Perfume de mulher

Nathalie de Gouveia, CEO da The Body Shop no Brasil, reformou a marca, expandiu franquias e peitou preconceito

Dinalva Fernandes Colaboração para Universa
Rafael Roncato/Universa

Trazer a marca (originalmente) inglesa de cosméticos The Body Shop ao Brasil foi a missão dada à parisiense Nathalie de Gouveia - o sobrenome é do marido, português - em 2015. A experiência em outras empresas da França, Espanha e Portugal ajudou a executiva a desenvolver modelos de lojas e quiosques exclusivos para o mercado local (com espaço para o cliente sentar e experimentar os produtos) e expandir as franquias da marca pelo país - além de aumentar em 50% o número de operações com bons resultados.

Formada em gestão empresarial pela Universidade Sorbonne e com pós-graduação específica em mercados ibéricos e América Latina, Nathalie não participou da venda global da The Body Shop para a Natura, no ano passado, mas conta nesta entrevista detalhes da sua atuação como CEO da empresa no Brasil; como por exemplo, o quanto se impressionou com os jovens franqueados brasileiros, os motivos da contratação da apresentadora Fernanda Lima para embaixadora da marca aqui e o que aprendeu, como mulher, num cargo de líder. 

Como chegou onde está e o que foi importante nessa trajetória?
Sou formada em gestão empresarial pela Universidade Sorbonne e fiz pós-graduação específica em mercados ibéricos e América Latina, porque desde jovem tinha um sonho de trabalhar em outros países. Trabalhei na França, na Espanha e em Portugal até ser contratada pela The Body Shop na direção de varejo na Espanha e em Portugal em 2011. Em 2015, fui promovida a diretora comercial e de expansão para o Brasil. Fiquei encarregada de desenvolver novas lojas para o mercado brasileiro e pelo processo de expansão das franquias da marca em todo o país. Dois anos depois, em 2017, fui nomeada CEO da empresa aqui.

Quais mudanças você operou nas lojas que já existiam no Brasil?
Eu mudei cerca de 60 lojas do antigo conceito da Empório Body Store para The Body Shop (a Empório era uma rede de franquias gaúcha que, em 2013, foi incorporada pela L'Oréal, então dona da The Body Shop). As transformações foram, principalmente, em layout, fachada, mobiliário e lançamento de 220 produtos. Nesse mesmo período, retiramos alguns produtos da linha Empório Body Store e, os mais vendidos, foram reformulados para fazerem parte do portfólio da The Body Shop. Além disso, fechamos cerca de 30 operações que faturavam baixo e aumentamos em 50% o número das que davam bons resultados, o que ampliou também a rentabilidade dos nossos franqueados.

Qual foi a sua participação na contratação da apresentadora Fernanda Lima, como embaixadora da marca, em 2017?
No início daquele ano, ao assumir a posição de CEO, era claro para mim que precisávamos aumentar o investimento na marca. O varejo estava já há um par de anos lutando contra a crise e entrando numa guerra de preços, mas eu acreditava firmemente que a solução não era seguir por aquele caminho.

Tomei a decisão de revisar o orçamento e realocar verba para a comunicação. Para isso, precisávamos contar com uma embaixadora local. O nome da Fernanda surgiu por causa de suas convicções, seu ativismo e afinidade com os nossos produtos.

Quais erros cometeu como chefe? E o que aprendeu com eles?
Confiar muito rápido nas pessoas. Houve situações em que, por exemplo, funcionários transmitiram mensagens erradas ao resto da organização, falando em nome da direção; o que gerou dúvidas e mal-estar nos colegas. Aprendi que é necessário ter mais cuidado para não complicar as relações e as construções de equipe. Além disso, é importante ter claro quais são minhas áreas de expertise e delegar as outras apenas para profissionais preparados e de confiança. Por fim, é fundamental dedicar momentos ao feedback.

É fundamental para o CEO ser consumidor da marca?
Eu sou. Com isso, consigo transmitir a paixão que tenho pelos produtos aos clientes, franqueados e equipes. Acho que essa dinâmica ajuda a conquistar mais público e mercado.

Na sua área, uma CEO mulher se sai melhor que um homem?
Mulheres e homens são diferentes e é natural que essas diferenças apareçam na liderança.

No entanto, líderes bons, sejam de que gênero for, têm em comum um grau elevado de performance nas tomadas de iniciativa, no foco em resultados e no trabalho em equipe.

Com quem uma chefe mulher normalmente pode contar dentro da empresa?
A solidariedade entre as mulheres é muito forte. Sou mãe há pouco tempo e converso com as colegas que tiveram essa experiência. O RH tem papel fundamental em permitir que as trabalhadoras encontrem seu espaço, cuidando do clima organizacional, garantindo a igualdade de oportunidades para homens e mulheres no plano de carreira e também na hora de cobrir uma vaga. E, claro, ajudando as mulheres mães na reintegração, depois da licença maternidade. Eu não imaginava antes de passar por essa fase o quanto é necessário a mulher ter apoio e compreensão da empresa na volta da licença.

Na sua experiência, mostrar fraquezas ajuda ou atrapalha?
Ajuda e atrapalha. No Brasil, as pessoas têm necessidade maior de conhecer as pessoas, então, estar aberta ajuda a aproximar a equipe. Mas em nível de liderança atrapalha.

Os demais líderes não devem achar que eu estava nervosa, gritando ou chorando, porque podem desconfiar da minha capacidade de gestão.

Qual a sua estratégia para conciliar vida profissional e pessoal?
A minha estratégia é organizar bem a agenda para curtir os momentos sem culpa. Além disso, tenho um marido que me apoia; é uma sorte imensa. Mesmo com um bebê de nove meses, consigo fazer pilates, yoga e corrida. Essas atividades me trazem energia, ajudam a pôr as ideias no lugar e me dão força física. Também viajo bastante. Desde adolescente, visito a África, Europa, América Latina e Ásia.

Nathalie na Tailândia/Arquivo pessoal Nathalie na Tailândia/Arquivo pessoal

Você já enfrentou preconceito por ser mulher?
Sim, várias vezes. Um recrutador ficou rodeando para saber se eu queria ter filhos, já que na Europa é proibido esse tipo de pergunta em uma entrevista de emprego. Respondi que tinha vontade de ter filhos e ele não me contratou. Em outra situação, um antigo chefe, de outra empresa, deu aumento para todos os meus colegas, menos para mim, e deixou claro que era por eu ser mulher.

Em outra empresa, ouvi um diretor italiano falando, "viram a menina que contratei?". E falei: "não sou menina, sou uma mulher". Ele também fazia muitas perguntas pessoais, que só pararam quando eu disse que aquela seara não era assunto dele.

E por ser estrangeira?
Não, e acho que é porque sou francesa. Se fosse de um algum país do Leste Europeu ou da África certamente sofreria.

Foi difícil se adaptar na chegada ao Brasil?
Não muito. Eu estava tão motivada e tinha tanto trabalho, que era excitante. Viajei muito para conhecer as 130 lojas em todas as regiões do Brasil e fui bem recepcionada. Foi só a partir do terceiro ano que a saudade da família deixou as coisas mais difíceis. Nessas viagens que fiz pelo país, notei o quanto os brasileiros valorizam as relações interpessoais e também a energia apaixonante dos jovens empreendedores. Esse empreendedorismo, seja por oportunidade ou necessidade, é um fator superimportante na nossa rede de franqueados.

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