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Indústria da beleza cativa 'novo homem negro' na África do Sul

Um público-alvo tradicional adere a uma indústria alimentada pelas novas modas e o poder aquisitivo em ascensão no continente - BBC
Um público-alvo tradicional adere a uma indústria alimentada pelas novas modas e o poder aquisitivo em ascensão no continente Imagem: BBC

Pablo Uchoa

Da BBC, em Londres

02/12/2014 12h11

A indústria da beleza está em ascensão na África do Sul e agora tem um novo público-alvo: os homens negros. Surfando na onda global da moda e alavancada pelo incremento do poder aquisitivo no continente africano, a indústria tem se beneficiado de um consumidor ainda relutante e pouco acostumado a cuidados tradicionalmente disfrutado apenas pelas mulheres. O repórter da BBC, Milton Nkosi, nascido e criado no bairro do Soweto, mergulhou nesse fenômeno na capital sul-africana, Joanesburgo, e relata sua experiência a seguir.

"Eu nunca tinha feito uma limpeza de pele antes. Para mim, isso era coisa de mulher. Nunca tinha passado pela minha cabeça que um homem, um homem africano negro, poderia um dia fazer limpeza de pele. Só a conversa sobre passar esfoliante no rosto já me deixa de cabelo em pé. Porém, muita coisa mudou nesses últimos anos. E este garoto do Soweto acaba de mergulhar de cabeça na indústria da vaidade masculina.

Senti-me como gado indo para o abate quando entrei em um salão de beleza para homens na sofisticada região de Sandton, distrito elegante de Johanesburgo: nervoso, desorientado, até esperançoso por uma redenção. A equipe do salão se vestia em uniformes pretos como manda a moda, o som ambiente era um misto de hip-hop e soul music. "Olá Milton, seja bem-vindo", disse a jovem e simpática recepcionista. Ensaiei um sorriso que exalasse confiança e ela me levou para Lelanie de Jager, que se encarregaria de mim a partir dali.

Uma loira charmosa se aproxima e me conduz a uma cadeira giratória de couro em frente a um espelho reluzente. Lelanie tem 18 anos de experiência em beleza masculina, tendo começado sua carreira na Irlanda. Enquanto me prepara para a esfregada inicial, Lelanie vai me contando o quanto ela ama a beleza masculina e por que jamais poderia trabalhar com mulheres. Sorrio, ainda incerto do que estou fazendo. Pergunto-lhe se os homens africanos estão aderindo à moda dos salões de beleza. "Como um pato adere a água", ela diz.

De acordo com Siphiwe Mpye, consultor de moda em Joanesburgo, a cultura do tratamento de pele tem crescido bastante pela África, e a África do Sul é a principal responsável por esse crescimento. Ex-editor da revista masculina GQ na África do Sul, ele sabe do que está falando. Mpye conta que o crescimento da indústria tem sido alavancado por homens negros africanos consumindo produtos de beleza.

Por que? - me interesso. Ele explica que em parte o fenômeno pega carona na onda global da indústria da moda. Mas também se explica pelo crescimento econômico da África, que tem aumentado a renda dos homens africanos. O tradicional homem zulu, com seu abdômen sarado, se preparava para sair tomando uma ducha de água fria. O que aconteceu com ele? Bem, esse homem zulu hoje é cliente de produtos de beleza, diz Mpye. "O continente mudou e continua mudando, como o mundo está mudando. E a África está se apresentando como o lugar do futuro. Eu imagino que nós estamos abraçando o futuro de diversas maneiras", afirma o consultor.

Os dias em que só as mulheres passavam horas se olhando no espelho ficaram para trás. Hoje, elas querem homens que também levam as unhas feitas e as mãos bem cuidadas. Os homens entenderam o recado. Tsakani Mashaba, fundadora da empresa Michael Makiala para Homens, conta que existe uma lacuna no mercado para produtos que atendam especificamente as necessidades da pele negra dos homens. Por exemplo, as pesquisas sugerem que os homens negros são mais propensos a se ferir ao fazer a barba, porque têm pelos mais encaracolados e mais suscetíveis a encravar, diz ela.

Mashaba explica que os produtos que oferece deixam os pelos mais macios, para que continuem a crescer afastando-se do rosto. Especializada em marketing, ela trabalhou em parceria com um bioquímico para desenvolver o primeiro produto para a pele de homens negros produzido no país. "Os homens africanos também têm pele mais oleosa e com pigmentação. Não havia nenhuma marca no mercado que focasse nisso", disse. "Então fui atrás de uma fórmula de produto que funcionasse para esses homens".

Na minha época, era muito mais simples. Depois de barbear o cliente, o barbeiro local mergulhava o rosto do freguês no álcool para tratar as feridas. De volta ao presente, Lelanie me enrolara em uma toalha quente para um tratamento usando vapor que abriria os poros da pele. Ela aplica loção para deixar esse rosto velho e cansado um pouco mais macio e suave. Então aparece a moderna gilete, como aquela usada em uma cena memorável de James Bond no filme "007 - Operação Skyfall".

É minha primeira vez com uma coisa dessas. Muito delicadamente, Lelanie começa a fazer minha barba. Quando ela termina, mais uma toalha quente e uma aplicação de hidratante para finalizar. Senti como se minha pele estivesse respirando. Confesso que me sinto renovado, outra pessoa. Sem deixar de ser ainda aquele velho homem africano.