Topo

Agência quer obrigar planos de saúde a divulgar taxa de cesárea de médicos

ANS quer reduzir o índice de cesáreas feitas em hospitais particulares - BBC
ANS quer reduzir o índice de cesáreas feitas em hospitais particulares Imagem: BBC

Mariana Della Barba

Da BBC Brasil em São Paulo

24/10/2014 17h23

A partir desta sexta-feira (24), grávidas, mães, pais, profissionais de saúde e qualquer outra pessoa interessada em partos podem opinar em uma consulta pública online realizada pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) que pode ajudar a reduzir a "epidemia" de cesarianas realizadas na rede particular de saúde no Brasil.

Autoridades de saúde dizem que a realização de cesáreas aumenta os riscos para a mãe e o bebê. O índice desse tipo de parto chega a 84% em hospitais privados, que atendem majoritariamente pacientes com planos de saúde, enquanto que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de 15%.

A agência propôs duas resoluções para combater o problema. Uma prevê que a mulher receba um Cartão da Gestante, com dados sobre seu pré-natal para ser apresentado na maternidade, e um Partograma, um documento que detalha a evolução do trabalho de parto e as condições da mãe e do bebê.

A outra é mais polêmica, já que prevê que os planos sejam obrigados a divulgar a porcentagem de cesáreas e partos normais de médicos e hospitais conveniados.

Assim, se a norma for aprovada, qualquer mulher, independentemente de estar grávida ou não, pode ligar para seu plano de saúde para saber que tipo de parto determinado médico ou hospital costumam fazer.


Melhor informada sobre o tipo de conduta que o obstetra costuma ter, a grávida teria uma ferramenta a mais para decidir se o que ela espera de seu parto é compatível com aquele profissional.

"Pela nossa proposta, as beneficiárias do plano entram em contato fazendo essa demanda e recebem um protocolo. Os planos terão então 30 dias para responder. Caso contrário, devem pagar uma multa de R$ 25 mil por protocolo não cumprido", explicou à BBC Brasil Karla Coelho, gerente de assistência à saúde da ANS.

De acordo com a agência, os interessados devem enviar sugestões via um formulário disponível site da ANS até 23 de novembro.

"Uma equipe vai receber e filtrar essas contribuições, que depois serão aprovadas pela diretoria. A expectativa é a de que isso ocorra até 15 de dezembro”, explica Karla.

Em coletiva para anunciar as medidas, integrantes tanto da ANS quanto do Ministério da Saúde, ao qual a agência é vinculada, informaram que o objetivo não é "demonizar" a cesárea, já que em muitos casos ela salva vidas.

Mas lembraram que, sem indicação médica, ela traz problemas à saúde da mulher e do recém-nascido, como aumentar em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios no recém-nascido e triplicar o risco de morte materna.



Além disso, cerca de 25% dos óbitos neonatais no país estão relacionados à prematuridade, uma condição que pode vir ligada a uma cesárea desnecessária.

Ouvidos pela BBC Brasil, profissionais ligados à área de saúde concordam que é preciso tomar medidas para fazer o Brasil deixar a posição de número um em cesáreas de todo o mundo. Mesmo assim, as medidas da ANS causaram polêmica.

Defensoras dos direitos das mulheres e o Ministério Público, que moveu uma ação cobrando mais medidas da ANS para coibir cesáreas desnecessárias, elogiaram a divulgação da taxa de cesáreas, apesar de acharem que elas são apenas um primeiro passo.

Já um representante da classe médica disse que a medida "não deve surtir efeito" e "viola a autonomia médica". Confira:

Luciana Costa Pinto, procuradora federal

É uma das responsáveis pela ação civil que cobra da ANS medidas que ajudariam na redução do número de cesarianas e promoção do parto humanizado

"As propostas são boas e devem ajudar bastante, mas são insuficientes para começar a mudar algo para valer. Divulgar as taxas de cesáreas é ótimo, afinal, quanto mais dados, melhor para a gestante. Essa era nossa principal demanda, porque são muito comuns os casos de médicos que, ao longo da gestação, convencem a grávida que queria parto normal a fazer uma cesárea. Ela tem direito à informação, até como consumidora. Estou otimista quanto à aprovação das propostas. E será somente depois disso que o juiz vai dar a sentença na ação civil que cobra medidas da ANS."

Ana Lúcia Keunecke, advogada da Artemis, ONG que luta pela autonomia feminina e pela erradicação da violência contra a mulher

"As medidas propostas são o início do caminho da mudança. Ainda falta muita coisa, mas divulgar as taxas de cesáreas é ótimo porque a gestante terá uma informação clara e precisa do tipo de profissional que é aquele médico –e verá se ele é do tipo intervencionista ou 'cesarista', que faz poucos partos normais. Obstetras exercem uma prestação de serviço. É por isso o Código de Defesa do Consumidor determina que as informações precisam ser claras e precisas. A Artemis vai participar da consulta pública da ANS, sugerindo ideias sobre como aprimorar essas duas resoluções e algumas outras novas. A decisão da ANS de propôr essas normas é uma resposta a uma ação judicial, que cobrava da agência medidas para reduzir as cesarianas na rede privada. Em agosto, o juiz deu 60 dias para a ANS postular uma minuta para atender os objetivos da ação. Mas é preciso deixar claro que essa imposição judicial não tira o impacto positivo da iniciativa."

Sobre as propostas serem um reflexo direto da ação civil, a A ANS afirmou que "faz um trabalho contínuo para a promoção do parto normal e a redução do número de cesarianas desnecessárias, no qual o Ministério Público e outros órgãos são parceiros, sendo que há iniciativas sendo tomadas desde 2004".

Vera Sampaio, gerente de regulação de saúde da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar)

"Já temos essas taxas em nossos arquivos, mas falta sistematizá-las. Ainda não sabemos como isso pode ser colocado em prática, operacionalmente falando, mas acho que não vai ser um custo grande para as operadoras. Mas seria melhor se fosse passado o número de cada tipo de parto e não a taxa. Assim, não haveria problema se um médico tiver poucos partos por determinado plano e justamente esses precisaram ser cesáreas. Não daria uma imagem errada do profissional. Mas, para reduzir mesmo o número de cesáreas, é preciso mudar todo o modelo de atendimento. E isso inclui ter uma equipe multidisciplinar, não focar apenas no médico, incluir o enfermeiro obstetra para casos sem complicações. Mas para isso é preciso mudar a cultura dos médicos, e há uma resistência em relação a isso."

João Steibel, presidente da Comissão de Assistência ao Parto, Abortamento e Puerpério da Febrasgo (Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia)

"Eu não vejo problema nessa proposta da ANS. É um direito da paciente saber o que quiser. Mas ela interfere na autonomia do médico, pois são dados específicos. De repente, o médico não quer dizer. E se meu índice de cesárea é 80% e eu não quero divulgar? É uma medida fraquinha, que, acho eu, não vai diminuir o número de cesáreas. Alguns médicos indicam cesárea por convicção. E são os médicos mais jovens, e normalmente mulheres, que são os mais convictos. O que é preciso entender é que a cesárea em si não é um problema, é como uma rinoplastia. Ela traz uma vantagem para paciente, que é a praticidade. Já o parto normal, para a paciente, é melhor por causa da recuperação, que é mais rápida. Agora, para o bebê, depois de 39 semanas, não faz diferença (se é cesárea ou parto normal). A taxa de problemas em uma cesariana não é mais alta do que em um parto normal. A ANS diz isso porque só usa os trabalhos que dizem que cesáreas são um problema. Isso não é uma verdade absoluta. Existem 30 trabalhos dizendo isso. Mas existem outros 30 dizendo o contrário. Não sei qual medida seria mais produtiva. Mas eu vou falar com o presidente (da Febrasgo) porque acho que é hora de a gente começar a se mexer (para diminuir essas taxas)."

CFM (Conselho Federal de Medicina)

O CFM informou, por meio de nota, que tem, desde 2010, uma comissão para discutir como reduzir o número de cesáreas e estimular o parto normal, mas que a comissão atualmente está em estado de espera. Informou ainda que o órgão está analisando as propostas da ANS e pretende se pronunciar em breve.