte da ferramenta capitalista para vender produtos: as pessoas têm que estar o tempo buscando uma felicidade em coisas inatingíveis. Para mim, o padrão de beleza está todo aí. Ao mesmo tempo em que a indústria de alimentos tenta empurrar toda a comida pela sua goela abaixo, você tem que ser magro, ter um corpo perfeito. Tem alguma coisa errada aí, a conta não fecha. É uma coisa para movimentar a economia mesmo.

Hoje a relação com o meu corpo é ótima. Mas até 2013 eu odiava, tinha muita depressão, muito problema de autoestima - e num nível grave. Eu fazia dietas horríveis, ficava sem comer, eu tinha compulsão alimentar fora do comum. Eu não mostrava meu corpo. Até pouco tempo eu não usava roupas que mostrassem meu braço ou minha perna, não usava biquíni, só bermuda e maiô.

Tudo isso é reflexo da cobrança da sociedade sobre o corpo feminino. Toda mulher sofre com gordofobia e acha que não pode engordar. Está sempre de dieta, mesmo quando é magra. A mulher gorda sofre muito porque é o alvo de desprezo de toda a sociedade e dela mesma.

As pessoas têm que parar de falar "gordice" e de falar que está gordo quando não está. E também parar de usar a palavra "gordo" ou "gorda" como xingamento. É um adjetivo normal. Acho tranquilo alguém falar que eu sou gorda, não precisa dizer "gordinha". Não tem que amenizar: gordo não é xingamento.