Se toca, mulher!

Repórter faz cursos para conhecer melhor sua vagina e aprender novas formas de sentir prazer

Helena Bertho da Universa
Amanda Perobelli/Universa

Sempre fui muito liberal quando o assunto é sexo. Transar sem compromisso, testar coisas novas, me masturbar... Nada disso nunca foi tabu para mim. Mas, honestamente, essa liberdade toda era só para fora. Quando o assunto era autoconhecimento e a relação com minha própria genital, meu comportamento devia ser parecido com o de uma senhora de dois séculos atrás.

Começando pelo fato de achar minha vulva feia. Tinha tanta vergonha dela, a ponto de ter olhado uma ou duas vezes no espelho e desviado o olho rapidinho. Me masturbava, sim, mas sempre do mesmo jeito -- que me permitia ter um orgasmo rapidinho, mas nada intenso, e sem provar novas sensações. E, na cama, sexo sempre foi sobre agradar o outro, até porque, honestamente, eu não saberia dizer exatamente o que me dá prazer. Inclusive, não é sem vergonha que conto: até os meus 30 anos, achava que era ok sentir dor ao transar.

Dito tudo isso, fiquei sabendo recentemente de algumas iniciativas que têm surgido focadas no empoderamento sexual feminino. Cursos e workshops de "siririca", com intuito de possibilitar que mulheres entrem em contato com sua sexualidade e se apropriem do prazer. Isso bem em um momento em que vinha questionando minha relação com a sexualidade e me perguntando: por que todo mundo sente tanto prazer, menos eu? Embarquei em dois cursos, para ver se conseguia encontrar a resposta.

Amanda Perobelli/Universa Amanda Perobelli/Universa

Um fim de semana de amor à xoxota

Por questões de tempo, escolhi duas iniciativas. A primeira foi o retiro I Love My Pussy, um fim de semana de imersão entre mulheres, ministrado por uma terapeuta tântrica, com enfoque em autoconhecimento. A segunda, o Lab de Siririca Molhada, um curso de três horas, dado por uma filósofa, que prometia me ajudar a encontrar a próstata feminina e aprender a ejacular

Camila Rios/Universa Camila Rios/Universa

Do que adianta textão no Facebook se ainda fingimos orgasmos?

O retiro I Love My Pussy aconteceu numa pousada em uma cidade próxima a São Paulo. Fomos para lá numa sexta-feira à noite. Cerca de 25 mulheres, entre 20 e 40 anos, todas muito ansiosas, sem saber se em algum momento rolaria alguma prática tântrica por lá.

A professora era Carol Teixeira, filósofa e terapeuta tântrica. Com um casaco peludo e entre velas, ela conduziu nossa apresentação. "Quero formar um exército de mulheres realmente empoderadas", começou ela, dizendo que de nada adianta fazer textão no Facebook, se entre quatro paredes ainda fingimos orgasmos ou não sabemos dizer "não".

Depois de cada uma contar um pouco de si e de porque estava lá -- desde busca por prazer, até a sensação de estar "oca"-- demos início a um processo de meditações que duraria até a noite seguinte. Através de meditações ativas e trocas, Carol queria que nós encarássemos algumas crenças e preconceitos que construímos, muitas baseadas no machismo. Apesar das atividades diferentes, foi bem parecido com um retiro de Sagrado Feminino que fiz ano passado.

Mas depois de meditarmos, entrarmos em transe, chorarmos e lavarmos a alma, todas vestidas, sábado à noite chegou a hora de olharmos para o motivo de estarmos ali: as bucetas.

Assistindo uma mulher gozar

A segunda etapa começou com uma demonstração de massagem tântrica em uma mulher

Camila Rios/Universa Camila Rios/Universa

Carol pediu para uma das alunas, e amiga sua, que se deitasse no centro da sala sem roupa. A professora pegou então uma bandeja com três vibradores e disse para ficarmos em volta delas. Carol começou massageando a mulher com a ponta dos dedos, por todo o corpo, por alguns minutos, até que passou a tocar sua vagina com movimentos também leves das mãos. Aos poucos, foi intensificando os movimentos e, por fim, pegou o menor dos vibradores.

Camila Rios/Universa Camila Rios/Universa

Então posicionou o obejto na vulva da modelo e moveu um pouco, até que ela começou a se contorcer e soltar gemidos. A terapeuta ficou com o vibrador parado ali, enquanto ela gemia e se contorcia. Aos poucos, seus gemidos viraram urros e seu corpo tinha espasmos. Olhando de fora, fiquei na dúvida se aquilo estava sendo bom ou dolorido para ela. Carol repetiu os passos com os outros dois vibradores. Mais uma vez os urros, lágrimas e corpo em espasmos.

Camila Rios/Universa Camila Rios/Universa

Depois de alguns minutos, Carol desligou o vibrador, apoiou a mão sobre a vulva da mulher e sua assistente deu uma flor para cada uma de nós. Passamos as flores pela pele dela, enquanto ela chorava sem parar. Eu ainda não sabia dizer se aquilo tinha sido bom para ela, mas não tinha a menor dúvida de que foi intenso. Mais tarde, ela me contou que, de fato, foi um processo intenso. Que sentiu muito prazer, mas também sentimentos profundos que não sabia nomear.

Aulinha na vagina

Quando a modelo se acalmou, Carol demonstrou na vagina dela os movimentos que tinha feito. Deu a dica de não fazermos o gesto tão comum de esmagar o clitóris, mas procurar estimulá-lo de outras formas.

Ela ensinou alguns outros truques para fazer com as mãos e também deu a dica de como posicionar o vibrador entre os lábios internos e externos até encontrar um ponto onde seria simplesmente impossível não gozar. Além disso, disse para resistirmos à dorzinha que vem logo depois do orgasmo e insistir, pois o segundo orgasmo seria ainda melhor.

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Hora de meter a mão na massa

Para a atividade seguinte, cada uma de nós recebeu um espelhinho e Carol pediu para nos sentarmos e olharmos nossas vulvas por algum tempo. E foi o que fizemos, muitas se sentaram de frente para a parede, outras, menos tímidas, abriram as pernas de frente para as outras, e por um longo tempo, encaramos nossas pepecas.

Confesso que eu sempre tive problemas de olhar para a minha, por mais que saiba que ela é completamente normal. E naquele exercício, passando mais de dez minutos ali, percebi que eu andava sendo boba. Depois de alguns minutos, tudo foi parecendo cada vez mais e mais natural, até que ao final do tempo dado, eu já não estava mais com tanta vergonha da aparência da minha vulva.

Então a professora nos disse para fecharmos os espelhos e percebemos que, enquanto estávamos concentradas, ela tinha deixado um vibrador ao lado de cada aluna. Um bullet bem pequeninho, cor de rosa. E a instrução seguinte era para que quem ficasse confortável, colocasse em prática as lições aprendidas.
Todas nós deitamos, abrimos as pernas e fomos à ação.

Confesso que aquilo pareceu bem difícil no começo: como eu poderia gozar sem estar excitada? Para mim, o prazer físico estava diretamente ligado ao estímulo mental. Aquela velha crença de que 'mulher sente tesão na cabeça', sabe?

Helena Bertho

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Mesmo assim, tentei e fui fazendo o caminho ensinado pela professora com o vibrador. E, de fato, cheguei a um ponto em que o prazer começou a rolar. Aos poucos, foi ficando mais e mais intenso, meu corpo começou a se contrair e gozei, assim, sem nem ter sentido tesão.

Segurei o vibrador ali, apesar de um choquinho que veio quando gozei e continuei. Logo veio um segundo e um terceiro orgasmos, mais intensos que o primeiro. A essa altura, gemidos ressoavam por toda a sala. E, meio que ao mesmo tempo, todas fomos diminuindo o ritmo e parando.

Ainda rolaram outras atividades naquela noite. Mas o que eu mais pensava era: como pode minha vagina sempre ter estado aqui, disponível para mim, e só agora aos 30 anos de idade eu percebi que podia sentir prazer sem tesão?

Amanda Perobelli/Universa Amanda Perobelli/Universa

Mulher também pode ejacular?

Mais ou menos um mês depois desse retiro, parti para minha segunda aventura, o Lab de Siririca Molhada. Ele aconteceu em um sábado de julho, em um restaurante em São Paulo, e a promessa era que aprenderíamos ali como ejacular, o famoso "squirting".

Éramos eu e mais quatro alunas, com a professora Sue Nhamandu. Sentamos no chão no andar superior do restaurante, enquanto Sue ia falando da vida e tirando de sua bolsa uns papeis, uma toalha e um pacote de luvas cirúrgicas.

Tudo posicionado, ela explicou que a primeira parte da aula seria teórica. E começou a falar sobre a história do corpo feminino na ciência, contando como a anatomia dos nossos órgãos sexuais foi ignorada por muito tempo -- vide como o clitóris ficou de fora dos livros de anatomia por muitos anos.

"Não há nada mais falacioso do que dizer que a ciência é neutra. Ela é baseada nas crenças dos cientistas e nos interesses de quem financia a pesquisa", disse ela.

Então contou que um dos interesses que existe é dizer que o corpo da mulher é completamente diferente do masculino. E por isso, aceitar que mulheres podem ejacular, está fora de cogitação. Mas, segundo ela, todas nós podemos sim.

Afinal, o que é squirting?

Sue então passou a falar do que chama de próstata feminina. Que na verdade é a glândula de Skene. Ela fica localizada no canal vaginal e suas saídas ficam ao lado ou dentro da uretra. Ela produz um líquido que seria eliminado na ejaculação feminina.

A ejaculação é transparente, parece xixi, e às vezes pode ficar um pouco mais viscosa ou esbranquiçada, segundo a professora. E, no mundo real, ela não tem nada a ver com os jatos que aparecem nos filmes pornôs. Parece mesmo com xixi quando sai. Algumas mulheres poderiam ejacular naturalmente, enquanto outras precisariam "praticar" para treinar a glândula. Ah! O famoso ponto G seria a parte final dela!

É o caso de Sue. Ela contou que ejaculou uma vez sem querer e, a partir desse dia, decidiu pesquisar e estimular sua próstata até que dominou a arte do "squirting". Disse que treinou 20 minutos por dia por dois meses.

O orgasmo, porém, ela disse que é a mesma coisa com o sem ejaculação. A diferença é que quando ela rola, os orgasmos múltiplos ficam mais fáceis. A professora ainda disse que eliminar o líquido produzido pela glândula seria bom para evitar câncer. E ejacular seria um ato político.

Ejaculação feminina é uma arma de guerra contra o patriarcado

Sue Nhamandu

Mais uma vez, com as mãos na "massa"

Depois da teoria, chegou a hora de encontrar no corpo a tal da próstata

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Sue distribuiu luvas par nós e tirou suas calças. A primeira parte da prática seria cada uma de nós enfiar os dedos em sua vagina e encontrar sua próstata, seguindo suas instruções. Na minha vez, luva vestida, lubrificantes nos dedos, lá fui eu. "Mais pra cima, agora faz o gesto de 'vem cá' com os dedos. Isso, está sentindo?", ela falava, enquanto com a minha outra mão em seu braço, tentava exemplificar o que eu devia estar tocando. E de fato, toquei. Uma protuberância cilíndrica no começo do canal vaginal.

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Hora dela mostrar no nosso corpo. Tirei a saia, sentei com as pernas abertas e esperei. Fui a terceira e, entre cada uma de nós, ela trocada de luva. A professora enfiou os dedos em mim, movimentou e tocou uma área mais sensível. Perguntou se eu sentia e começou a movimentar os dedos. Primeiro fez um vai vem rápido e depois um fraco. "Como prefere?". Fraco. Depois, fez movimentos circulares e de vai e vem. "E agora, qual prefere?". Circular. Estava ficando gostoso, mas ela tirou a mão e foi para a próxima.

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O passo seguinte seria nós mesmas nos tocarmos. Mas dessa vez, a ideia não era fazer sem tesão. Sue pediu para que cada uma escrevesse um sonho erótico. Trocamos nossos escritos, lemos em voz alta e depois eles foram queimados. A missão era, recitando o sonho da colega, bater uma siririca e ver o que conseguíamos com nossa próstata. Vendadas. As meninas deitaram em cima de suas toalhas, pois uma ejaculação poderia encharcar tudo. Eu esqueci toalha, então deitei sobre a saia.

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Segui outra dica de Sue e comecei com a estimulação clitoriana. Ejacular seria mais fácil depois de um orgasmo clitoriano. Depois de gozar uma vez, parti para o estímulo da próstata com os movimentos ensinados e fiquei lá o que pareceu um tempão. Tive um segundo orgasmo e vi que estava encharcada, mas em nenhum momento senti um jato. Quando Sue pediu para tirarmos as vendas, fui analisar e minha saia estava um pouco molhada. Pode ter sido ejaculação ou não.

Não preciso de aulas para gozar, mas elas ajudam

Independentemente de ejacular ou de ter aprendido grandes técnicas tântricas de siririca, essas aulas foram muito legais para me colocar em contato com a minha xoxota. Desde que saí delas, não paro de pensar em algo que minha psicóloga sempre me diz: "ninguém pode te dar prazer, só você mesma".

Acho que essas experiências serviram para finalmente me fazer entender isso. A verdade é que minha buceta sempre esteve ali, essas técnicas sempre estiveram disponíveis no mundo e, se eu tivesse tentado mais, provavelmente saberia há anos que posso curtir uma siririca burocrática sem tesão no fim do dia para relaxar. Mas eu não tentava.

No fim, percebi que não preciso de aulas para ter prazer, mas sim preciso me conhecer. E sei que não sou exceção em um mundo onde a sexualidade feminina ainda é vista, em geral, como ligada à reprodução, e o sexo é todo centrado no pau, muitas de nós esquecemos de conhecer nossas vaginas. E essas aulas foram ótimas para que eu me dispusesse a isso, de uma forma mais aberta e sem preconceito do que eu faria sozinha.

Existem muitos outros cursos de empoderamento sexual surgindo por aí. Cada um com uma metodologia ou técnica diferente, alguns com um fundo de crença ou religião... Mas no fim das contas, o objetivo é o mesmo: se tocar e entender como essa zona tão proibida e cheia de tabus funciona e como a sentimos. E a lição que aprendi foi que dá para sentir muito mais do que eu achava. Agora a missão é ter disciplina para treinar e ser uma ejaculadora profissional. Eu conto se conseguir.

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