De posse da vida

Da terapia aos 9 à bissexualidade virando notícia, Luiza Possi tem história própria e lutou pela independência

Thais Carvalho Diniz Da Universa
Lucas Lima/UOL

Luiza Possi tem 33 anos, é cantora, compositora e empresária. Passou a vida lutando para ser independente e ter uma carreira descolada do nome da mãe, Zizi Possi. Conseguiu. Da infância difícil à depressão na vida adulta, Luiza escreveu a própria história. Hoje, tem sua produtora, pela qual vende shows e eventos, inclusive os da mãe.

Famosa desde adolescência, a vida pessoal sempre vira notícia: emagrecer 20 kg, pintar os cabelos de ruivo, ser bissexual ou pelo relacionamento atual, com Cris Gomes, diretor da Globo. Os dois moram juntos desde dezembro e querem oficializar a união em um ritual íntimo.

Nesta entrevista para a Universa, Luiza conta episódios de assédio, opina sobre aborto e fala como perdeu contratos por causa de sua sexualidade. Também relembra os momentos de depressão, os altos e baixos na carreira e rejeita o estereótipo de menina rica que seguiu o caminho dos pais (o pai é o produtor musical Líber Gadelha).

"Eu queria ser independente. Meus pais eram separados, era uma puta confusão. E eu só pensava em poder ter as minhas coisas. A música foi a válvula de escape para eu sobreviver."

Luiza entra em cartaz no dia 29 de março com seu novo show, "Who’s Bad", um tributo a Michael Jackson. As apresentações começam em São Paulo.

"Nunca tive preconceito com homem e mulher. Eu me apaixono por almas"

Luiza perdeu contratos por ser bissexual

Marcus Leoni/Folhapress Marcus Leoni/Folhapress

"Quando me toquei que seria comparada à minha mãe, pensei: 'ferrou'"

Aos 13 anos, Luiza começou a fazer aula de canto. Formou suas primeiras bandas em Higienópolis, bairro da região central de São Paulo, onde morava, participou de festivais e concursos. E foi em um deles que uma produtora do "Programa do Jô" a assistiu pela primeira vez e a convidou para ir à atração com Zizi, que tinha uma data marcada.

"As pessoas acham que eu estava em casa, assistindo televisão e aí achei legal ser cantora e falei: 'mãe, vem aqui, descola para mim'. E, puts, não foi. Carreguei muita caixa de som no metrô para tocar na casa dos meus amigos, ensaiar."

Luiza diz que não percebeu que passaria por comparações em relação a Zizi. A ficha só caiu no dia que foi na "Hebe", programa que a lançou na televisão. "Atendi ao telefone e uma jornalista perguntou: como é a comparação para você? E aí eu pensei: ferrou! Vai ter isso".

São quase 30 anos que separam Luiza e Zizi, décadas que fizeram a música mudar e geraram mulheres, cantoras diferentes, mas isso não incomoda a mais nova. Para ela, o problema é perceber que, por mais sucesso que faça, "tudo passa pelo crivo de ser filho de alguém".

"Se você vai para um escritório de advocacia e está com uma advogada que é filha e neta da advogada fulana de tal, essa pessoa tem um grande crédito. Se você vai para um médico, que é novo, mas é filho de um outro médico, ele também ganha um respaldo. Na minha profissão, no meio artístico, eu sinto que isso se torna pejorativo, até que você prove o contrário, e eu já provei há muito tempo."

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Ninguém pergunta como é ser cantora no mesmo mundo em que a Simone é cantora. Ninguém compara se não é mãe e filha. E, no Brasil, ninguém compete com a minha mãe, ela hors concours

Luiza Possi

"Eu tinha crise do pânico, vomitava todos os dias antes de dormir"

Aos 9 anos, começou a fazer terapia para tratar a questão

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"Nunca fui uma criança normal. Não me lembro de ter sido criança, na verdade"

Quando Luiza tinha quatro anos, os pais se separaram. Ambos se casaram com outras pessoas e a menina começou a pegar a ponte aérea sozinha para visitar o pai que, logo na sequência, descobriu um câncer nos gânglios.

"Não deu muito para ser criança. Eu pegava o avião todo final de semana com cinco anos para ir ver meu pai. Acho que por isso minha vida foi diferente. Brincava de ser roteirista e ia inventando o que eu queria. 'Ah, estou indo para o Rio porque, na verdade, minha família mora em Curitiba e eu tenho oito irmãos'. E aí eu saía e estava lá a Zizi Possi para me buscar. As pessoas achavam que eu era louca. Mas foi divertido."

O segundo casamento do pai gerou dois irmãos, mas que não tiraram dela a sensação de ser a filha única. Por serem mais novos e não terem sido criados juntos, ficou mais o sentimento de proteção dos caçulas do que o de divisão dos pais.

Criada pela avó materna, Teresa, uma italiana rígida, Luiza foi mimada pelas ausências. Por isso, a relação com Zizi seguiu pela cumplicidade e companheirismo. "Quando a minha mãe podia e estava lá, me mimava. Não por ser filha única, mas por essa coisa da ausência."

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Ser filha única não foi um problema. Eu tinha um cachorro. Mas foi algumas outras coisas

Luiza Possi

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Aborto

"O aborto tem que poder ser um direito de cada mulher, porque fala de um momento muito íntimo, uma coisa muito só sua. Ninguém que é contra o aborto vai te dar uma bolsa para você criar o seu filho depois. Então eu sou a favor de a gente decidir o que a gente quer fazer com o nosso corpo, com a nossa sexualidade, a religião. O meu direito termina quando começa o do outro. Mas o meu direito existe."

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Maternidade

"Nunca sonhei ou pensei, mas, de uns tempos para cá, me deu vontade por precisar deixar uma semente. Minha família precisa ter continuidade, preciso dar um neto para minha mãe, fazer essa cruza com o Cris. Eu diria que é um filho por uma causa maior. Seria por perpetuar. Tenho um pouco de medo, os valores estão tão invertidos. Mas se for parar para pensar nessas coisas..."

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"Acordava com uma panela de macarrão e uma garrafa de uísque ao lado da cama"

As notícias que anunciaram os "menos 20 kg" de Luiza no ano passado deixaram algumas pessoas embasbacadas. Não por acaso, vieram na sequência as críticas: "Luiza Possi está anoréxica". Nem a própria tinha se visto com o peso fora do seu normal até 2009.

"Eu estava morando no Rio, tinha me separado do Pedro (Neschling), comecei a beber e comer muito. E beber tanto que eu esquecia que fazia macarrão e acordava com a panela do lado da cama e falava: cacete! Tomei uma garrafa de uísque, comi esse macarrão com presunto e... Nossa! Começou a virar uma bagunça."

A disposição para fazer exercícios, que sempre fizeram parte da rotina, também acabou. Nesse mesmo momento começaram a pipocar na internet os boatos de relacionamento gay e notícias que enfatizavam os quilos a mais.

"Os paparazzi fotografavam sem dó nem piedade e as matérias saiam: 'Luiza Possi gorda anda na praia do Leblon'. Então eu me vi várias vezes pronta para sair e desistia. Não dava."

Luiza sentiu um "preconceito bizarro" e viu contratos findarem, portas fecharem profissionalmente por ser bissexual. Se viu sozinha e deprimida. "Eu olhei para o Cristo (Redentor) e falei: 'Me abraça!' E dei um prazo: se em seis meses eu não conseguisse mudar aquilo, voltaria para São Paulo. E eu não consegui."

No retorno para a capital paulista, Zizi ficou doente e passou um ano no hospital por um problema na coluna, o que tomou a atenção e cuidados da filha. Só em 2013 ela "entrou no eixo" e começou a fazer algo pela própria saúde. "Descobri alterações na tireoide, alergia a glúten, leite e, em meses, emagreci, 8 ou 9 kg. Começou um movimento a meu favor."

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Vivemos um momento de inquisição. Eu sinto muito essa raiva iminente que paira no ar. Então tem que tomar muito cuidado com o que se fala

Luiza Possi

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"Restringir a minha natureza fez a vida responder diferente"

Ao estudar a cabala, a cantora descobriu como quebrar padrões. Isso ajudou tanto na manutenção das novas regras alimentares, como em arranjos sociais que a faziam mal.

"Eu tinha muita raiva e deixava o meu instinto falar muito alto. Até que eu comecei a fazer a restrição do padrão natural, que seria comer qualquer coisa, beber qualquer coisa, falar qualquer coisa, pensar qualquer coisa."

Luiza conta que a necessidade de mudança veio quando percebeu que a ressaca moral pelos seus atos era mais pesada do que o prazer momentâneo.

"Ter um ataque de raiva é incrível na hora, porque vem uma adrenalina, uma garra, você se acha a pessoa mais importante do mundo, mais poderosa, mas logo em seguida vinha uma rebordosa que era um padrão que eu não queria mais viver."

Então, diante desse novo comportamento, ela abre exceções e diz que não faz dieta. "Eu saio de casa e falo 'hoje eu quero abrir uma exceção'". E abre. 

"O maior trunfo do movimento feminista é desnaturalizar o assédio"

A cantora recorda que, na adolescência, andava na balada se defendendo

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"Ter uma casa é muito mais importante do que o casamento em si"

Luiza tem um altar em casa com anjos, santos, as imagens de Jesus, Buda, Ganesha, Lakshmi e acredita que toda forma de expressão religiosa que não pune, culpa ou elimina as outras serve para ser uma expressão de Deus, no qual ela acredita piamente. Por isso, para oficializar o relacionamento com Cris Gomes, quer fazer um ritual. O casal se conheceu nos bastidores do "Show dos Famosos" e está junto desde junho de 2017.

"Foi um movimento natural ele ir ir morar comigo, mas a gente quer ter uma casa que seja nossa. Estamos mais preocupados em montar essa estrutura."

Sem nunca ter pensado nos convencionais igreja, véu e grinalda, e por trabalhar com evento, a cantora afirma que não quer que o casamento seja mais um.

"Com o Cris me deu vontade de fazer um ritual, num lugar que seja especial para a gente. Mas talvez eu queira fazer a minha maquiagem nesse dia, uma roupa mais simples, não quero essa vibe que é a do meu trabalho."

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Toda crença que não pune ou culpa serve para ter Deus na sua vida. E eu acredito em Deus piamente, foi o que me salvou

Luiza Possi

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