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Capoeira ajuda a criança a superar o medo e a testar seus limites

Katia Deutner

Do UOL, em São Paulo

11/04/2013 08h05

Os movimentos de pernas, o gingado do corpo e as acrobacias fazem a capoeira parecer um exercício possível somente para adultos ou adolescentes. Mas por que cada vez mais as escolas oferecem a modalidade para crianças acima de um ano? Será que a atividade é boa para elas também?

De acordo com o professor de educação física Gladson de Oliveira Silva, do Centro de Práticas Esportivas da USP, a atividade pode sim começar a ser praticada na infância. “Mesmo os menorzinhos conseguem iniciar os exercícios, desde que adaptados, fazendo uma imitação dos movimentos originais gerenciada pelo professor.”

Cabe a cada profissional estabelecer os limites para as crianças. “O trabalho é adequado se começar como uma brincadeira. À medida que a criança cresce, os movimentos saem do simples e aumentam o nível de complexidade”, diz o professor de educação física Vinícius Heine, também do Centro de Práticas Esportivas da USP e coautor do livro “Capoeira – Um Instrumento Psicomotor para a Cidadania” (Phorte Editora), escrito em parceria com Oliveira Silva.

Diversão segura

É o caso das aulas ministradas na escola de educação infantil Externato Aldeia, no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, para alunos a partir de um ano. Nelas, um mestre de capoeira (nome dado ao professor da modalidade) ensina movimentos como o “relógio”, em que, agachado, gira em torno da própria perna apoiando uma das mãos no chão, ou o “caranguejo”, em que, sentado, levanta o tronco apoiando braços e pernas no solo, como se fosse uma ponte.

“Nunca forçamos nada. O aluno faz o que consegue e não se exige mais do que isso. Também não o colocamos na posição. É ele quem chega nela sozinho, de acordo com sua capacidade”, afirma Helô Reuter, coordenadora pedagógica e mantenedora da instituição. E os pequenos aprendizes adoram, pois tudo parece uma grande brincadeira de roda, regada a muita música. Sem medo de errar e começar de novo.

“É uma atividade física excepcional e pode ser praticada em qualquer espaço físico, trazendo benefícios como desenvolvimento da coordenação motora, da memória visual e musical, aumento do tônus muscular e equilíbrio”, declara o pediatra Ricardo do Rêgo Barros, coordenador do grupo técnico Medicina Desportiva em Pediatria, da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). Não há contraindicação para a prática, a não ser que a criança tenha alguma doença aguda (como viroses febris ou dengue) ou crônica não controlada (como diabetes e febre reumática).

Conheça cinco benefícios da prática da capoeira

1- Desenvolve a coordenação
Aprender a cair, a levantar e a começar tudo de novo mostra para as crianças que, com equilíbrio e autoconfiança, elas conseguem executar movimentos sem ir parar no chão. “Com isso, trabalham a agilidade e o conhecimento do corpo, respeitando os próprios limites”, diz Vinícius Heine. Para os maiores, a prática trabalha também o tônus muscular de pernas, braços, tronco e cintura.

2- Resgata a cultura
Durante as aulas, os professores contam histórias da cultura brasileira, que aumentam o repertório dos alunos sobre o país. “Envolvemos nas atividades personagens que fizeram parte da história da capoeira, como o capitão do mato (que tinha como principal atividade capturar escravos que fugiam), e contextualizamos em uma brincadeira de pega-pega, por exemplo. Tudo de uma forma lúdica. Também utilizamos instrumentos mais leves e menores, feitos com material reciclado e plástico, para que as crianças desenvolvam a musicalidade e cantem canções da capoeira e das brincadeiras de roda, uma linguagem que já conhecem”, diz Vinícius Heine.

3- Aumenta a coragem de aceitar desafios
A timidez fica de lado para dar lugar ao jogo, à dança e ao tocar e cantar. Não há vencedores ou perdedores e, se errar, sempre se pode fazer de novo. O grupo se expõe com suas imperfeições e, se tiver medo de arriscar, não consegue fazer os movimentos. “É um jogo e não enfocamos a luta. Nas aulas, passamos valores e mostramos que não é para usar o que aprendeu em brigas de rua. Trabalhamos muito a disciplina, a organização e o respeito, além de valorizar a autoestima e a capacidade de aprender”, diz Vinícius Heine.

4- Estimula a capacidade intelectual
“Por ser um jogo, permite o entrosamento com outras crianças, além de valorizar a memorização e análise dos movimentos, o que possibilita a aquisição de novas habilidades intelectuais e de convivência com seus pares”, afirma o pediatra Ricardo do Rêgo Barros.

5- Transmite valores morais
Perante a roda, todos são iguais e devem conviver em harmonia, afinal joga-se capoeira em dupla.  “A criança acaba sendo bem cuidadosa e sabe que se acertar o pé no parceiro pode machucar”, fala Vinícius Heine. “Ensinamos que, quando um vai fazer, o outro tem de esperar a sua vez”, diz Gladson de Oliveira Silva.