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"Os caminhões que me sustentam", diz trans empresária e funkeira

Marcela durante sua última passagem por Londres, na Inglaterra, há cerca de dois meses - Samuel Rodrigues/Divulgação
Marcela durante sua última passagem por Londres, na Inglaterra, há cerca de dois meses Imagem: Samuel Rodrigues/Divulgação

Depoimento a Thais Carvalho Diniz

Do UOL, em São Paulo

18/05/2016 18h50

Marcela Porto, 33, nasceu Bruno Souza e hoje é conhecida no cenário do funk carioca como Mulher Abacaxi. Ao UOL, ela contou que escolheu o codinome para usar na noite porque queria que as pessoas entendessem que, no palco, não estaria uma mulher, mas uma transexual, afinal “nenhuma mulher quer ser um abacaxi”.

Sobre suas profissões bastante distintas –dona de uma frota de caminhões, de segunda à quinta-feira, e funkeira, nos finais de semana --, ela diz que, mesmo que um dia o trabalho artístico alcance o sucesso de “uma Valesca Popozuda, por exemplo”, e ela comece a ganhar muito dinheiro, seu objetivo será investir na empresa de transportes porque “tem os pés no chão e precisa garantir o futuro”.

"Ser a Mulher Abacaxi não é mais um hobby, tenho compromissos com isso. Porém, jamais vou deixar os caminhões de lado, são eles que colocam o arroz e feijão na mesa e proporcionam meus luxos. Até porque um dia o bumbum cai, a pele envelhece e preciso sobreviver", afirma Marcela.

Bruno Souza antes de se transformar em Marcela Porto, a Mulher Abacaxi - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bruno Souza antes de se transformar em Marcela Porto, a Mulher Abacaxi
Imagem: Arquivo pessoal

A seguir, Marcela fala sobre sua vida, família e os processos que a levaram a enterrar sua personalidade masculina.

"Desde os sete anos me percebia diferente, achava que o corpo de menino não combinava comigo. Tenho sete irmãos, cinco homens e duas mulheres, das quais sempre gostei de cuidar e opinar sobre as roupas e acessórios. Ainda criança, pegava escondido coisas delas e da minha falecida mãe. Fui crescendo e todos me elogiavam, me achavam bonito como homem, mas sabia que faltava algo, pois queria ter cabelos compridos, seios... Minha família sempre soube a respeito da minha homossexualidade e todos me aceitaram muito bem, graças a Deus. Em 2007, fui morar nos Estados Unidos, em Nova York, e me montei pela primeira vez para participar de um concurso de beleza LGBT, que acabei vencendo. Quando voltei ao Brasil no mesmo ano, decidi ser a Mulher Abacaxi nos finais de semana para fazer shows. Nessa época, com cerca de 21 anos, comecei a fazer algumas intervenções cirúrgicas, como a primeira plástica no nariz, e dizia para os familiares que era tudo em nome do trabalho artístico. Quando coloquei silicone, andava com uma faixa para esconder dentro de casa. 

Marcela colocou silicone nos seios e para levantar o bumbum e diz que já perdeu a conta do número de cirurgias pelas quais passou para sua transformação - Samuel Rodrigues/Divulgação - Samuel Rodrigues/Divulgação
Marcela colocou silicone nos seios e para levantar o bumbum e diz que já perdeu a conta do número de cirurgias pelas quais passou para sua transformação
Imagem: Samuel Rodrigues/Divulgação
Há quatro anos, fui para a Europa fazer alguns eventos e decidi voltar como Marcela em tempo integral. Lembro que quando um dos meus irmãos me viu no aeroporto, falou: 'virou mulher de vez?' e respondi: 'virei, agora quero andar assim'. Assumi minha transexualidade e minha família continuou ao meu lado. Alguns irmãos trabalham comigo na empresa de caminhões e um deles é diretor de palco dos meus shows como Mulher Abacaxi. Ninguém tem vergonha de mim. Desde então fiz muitas cirurgias, já perdi a conta. Esse processo é muito sacrificante, mas vale a pena. Entretanto, não penso em fazer a redesignação sexual, não vejo motivo. Tenho muitas amigas trans que fizeram e se arrependeram porque não têm mais prazer sexual e não quero pagar para ver. Não adianta estar linda e ser assexuada, né? O órgão sexual não me impede de nada e me desvencilho das regras, namoro homens e mulheres, pessoas que querem a minha felicidade e somam na minha vida. Quanto ao preconceito, graças a Deus, não sei o que é isso. Eu me dou ao respeito e tenho isso de volta das pessoas. Sei me comportar e me adequo aos lugares que frequento, não tenho necessidade de ser sexy 24 horas. Quando estou com o pessoal dos caminhões, visto jeans, camiseta e tênis, afinal, não dá para trabalhar com isso e usar salto alto e vestido. Sempre que posso estou na minha igreja (Universal) e lá também nunca tive nenhum problema porque quero respeito, mas preciso dar isso aos outros também. Para as trans que estiverem lendo isso, quero dizer que apoio e amo todas elas. Vamos seguir lutando contra a transfobia."