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Prostituição e violência sexual acirram disputa eleitoral na Espanha

Liana Aguiar

Da BBC News Brasil em Barcelona

28/04/2019 08h29

Dois temas ligados aos direitos das mulheres acirraram a campanha das eleições gerais da Espanha, que ocorrem neste domingo (28). Em meio ao avanço do movimento feminista e da participação política de mulheres no país, descriminalização da prostituição e propostas de tipificação de crimes sexuais opõem os principais partidos na disputa.

No campo da esquerda, as siglas PSOE - que está na liderança das pesquisas elitorais - e Unidas Podemos se definem como feministas; na direita, PP e Cidadãos contestam propostas consideradas progressistas para as mulheres.

Um dos principais pontos de controvérsia surge do programa eleitoral do PSOE, que propõe criar uma lei para abolir a prostituição e combater a exploração sexual por máfias.

"A prostituição, da qual nos declaramos abolicionistas, é uma das faces mais cruéis da feminização da pobreza e uma das piores formas de violência contra as mulheres", afirmam os socialistas.

O partido de centro-direita Cidadãos, liderado por Albert Rivera, vai em direção diversa: defende um "feminismo liberal", que inclui regular a prostituição, para amparar as mulheres que queiram exercer a atividade de maneira voluntária.

As siglas divergem também sobre formas de combate à violência contras as mulheres. Parte defende que a falta de consentimento explícito da vítima seja considerado peça-chave nas investigações. Outra defende aumento das penas.

Prostituição na Espanha

Hoje, a prostituição não está regulada na Espanha, portanto não está proibida.

Estão tipificados no Código Penal o tráfico de pessoas e a exploração sexual, com penas de dois a cinco anos de prisão.

Além disso, a lei de Segurança Cidadã, de 2015, impõe sanções administrativas a clientes que pagam por serviços sexuais em áreas públicas onde pode haver menores de idade, como colégios ou parques infantis. As multas variam de 601 a 30 mil euros.

As prefeituras também podem sancionar a prostituição em vias públicas. Barcelona, por exemplo, pune clientes e prostitutas desde 2012, com multas de 100 a 750 euros.

Nesse contexto, associações do coletivo de trabalhadores sexuais assinaram esta semana um manifesto em que pedem a descriminação completa do trabalho sexual e a derrogação, ou seja, a modificação ou revogação parcial de todas as leis e normativas que criminalizam a atividade.

Segundo as entidades, nenhum partido ouviu as reivindicações e necessidades do coletivo.

"Alguns pretendem uma abolição impossível que nos estigmatiza ainda mais, criminaliza nosso entorno de trabalho e nos condena à precariedade", diz o manifesto, assinado pelo sindicato Otras e o agrupamento feminista de trabalhadoras sexuais (Afemtrans).

Tensão entre candidatos

Nos dois debates na televisão entre os quatro principais candidatos, as propostas divergentes para as mulheres geraram momentos tensos e trocas de insultos.

O maior ponto de embate na agenda feminina é a tipificação do crime de violência sexual.

A proposta do atual premiê, Pedro Sánchez, é reformar o Código Penal para garantir que a falta de consentimento explícito da vítima seja chave nas investigações de crimes sexuais.

Hoje, a falta de consentimento está tipificada como abuso, e a violência para forçar um ato sexual, como agressão. Os casos mais graves são crimes de estupro.

A proposta de Sánchez é suprimir o crime de abuso sexual. "Não é não, e se uma mulher não diz que sim, todo o resto é não", afirma o candidato, posicionamento que gerou bate-boca entre esquerda e direita.

Na mesma linha, a coligação Unidas Podemos, encabeçada por Pablo Iglesias, defende que é preciso colocar o consentimento nas relações sexuais no centro do debate político.

Espanha - BBC - BBC
Imagem: BBC

Para o candidato do PP, Pablo Casado, o mais importante é endurecer as penas de crimes sexuais e oferecer garantias às vítimas de violência de gênero.

O Código Penal prevê penas de seis a 15 anos de prisão para casos de estupro, de um a cinco anos para agressão sexual e de um a três anos para abuso.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), 2.549 pessoas foram condenadas por crimes sexuais em 2017.

Ponto de inflexão

Durante a campanha, os candidatos lembraram do caso "La Manada", como ficou conhecido um abuso sexual cometido por um grupo de cinco homens contra uma jovem de 18 anos durante as festas de São Firmino, em Pamplona, em 2016.

O crime chocou o país. Em 2018, a sentença que condenou os réus por abusos sexuais, com penas mais leves que estupro, fez eclodir um movimento feminista sem precedentes na Espanha.

Para especialistas ouvidos pela reportagem, o caso "La Manada" representou um ponto de inflexão na sociedade e na política espanhola.

Berta Barbet, doutora em Ciência Política e pesquisadora da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), afirma que as duas manifestações massivas no Dia Internacional da Mulher de 2018 e 2019 e o aumento das denúncias de violência sexual provocaram um movimento para ampliar o feminismo.

Francisco Camas García, doutor em Ciências Sociais e analista do Metroscopia, instituto privado de pesquisas de opinião, afirma que, como essas reivindicações têm grande transversalidade entre a população, "não é só uma questão de esquerda e direita".

Para García, a crescente polarização dos discursos políticos se articula em torno da questão feminina graças, principalmente, à criação do partido Vox.

"Como seus votos provavelmente virão de homens ideologicamente de direita, o discurso antifeminista é claramente um fator potencial para atrair o eleitorado", opina.

Por outro lado, Fernando Jiménez, doutor em Ciência Política e professor da Universidade de Múrcia, pondera que o discurso antifeminista do Vox não será chave para que o novo partido ganhe votos.

"Os pontos fortes do Vox são outros, principalmente a defesa mais agressiva da unidade da Espanha", diz, sobre a independência da Catalunha.

Apontado pelas pesquisas como a quinta força política nestas eleições, o Vox pretende revogar a lei de violência de gênero e promulgar outra que "proteja igualmente idosos, homens, mulheres e crianças".

A ideia do partido de extrema-direita, liderado por Santiago Abascal, é também eliminar as ajudas públicas a organizações feministas.

Por outro lado, Berta Barbet avalia que é preciso continuar conscientizando para que mais mulheres participem das decisões políticas, porque elas permanecem sub-representadas.

"O discurso feminista ganhou mais visibilidade política e midiática, mas houve poucos avanços para as mulheres em outras esferas", ressalta.

No centro do poder, nunca uma mulher chegou ao posto de primeira-ministra da Espanha e nunca houve candidatas ao cargo.

Parlamento fragmentado

Levantamento divulgado em março pelo Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS, na sigla em espanhol), órgão ligado ao Ministério da Presidência, mostra que 13,9% dos eleitores se definem como socialistas, 12,7% como conservadores, 11% como liberais e 9,3% como progressistas, entre outros.

Pesquisa eleitoral do Metroscopia do dia 22 de abril indica que o PSOE teria 29,1% dos votos, o PP ficaria em segundo lugar, com 19,6%, Unidas Podemos (14,3%) e Cidadãos (14,2%) empatariam e o Vox estrearia no Congresso dos Deputados com 11,1% dos votos.

PP e PSOE têm se alternado no poder desde 1982, mas todas as pesquisas eleitorais de 2019 indicam votos bastante fragmentados entre os partidos.

Isso significa que nenhuma sigla deverá obter maioria absoluta para governar - 176 de 350 deputados.

Na Espanha, cujo sistema político é monarquia parlamentarista, se o vencedor em votos e cadeiras no parlamento não obtiver maioria absoluta, deverá negociar com outros partidos para formar governo.

Se não houver acordo, as eleições deverão ser repetidas em alguns meses.

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