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Análise: Machismo arraigado se evidencia em comentários na web

Lumi Mae
Imagem: Lumi Mae

Simone Capozzi

Editora do UOL Mulher, em São Paulo

14/11/2015 00h00

É incrível, mas tem gente que acha justificativa para mulher ganhar menos. Esta semana publicamos a matéria “Desigualdade: mulheres brasileiras trabalham 'de graça' desde 19 de outubro” , produzida pela BBC.

A reportagem recebeu, até agora, 32 comentários. Todos aparentemente feitos por homens (alguns usam nomes que impossibilitam determinar um gênero) e todos criticando o texto e a pesquisa da qual trata, não apenas pondo em dúvida a questão da diferença salarial, como dando justificativas para que essa diferença exista.

Assim, resolvemos fazer uma reflexão sobre alguns dos comentários com propósito de esclarecer os pontos mais equivocados do pensamento machista, e de jogar uma luz no preconceito meio oculto nas palavras. “Meio” porque, para quem entende, está bem evidente.

Não. Ninguém está dizendo que todo mundo que trabalha, seja homem ou mulher, deve ganhar a mesma coisa. A questão é: por que as profissões consideradas “femininas”, como enfermagem e professor de ensino fundamental, pagam tão pouco? Será que ser responsável pelo tratamento de pessoas doentes e ensinar crianças são trabalhos de pouca responsabilidade? E, convenhamos, quantos homens você conhece que pescam em alto mar? A maioria dos homens também está "sentadinha no escritório". Sem falar que passam longe de uma sala de aula com 30 crianças.

  1. Nenhum homem escolhe a profissão pela afinidade? 
  2. Milhões de homens e mulheres não escolheram profissão nenhuma, trabalham no que têm oportunidade. 
  3. “(...) pesquisa parcial para apresentar o resultado”? A reportagem diz: "O cálculo foi feito com base em estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) pela especialista em economia de gênero Regina Madalozzo, do Insper --instituição de ensino e pesquisa sem fins lucrativos de São Paulo.”  Regina Madalozzo é PhD em economia pela Universidade do Ilinois, nos EUA, professora no Insper, que é uma instituição de ensino superior e de pesquisa (www.insper.edu.br). A área de pesquisa à qual se dedica é economia do trabalho (diferenciais de salários, compensação salarial), economia da família e do gênero (pagamentos de pensão alimentícia, casamento e salário, economia feminista) e micro econometria. 
 

Exatamente. Os homens (alguns, nem todos) buscam cargos mais altos porque o machismo os pressiona a ser bem-sucedidos, enquanto a mulher não deve ter ambição. Até há pouco tempo nem pegava bem mulher trabalhar – no máximo até se casar. Em termos históricos, as mulheres conquistaram o direito de trabalhar ontem.

 

Você é contra o serviço militar? Inicie uma campanha contra o serviço militar obrigatório. As feministas não vão lutar para fazer serviço militar porque ninguém vai brigar por alguma coisa que não deveria existir, em primeiro lugar. 

O comentarista fala como se fosse positivo os homens se preocuparem pouco com a própria saúde. Além disso, é sabido que os homens se expõem a mais riscos. Riscos os quais os levam a faltarem ao trabalho e tirar longas licenças. Para citar o mais comum, homens que se machucam no futebol da empresa. Se o mundo não fosse machista, esta seria uma boa justificativa para empresas evitarem homens.

 

Será que todas as mulheres vão ao médico todos os dias? Citar TPM como motivo para pagar menos é uma desonestidade e mostra como as questões são tratadas com dois pesos e duas medidas: o próprio comentarista disse anteriormente que os homens vão trabalhar mesmo doentes. Então homem trabalhar doente é heroísmo, mulher trabalhar com TPM é desagradável.

 

A questão da gravidez é especialmente complexa. Homens adoram citar a licença maternidade como “vantagem” para as mulheres. A licença maternidade só beneficia uma pessoa: seu filho. Assim como no caso do serviço militar obrigatório, por que, ao invés de reclamar da licença maternidade, os homens não lutam pela licença paternidade? Na Suécia, ao se tornarem pais, homens e mulheres podem “rachar” uma licença de 16 meses, dos quais pelo menos dois são do pai obrigatoriamente. E olha que na Suécia as mulheres ainda ganham menos.

  1. Quanto a ser nerd, nem vou comentar. 
  2. O argumento de que mulher não gosta de se sujar é absurdo. 
  3. Só engenheiro leva esporro? 
  4. Só gente de exatas tem que se concentrar para trabalhar. Um cirurgião opera, assovia e chupa cana.
  5. Mulheres desistem da engenharia porque o ambiente machista pode ser insuportável, não por incapacidade. 
  6. Ainda sobre mulheres nas ciências, deixo falar o cientista Neil deGrasse Tyson no vídeo abaixo:

Neil de Grasse Tyson fala sobre mulheres nas ciências

Universa

 

Bem, enquanto mulheres ganharem menos e forem as principais responsáveis pelo serviço doméstico e cuidado com os filhos, tem de ser assim mesmo.