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Rito alternativo salva milhares de meninas da mutilação genital no Quênia

Amref Health Africa
Imagem: Amref Health Africa

20/12/2018 11h04

Para muitas meninas masais do Quênia, o Natal é sinônimo de mutilação genital e de casamento com homens 40 ou 50 anos mais velhos, práticas que ONGs como a Amref Health Africa combatem com a realização de um ritual alternativo de passagem para a idade adulta.

Em uma noite, cerca de 150 meninas reunidas na Escola Naningoi - só para mulheres -, em Mosiro, no condado de Kajiado, perto da fronteira com a Tanzânia, iluminam a escuridão com várias velas. Elas estão felizes porque sabem que se tornaram mulheres.

Rito alternativo salva milhares de meninas masais da ablação no Quênia - Amref Health Africa - Amref Health Africa
Imagem: Amref Health Africa

Serão mulheres masais que não precisaram ser mutiladas, o que era impensável há cerca de dois anos na cabeça dos idosos guardiães, líderes religiosos, pais e "Il-murran" (jovens guerreiros) desta comunidade. Para eles, a ablação de toda menina era um pré-requisito para a entrada na vida adulta.

"Há alguns anos, nós entendíamos que se uma menina não tivesse passado pela ablação ela era impura, e a nossa cultura não permitia que ela casasse. Recentemente, e graças ao projeto "Yes, I do" (Sim, eu aceito), aprendemos que se trata de uma prática perigosa e por conta dela já perdemos muitas meninas", disse à Agência Efe Jacob Salao Ole Poroko, líder comunitário de Mosiro.

Este projeto é o resultado de uma parceria com validade de dez anos entre cinco ONGs: Amref Health Africa, Plan Netherlands, Choice for Youth and Sexuality, Royal Tropical Institute (KIT) e Rutgers. Desde 2009, graças a diversos projetos centrados no combate à mutilação genital feminina, 14 mil meninas já foram salvas.

Rito alternativo salva milhares de meninas masais da ablação no Quênia - Amref Health Africa - Amref Health Africa
Imagem: Amref Health Africa

"Este processo não é resultado de uma noite, de uma semana ou de alguns meses. Precisamos de mais ou menos um ano e meio para a comunidade se sentir preparada para acolher um rito de passagem alternativo", detalhou à Efe Millicent Odingo, responsável da Amref no projeto "Yes I do".

Durante este período, membros destas ONGs fizeram rodas de conversa com os mais importantes líderes da hierarquia masai - além de sessões de sensibilização com as meninas - e abordaram as consequências físicas, psicológicas e sociais da mutilação.

"A tradição está tão arraigada na cultura que eles não concebem outra forma de uma menina se tornar mulher. Então perguntamos: 'O que acontece com as mulheres de outras culturas? Elas não são mulheres?, Não se casam?, Não têm filhos ou estudam?' É preciso diálogo e mais diálogo, para que saibam quais são os seus verdadeiros efeitos e não só que é uma lei e que é preciso cumpri-la", explicou Grace Majaiakusi, que também integra o projeto, lembrando que a lei que proíbe essa prática existe desde de 2011, mas que as mutilações continuam existindo, principalmente em zonas rurais.

Embora a incidência em nível nacional seja de 21%, de acordo com a Pesquisa Demográfica e de Saúde do Quênia de 2014, na etnia masai - que vive no sul do país e no norte da Tanzânia, com 1,5 milhão de habitantes - esse total chega a 78% em Kajiado.

No mundo todo, mais de 200 milhões de meninas e mulheres passaram pelo ritual tradicional em 30 países localizados na África, no Oriente Médio e na Ásia, de acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).

"A ablação, o casamento infantil e a gravidez precoce estão conectados. A ablação leva ao casamento forçado, à mutilação, ao abandono escolar e à maternidade precoce", enumerou a ativista e defensora dos jovens Selina Nkoile, nativa de Mosiro.

Alguns dias antes da cerimônia, já reunidas na escola, meninos de pouco mais de nove anos aprendem a respeitar uma jovem que não passou pela ablação, a querer se casar com ela e a considerá-la como igual. Por sua vez, as meninas aprendem sobre direitos reprodutivos, sexualidade e habilidades sociais. A ideia é fomentar o desejo não apenas de ser esposa e mãe, mas de ter uma profissão.

"Apaga a chama da mutilação genital feminino, acende a chama da educação", repetem, em uma só voz, centenas de meninas e meninos em procissão até a casa dos líderes.

Mais tarde, outra vez na escola e sob o sol quente de meio-dia, as meninas dançam e cantam diante do atento olhar dos pais e das autoridades. Em seguida, uma oração, alguns discursos e finalmente a bênção dos mais velhos.

"Os mais jovens vão acabar com a mutilação genital feminina. Nós, os mais velhos, a praticamos e nossas filhas passaram por ele. Agora, as novas gerações, que foram educadas, devem abandoná-la", concluiu o líder ancião Oloosekenke Ole Kamuye, guardião da cultura masai. EFE