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Identificação e estabilidade levam filhos a seguir a carreira dos pais

Pais devem ajudar os filhos na escolha da profissão, mas jamais pressioná-los - Getty Images
Pais devem ajudar os filhos na escolha da profissão, mas jamais pressioná-los Imagem: Getty Images

Louise Vernier e Thaís Macena

Do UOL, em São Paulo

19/09/2014 07h58

Quando criança, Gustavo do Vale Gomes, de 36 anos, era apaixonado pelos animais e, por conta disso, sonhava em ser um grande biólogo. Mas seu pai, Enio de Freitas Gomes, de 62 anos, queria mesmo é que o filho seguisse seus passos, para se tornar um grande médico. “Meu pai nunca me proibiu de fazer minhas próprias escolhas, mas, quando eu falava sobre biologia, logo o ouvia dizer que, em medicina, também se aprendia muita biologia”, lembra Gustavo, que, motivado pela família, acabou se rendendo à medicina. O mesmo ocorreu com seu irmão mais velho.

De fato, os pais são grandes influenciadores na formação profissional dos filhos. “A transmissão de uma profissão de geração em geração se dá, principalmente, pelo intenso convívio do jovem com aquele ofício, pela observação do amor dos familiares pela carreira e pelos valores diretamente relacionados à atividade que são recebidos ao longo da vida”, explica Alyane Audibert Silveira, psicóloga especializada em aconselhamento de carreira pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Na faculdade de medicina, Gustavo até tentou traçar outros rumos, mas, depois de um estágio na clínica da família, acabou optando pela mesma área do pai. Com o tempo, tomou a frente dos negócios. “Meu pai nunca me disse, literalmente, que eu daria continuidade ao patrimônio construído por ele. Mas eu sempre tive em mente que, cursando medicina, eu teria condições de fazer isso”, afirma Gustavo.

Esse é outro ponto importante. Boa parte do incentivo que vem dos pais tem a ver com o desejo deles de entregar nas mãos de alguém de extrema confiança um negócio próspero e consolidado, que exigiu muita dedicação e esforço para ser construído, conforme explica Dulce Helena Soares, psicóloga do Laboratório de Informação e Orientação Profissional da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Consonância de objetivos e valores

Por outro lado, a psicóloga Alyane afirma que, embora os pais possam e devam ajudar os filhos na escolha da carreira, é imprescindível que isso ocorra de maneira tranquila, sem imposições. “O ideal é que eles discutam de forma aberta, que os filhos possam perceber os reais desejos e expectativa dos pais e os pais, por sua vez, possam entender com clareza os interesses e sentimentos dos filhos”.

Escolher a mesma profissão dos familiares levando em conta apenas a oportunidade de crescimento rápido ou a estabilidade pode ser um erro fatal. “É preciso que os sonhos, as habilidades e os valores do jovem sejam coerentes com o ofício escolhido. E, para analisar se existe essa compatibilidade, é fundamental investir no autoconhecimento”, declara José Roberto Marques, presidente do IBC (Instituto Brasileiro de Coaching).

Filhos que assumem a profissão dos pais, por imposição ou comodismo, poderão sofrer consequências negativas. “O risco é que se tornem pessoas infelizes e insatisfeitas por não exercerem aquilo que desejam, o que pode desencadear problemas emocionais, físicos e psicológicos, como depressão, ansiedade, compulsões e estresse”, afirma Marques. Por isso, o essencial é dar liberdade para que os filhos façam as próprias escolhas, sem deixar de apoiá-los e orientá-los, ajudando-os a tomar decisões mais acertadas.

Cobrança em dobro: o outro lado da moeda

O dentista Lauro Delgado Junior, com os filhos: Felipe e Pétala - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O dentista Lauro Delgado Junior, com os filhos: Felipe e Pétala
Imagem: Arquivo pessoal
No caso do dentista Felipe Delgado, de 32 anos, contar com o apoio do pai, o também dentista Lauro Delgado Junior, de 54 anos, foi um fator facilitador, que ele não faz a menor questão de ignorar. “Desde os 13 anos eu acompanho meu pai ao consultório e, com a convivência, não foi difícil me apaixonar pela profissão. Por isso, resolvi seguir o mesmo rumo”, diz.

Graças a essa convivência, ele já entrou na faculdade com algumas vantagens em relação aos demais. “As matérias que eu aprendia em sala de aula eram, na realidade, um complemento do que eu já via na prática clínica”, diz o dentista. Depois de formado, Felipe entrou no mercado de trabalho usando um sobrenome que já era respeitado na área. Mas admite que, mesmo assim, o começo não foi fácil. “A cobrança é muito maior por parte dos pacientes, porque eles já estão acostumados a serem muito bem atendidos”, afirma.

A irmã mais nova de Felipe, Pétala Mantelatto Delgado Bragatto, de 30 anos, também se encontrou na carreira de dentista. Apesar disso, garante que o pai sempre a deixou à vontade para seguir outros caminhos. “Tanto isso é verdade que meus irmãos mais novos foram para áreas totalmente diferentes da odontologia. Um deles é tatuador e o outro está estudando para ser músico”, diz.

Segundo os especialistas no assunto, esse tipo de exemplo permite afirmar que as aptidões não são determinadas por fatores genéticos, mas são fortemente influenciadas por questões comportamentais. “O fato de os pais serem bons em suas profissões não é garantia de que os filhos também serão. Há muitas questões subjetivas envolvidas, que têm a ver com as competências e habilidades de cada jovem, os anseios pessoais e profissionais que são desenvolvidos ao longo da vida”, afirma José Roberto.

Profissões iguais, carreiras diferentes

Escolher a mesma profissão de outros familiares não implica, necessariamente, no desejo de seguir exatamente a mesma trilha de passos dados por eles. “A repetição pode se constituir em uma oportunidade de seguir a linhagem familiar, com os mesmos valores, prestígio e certa estabilidade e segurança, mas também de evoluir e criar sobre aquela atividade, diferenciando-se e crescendo muito mais”, diz a psicóloga Alyane.

Na família de Juliana Gevaerd, de 28 anos, toda formada por advogados, foi exatamente isso o que aconteceu. “Sempre vivi rodeada pelas questões do direito. Por isso, acabei me apaixonando”, afirma a advogada, que tem quatro irmãos que também são colegas de profissão.

“Eu sou o primeiro advogado da minha família. Tenho 35 anos de carreira e não nego que fiquei muito satisfeito com a escolha de meus filhos”, conta Luiz Fernando Gevaerd, pai de Juliana, advogado e presidente da Comissão de Direito de Família da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) da Barra da Tijuca.

Luiz Fernando Gevaerd, advogado e presidente da Comissão de Direito de Família da OAB da Barra da Tijuca, com os filhos, que decidiram seguir seus passos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luiz Fernando Gevaerd, advogado e presidente da Comissão de Direito de Família da OAB da Barra da Tijuca, com os filhos, que decidiram seguir seus passos
Imagem: Arquivo pessoal

Dos cinco filhos de Luiz, apenas Juliana escolheu a mesma área de atuação. Seus irmãos mais velhos, Luiz Gustavo, de 43 anos, e Carlos, de 39 anos, são especializados em direito civil. A irmã mais nova, Raffaela, de 24 anos, optou pelo direito empresarial. O caçula, Matheus, de 18 anos, acaba de ser aprovado no vestibular para cursar direito.

“Todos os meus filhos começaram a carreira no meu escritório, mas só a Juliana permaneceu. Hoje em dia, ela integra a minha equipe de advogados especializados em Direito de Família. E eu me sinto feliz em saber que servi de fonte de inspiração para todos eles”, diz o pai.

O advogado também tem consciência da responsabilidade que isso representa. “Tenho cinco pares de olhos me observando. Exercer a advocacia é tarefa que exige bastante desprendimento e dedicação. Somos exemplos uns para os outros”, diz. E, pelo visto, a vocação para o direito já alcançou a terceira geração. A neta de Luiz, de apenas 14 anos, já expressou, por diversas vezes, interesse na carreira. Uma iniciativa comemorada por todos os que vieram antes dela.