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Como mulheres são discriminadas antes de serem condenadas à morte no mundo

BBC
Imagem: BBC

Marcos González Díaz

Da BBC News Mundo

20/10/2018 17h14

Brenda Andrew está há 15 anos no corredor da morte em Oklahoma, nos Estados Unidos. Ela foi condenada à pena capital após ser considerada culpada de matar seu marido, Robert, em 2001.

Segundo a sentença, Brenda planejou o crime junto com seu amante, James Pavatt (também condenado à morte), para lucrar com a apólice do seguro de vida de Robert.

Baseando-se nas evidências, o júri considerou que não havia dúvidas sobre sua culpa, mas alguns dos argumentos usados contra ela durante o processo foram alvo de críticas de que não eram oportunos nem relevantes para julgar o crime.

Os jurados ouviram, por exemplo, sobre as supostas aventuras de Brenda fora de seu casamento anos antes do assassinato. Também souberam detalhes sobre o tipo de roupa que ela costumava vestir.

Ainda foi mostrada a lingerie encontrada em sua mala depois que ela fugiu para o México, o que, segundo o promotor, demonstrava que ela não vivia como uma "viúva aflita" após a morte do marido.

E esses detalhes, segundo juízes que revisaram o caso e reconheceram erros durante o processo, podem ter tido uma influência determinante na decisão do júri ao condená-la.

"Esses erros, em sua forma mais atroz, incluem um padrão de apresentar evidências que não têm outro propósito a não ser dizer que Brenda Andrew é uma esposa, mãe e mulher ruim", afirmou Arlene Johnson, juíza do Tribunal de Apelações Criminais de Oklahoma.

E essa apresentação de "provas inapropriadas", destacou a juíza ao revisar o caso em 2007, violou "a regra fundamental de que um acusado deve ser condenado pelo delito imputado e não por ser uma pessoa ruim".

Johnson não duvidou do veredito sobre a culpa de Brenda, mas pediu que a sentença de morte fosse revista. Outro colega de tribunal recomendou inclusive repetir o julgamento, mas a maioria dos juízes determinou que a pena aplicada fosse mantida.

Brenda continua à espera de sua execução. Hoje, tem 54 anos.

'Preconceitos e discriminação'

Brenda Andrew é uma de ao menos 500 mulheres que estão no corredor da morte no mundo. O Organização das Nações Unidas (ONU) alerta, no entanto, que o número pode ser maior.

Apesar de mulheres serem não mais de 5% das pessoas que aguardam para serem executadas, a ONU aponta, neste mês de outubro, quando se comemora o Dia Mundial contra a Pena de Morte (10/10), que "sua invisibilidade mostra que suas necessidades estão em grande medida ocultas".

Por isso, 11 relatores da ONU pediram que países "revisem todas as sentenças de morte contra mulheres e meninas e que adotem políticas de gênero para abordar (...) os preconceitos e a discriminação que caracterizam suas investigações e julgamentos" em comparação com homens na mesma situação.

Um relatório publicado em setembro pelo Centro sobre a Pena de Morte da Faculdade de Direito da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, lançou uma luz sobre a situação dessas mulheres.

Não foi uma tarefa simples, por causa da falta de transparência de muitos países que aplicam a pena.

No caso da China, onde o percentual de mulheres no corredor da morte é estimado entre 1% e 5% do total de condenados nessa situação, o relatório considera que o número podem ser de "dezenas ou mesmo centenas" de presas à espera de uma execução.

É um caso similar ao do Irã, onde advogados especializados em direitos humanos calculam que haja dezenas de mulheres condenadas à pena de morte. Apenas no ano passado, ao menos dez foram executadas.

Também é desconhecido o número de condenadas à morte na Arábia Saudita, onde no mínimo nove foram executadas desde 2015.

O país onde o relatório aponta que há mais mulheres no corredor da morte é a Tailândia, com um total de 94 (ou 18% das pessoas à espera de uma execução no país).

Em seguida, estão os Estados Unidos, com 54, Bangladesh, com 37, Paquistão, com 33, e Nigéria, com 32.

Violência de gênero

O estudo também identificou os tipos de delitos mais comuns pelos quais mulheres costumam ser condenadas à pena de morte.

Dezenas delas respondem em países islâmicos por "crimes contra a moralidade", como adultério. Essa prática, alerta a ONU, vai contra os limites internacionais da aplicação da pena de morte unicamente em casos de homicídio doloso.

O segundo tipo de delito mais comum são aqueles relacionados a drogas.

De fato, as mulheres - presas em suas maioria por vender drogas nas ruas ou atuar como "mulas" ao transportá-las para outro país - representam 30% das prisões por narcotráfico no mundo.

No entanto, a maioria das mulheres no corredor da morte foram condenadas por assassinato, com frequência de familiares próximos.

O relatório destaca que muitos destes crimes foram cometidos em um contexto de violência de gênero ainda que, uma vez mais, seja impossível saber quantos, por falta de dados.

"Em muitos casos de mulheres acusadas de matar o marido, por exemplo, não se questionou no julgamento se havia um contexto de violência doméstica, por isso não feitas alegações baseadas em violência de gênero e o tribunal quase nunca ouve algo sobre isso", diz Delphine Lourtau, diretora-executiva do Centro sobre a Pena de Morte de Cornell.

"E, quando isso ocorre, na maioria das vezes, o tribunal não considera isso uma prova relevante para entender as circunstâncias do crime."

A ONU concorda que é extremamente raro que um abuso doméstico seja levado em conta como atenuante nos processos que conduzem à pena capital.

"A imposição da pena de morte é sempre arbitrária e ilegal quando o tribunal ignora fatos essenciais que podem ter influenciado significativamente nas motivações, na situação ou na conduta de um acusado de um crime passível de pena de morte, inclusive a exposição à violência doméstica e a outros abusos", disseram os relatores.

A ONU também recorda que a execução de qualquer pessoa por crimes cometidos quando esta tinha menos de 18 anos é vetada por leis internacionais.

O relatório de Cornell reconhece a dificuldade de documentar estes casos, às vezes por conta da dificuldade de definir a idade das condenadas, mas todos os casos que detectou estavam relacionados com violência de gênero, casamento infantil e/ou abuso sexual, em países como Irã e Paquistão.

"Segundo as leis iranianas, meninas podem ser condenadas à morte a partir dos 9 anos de idade", destaca Lourtau.

Teoria da mulher diabólica

O Centro de Cornell aponta que algo que diferencia os casos de mulheres condenadas à morte em relação aos de homens é o fato de que a violação dos estereótipos de gênero tradicionalmente associados às mulheres é geralmente um fator adicional quando se trata de optar pela pena capital para puni-las.

"Em muitos casos, os tribunais julgam as mulheres não apenas por seus supostos delitos, mas também pelo que percebe como falhas morais, como esposas 'infiéis', mães 'indiferentes' ou filhas 'ingratas'", dizem os relatores da ONU.

Mas as estatísticas apontam que, em geral, os jurados tendem a impor a pena de morte com menos frequência a mulheres do que a homens.

Especialistas afirmam que os transtornos emocionais são considerados como atenuantes em muitos de seus casos e que o júri costuma relutar mais em deixar crianças vivendo sem a mãe do que sem o pai.

Para contrapor essa tendência, em muitos processos contra mulheres, é usada uma estratégia identificada em documentos de criminologia e gênero há décadas: a chamada "teoria da mulher diabólica".

Isso significa explorar os casos em que as mulheres rompem com estereótipos do comportamento feminino tradicional para que sejam submetidas a castigos frequentemente reservados a homens.

Segundo o advogado de Brenda Andrew, John Carlson, essa estratégia foi "habilmente" utilizada por promotores para apresentar sua cliente como uma mulher que, por seus atos, renunciava "à proteção que a condição feminina costuma oferecer sob a ótica do júri".

"Representaram Andrew como malvada de uma forma unicamente feminina, como agressiva sexualmente, hostil a noções profundamente arraigadas de feminilidade e ansiosa por profanar as normas da sociedade sobre o matrimônio e a monogamia", diz.

"Para provar que era uma assassina apta a ser executada, demonstraram que era uma mulher adúltera que desfrutava e inclusive se deleitava com sua vida sexual enquanto traía o marido. Feito isso, foi fácil convencer o júri de condená-la à morte."

Questionado se o veredito teria sido também a pena de morte se sua cliente fosse homem, o advogado acha que não: "Os homens que são julgados por crimes capitais não têm por que serem apresentados como adequados para receber penas (consideradas) masculinas. As mulheres devem ser primeiro denegridas. Então, estão prontas para a morte".