Topo

Sauditas garantem seus direitos através do contrato matrimonial

Sauditas participam de feira de vestidos de noivas - AFP
Sauditas participam de feira de vestidos de noivas Imagem: AFP

25/06/2019 10h51

Depois de dar início aos preparativos da cerimônia de casamento, a noiva de Majd exigiu que no contrato matrimonial constasse seu direito - garantido pela lei saudita - de poder dirigir carros.

Os contratos matrimoniais são uma rede de segurança para as sauditas nesta sociedade patriarcal. Neles são inscritos os direitos da mulher para que não fique à mercê dos caprichos do marido ou de sua família.

Tais atos, legalmente vinculativos, codificam geralmente o direito da mulher a ter sua própria casa, contratar uma empregada doméstica, estudar ou trabalhar.

Mas após a suspensão da proibição de dirigir para as mulheres, no ano passado, surgiu uma nova exigência: a de poder possuir e dirigir um carro.

Aos 29 anos, Majd, executivo comercial, vai se casar em sua cidade natal de Dammam, no leste da Arábia Saudita. Aceitou dois pedidos de sua noiva de 21 anos: poder dirigir e poder trabalhar depois do casamento, segundo o texto do contrato consultado pela AFP.

"Disse que queria ser independente", explicou Majd, que não quis revelar seu sobrenome. "Eu lhe disse: claro, porque não?", acrescentou.

A abolição da proibição de dirigir para as mulheres é a mudança social mais palpável no reino ultraconservador, que iniciou uma campanha de relativa liberalização.

Para dirigir, as mulheres não necessitam do acordo explícito de seu "tutor" (marido, pai ou outro parente), do qual ainda dependem para estudar, se casar e inclusive sair da prisão.

Por outro lado, não se sabe se podem contestar legalmente uma proibição de seu tutor de dirigir.

"Algumas mulheres preferem incluir o direito de dirigir em seu contrato matrimonial para evitar qualquer conflito conjugal", explicou Abdelmohsen al Ajemi, um imame de Riade encarregado matrimonial, que na semana passada recebeu pela primeira vez uma petição neste sentido.

Clérigo Abdulmohsen al-Ajemi mostra exemplos de contratos de casamento - AFP - AFP
Clérigo Abdulmohsen al-Ajemi mostra exemplos de contratos de casamento
Imagem: AFP

As mulheres podem aludir aos incumprimentos das condições do matrimônio para pedir o divórcio, segundo encarregados matrimoniais.

Transformação social e tensões

Não existem estatísticas oficiais sobre o número de contratos que contêm tais exigências. Questionado pela AFP, o Ministério da Justiça não fez nenhum comentário.

Mas Munirah al Sinani, uma dona de casa de 72 anos de Dhahran (leste), disse que sabe de dois casos recentes entre seus conhecidos.

"Se você não me deixar dirigir, então 'jalas' ["acabou", em árabe], não quero nada de você", teria respondido, segundo ela, uma saudita a seu pretendente.

Essa tendência indica a forma como as mulheres parecem utilizar os contratos matrimoniais para conseguir petições cada vez mais audaciosas, segundo os critérios desta sociedade conservadora.

Um saudita da cidade de Al Ahsa (leste) contou à AFP que em sua grande família, uma noiva exigiu que seu futuro marido parasse de fumar.

Outra pediu ter acesso ao salário de seu noivo e uma terceira mulher exigiu que não engravidasse durante o primeiro ano de união, segundo Ajemi.

Uma saudita publicou na internet seu contrato matrimonial, que proíbe seu marido de ter uma segunda esposa, embora a poligamia seja reconhecida pelo islã, provocando indignação nas redes sociais.

Já os homens às vezes utilizam sua escritura de matrimônio para exigir que sua esposa "não trabalhe nunca" ou que more com sua sogra, diz à AFP Adel Al Kalbani, outro imame.

Estas práticas são uma amostra da transformação social do reino, segundo Kalbani e Ajemi.

Mas também podem causar tensões e o fracasso das uniões. Os meios sauditas noticiaram nos últimos anos um aumento do número de divórcios.

"No passado, a sociedade não escutava as mulheres [...], mas agora parece que se adapta a suas exigências", comentou Ajemi.