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Movimento feminista propõe aborto legal na Argentina em ano eleitoral

Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress
Imagem: Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Da AFP

28/05/2019 18h49

A proposta pela legalização do aborto na Argentina volta a ser debatida nesta terça-feira (28) no Congresso graças ao movimento feminista e aparece como um dos principais temas da campanha eleitoral para as presidenciais de outubro.

Esta será a oitava vez que se apresentará um projeto para legalizar a interrupção voluntária da gravidez na Argentina. Até agora, só uma vez, em 2018, foi debatido no Congresso depois de que a Câmara de Deputados lhe deu luz verde, no calor de multitudinárias manifestações que instalaram o lenço verde como símbolo da luta feminista. Mas sua aprovação fracassou por sete votos no Senado.

A proposta para legalizar o aborto até a semana 14 de gestação inicia seu trâmite parlamentar com o apoio de 15 legisladores de distintos partidos e uma renovada mobilização feminista.

No início da tarde, centenas de pessoas, em sua maioria mulheres jovens vestidas de verde, se concentraram em frente ao Congresso para apoiar a iniciativa. As mobilizações se repetem em uma centena de cidades argentinas.

"Cada um tem que poder decidir com responsabilidade. Abortar não é fácil, tem que haver uma legislação que permita fazê-lo dignamente", comentou à AFP Noelia Patruno, guia turística de 40 anos, em uma manifestação dos lenços verdes.

"Não têm força"

Em uma esquina da praça do Congresso, um punhado de ativistas contrários à legalização se esforçavam para ser ouvidos.

"Que dor ver isto! Não é justo, uma sociedade que propõe a morte. A vida é a partir da concepção. Por quê voltar com esse projeto de lei? Já foi rejeitado no ano passado. Já sabem que não têm a força suficiente", afirmou Nélida Rodríguez, comerciante de 50 anos, com lenço e capa azuis, emblema dos contrários ao aborto.

A legalização do aborto divide a Argentina, país do papa Francisco e onde a Igreja católica exerce uma influência importante.

Há poucos dias, Francisco se expressou mais uma vez contra a interrupção voluntária da gravidez e a comparou com a contratação de um pistoleiro.

"É justo eliminar uma vida humana para resolver um problema? É justo contratar um pistoleiro para resolver um problema?", questionou o papa na semana passada, durante um colóquio sobre a luta contra o aborto terapêutico.

Pressão eleitoral

O trânsito do projeto de lei parece difícil neste ano de eleição presidencial, em que nenhum candidato quer perder votos.

Mas as organizações feministas concentram suas esperanças na renovação de 24 dos 72 assentos do Senado, prevista para as eleições de outubro. Também se renovará metade da Câmara Baixa.

"Não se deve baixar a guarda, é preciso seguir lutando. Os políticos têm medo de dizer que estão a favor do aborto, mas isso está mudando pouco a pouco", disse Natalia Eraza, uma assistente hospitalar de 28 anos que participa da manifestação em frente ao Congresso.

Em 2018, a Câmara de Deputados aprovou a norma por 129 a 125 votos, e o Senado a rejeitou depois por 38 a 31.

"Esta vez o tema já está instalado na sociedade, será uma pergunta mais natural para os candidatos que terão que dizer que posicionamento levarão ao Congresso", afirmou Victoria Tesoriero, dirigente da Campanha pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito.

A deputada de esquerda Victoria Donda, uma das que rubrica a apresentação do projeto, considerou necessário "exigir aos candidatos que esclareçam sua postura".

"O aborto não é 'piantavotos' (espanta eleitores), é uma questão de saúde pública", afirmou.

O presidente liberal Mauricio Macri, que buscará sua reeleição, foi o primeiro governante a habilitar o debate parlamentar. Mas se declarou "a favor da vida", embora tenha garantido que se a norma fosse aprovada não a vetaria.

A ex-presidente e senadora Cristina Kirchner, principal opositora e candidata à vice-presidência, recusou lançar o debate durante seus dois mandatos (2007-2015), mas em 2018 votou a favor.

Seu companheiro de chapa, Alberto Fernández, candidato à presidência pelo peronismo de esquerda, se declarou a favor da despenalização, embora sem avançar na legalização.

Aborto legal

Na Argentina, o aborto é permitido quando está em risco a vida da mulher ou quando a gravidez é produto de um estupro, sem detalhar as semanas de gestação.

Mas muitos médicos e alguns governos provinciais resistem a aplicar a lei e algumas meninas de 11 anos foram obrigadas a levar adiante a gravidez ou submetidas a cesáreas pela judicialização de seus casos.

Um informe do Centro de Estudos de População (Cedes) estima que na Argentina são praticados cerca de 450.000 abortos clandestinos por ano, que levam à morte de uma centena de mulheres.

"Os abortos continuam sendo praticados em péssimas condições e as mulheres morrem em contextos de clandestinidade", denunciou Mariela Bielski, diretora da Anistia Internacional Argentina.