Boneca de luxo à brasileira

Luciana Marsicano, CEO da Tiffany, inovou no mercado de luxo colocando a loja no Face e quer crescer 2 dígitos

Talyta Vespa da Universa
Marcus Steinmeyer/Universa

A paulistana Luciana Marsicano comanda a Tiffany & Co no Brasil há seis anos. Nesse tempo, um de seus principais goals foi colocar a loja nas redes sociais, subvertendo o que ela diz que as marcas de luxo fazem no Brasil: "Elas não abrem conta porque têm medo de se mostrar muito acessíveis". Luciana foi na contramão. E conta que deu certo. "Temos um milhão de seguidores, respondemos rápido às mensagens e tiramos dúvidas de preços e coleções".

Em 25 anos de carreira profissional, a CEO, que tem 50, passou por multinacionais como Pepsico, Ambev e Redecard. Aprendeu a ter "pensamento a longo prazo, raciocinar além do óbvio e a construir negócios que sobrevivam ao tempo". Vivenciou, na pele, as mudanças de tratamento a que as mulheres são submetidas no ambiente corporativo. Antes, só os homens "combinavam as tomadas de decisão" e ela, claro, foi assediada. Hoje, na Tiffany, homens e mulheres recebem o mesmo salário, ela garante, e os gays "não têm medo de serem o que são".

Nesta entrevista, Luciana, de forma honesta, conta que o filho sente sua falta e que já desistiu de ser "a melhor em tudo; e que tudo bem". Ela conta muito mais: 

Você já passou por empresas como Pepsico, Ambev e Redecard. O que aprendeu nesses trabalhos que a ajudou chegar onde está?
Essas empresas têm pensamento a longo prazo e precisam construir um negócio que sobreviva ao tempo. Esse foi um grande aprendizado. Na Ambev, eu acompanhava desde a criação da ideia até a execução da venda do produto pelo distribuidor. Na Pepsico, cuidei, por exemplo, da aveia Quaker. Tive que desenvolver produtos que proporcionassem ao consumidor mais que um mingau de aveia. Aí, surgiram os cereais matinais e as barras de cereais. Trabalhar em multinacionais me ensinou também a ter disciplina e a pensar além do óbvio.

A sua formação superior teve algo de especial?
Sim, muito. Eu intuía que ter uma faculdade não era o suficiente. Então, me formei e fui morar nos Estados Unidos por um ano e meio para aprender inglês. Depois, fiz espanhol, pós-graduação, curso de moda na FIT (Instituto Tecnológico de Moda de Nova Iorque) e outros de compras, merchandising e estratégia, em Chicago. Também investi num coach para me aprimorar como gestora.

Vivi dez anos gastando todo meu salário em especializações e não esperei que empresas investissem em mim. Deixei de comprar muitas coisas legais.

Quais foram seus grandes goals na Tiffany?
A Tiffany era muito fechada antes da minha chegada. Implantei a área de relacionamento com o cliente, que cuida de problemas dos consumidores com a loja. Também criei o Facebook da marca e já temos um milhão de seguidores. A maior parte das lojas de luxo não abrem conta em redes sociais porque têm medo de se mostrarem muito acessíveis. Eu achei que Tiffany não podia parecer inacessível. E deu certo. Respondemos rápido às mensagens e tiramos dúvidas de preços e coleções. Também participei da contratação da atriz da Globo Camila Queiroz, que é uma Friend of The House, uma apoiadora da marca. A estratégia para contratá-la envolveu as equipes de publicidade e assessoria de imprensa. Elas me trouxeram as atrizes millenials que mais conversam com o público da marca.

Quais foram seus principais erros como chefe?
Não dar feedback imediato e só contratar pessoas workaholics, como eu. Passei 15 anos da minha vida sem fazer críticas construtivas com medo de magoar funcionários. Hoje, sei que dar feedback é um ato de amor. Quanto às contratações, uma funcionária me disse, há alguns anos: “você só valoriza profissionais que se matam, como você”. Aquilo me pegou e comecei a entender a particularidade de cada um. Tem o cara que, em oito horas, entrega e vai para casa. E o que precisa de 16 horas para realizar o mesmo trabalho. Entregando, faça como for melhor.

Você é boa em dar feedback, mas se mostra aberta para receber?
Talvez, não. É algo a se pensar, mas sei que a hierarquia atrapalha.

As pessoas acham que não podem fazer críticas ao chefe. Falam do chefe para todo mundo, menos para ele, que é o mais interessado.

Na sua experiência, mostrar fraqueza ajuda ou atrapalha?
Ajuda. Sou totalmente contra criar um personagem. Tem mulher que chora, e tudo bem, faz parte. Em quem chora, a gente faz um carinho. Personagens limitam o processo criativo.

Nesses 25 anos de carreira, o que você observou de mudanças importantes no que diz respeito ao tratamento dados às mulheres no ambiente corporativo?
Antigamente, não havia transparência. Eu era uma mulher de 24 anos na Ambev, imagina? É claro que não queriam me pagar a mesma coisa que pagavam para os homens.

Trabalhávamos durante o dia e, nos eventos, que aconteciam à noite, os homens combinavam tomadas de decisão sem que estivéssemos presentes. Quando percebia, questionava: “Onde vocês combinaram isso? Estou aqui todos os dias das 8h às 20h e não presenciei essa reunião”. Foi assim até meus 30 anos.

Na sua área, que vantagens uma chefe mulher leva?
Na Tiffany, 90% das joias são femininas. Eu, como mulher e entendedora de estilo, consigo ver quais coleções farão mais sucesso. Sabia que a coleção “Hardwear”, por exemplo, era a cara das brasileiras, que são mulheres ousadas. A coleção foi inspirada em Nova York (traz símbolos como cadeados, chaves e correntes). E acertei. Foi lançada no ano passado e até hoje vende muito. No Japão, ela não vingou. Eu sabia que isso aconteceria porque as japonesas são muito discretas.

Com quem uma chefe mulher pode contar dentro da empresa?
Conto com as “minhas pares”, a gerente geral do Chile e a do México. Diferentemente de homens em posições de liderança, elas são abertas para compartilhar não apenas estratégias profissionais, mas também medos e aflições. Entre nós, não temos problema em expor o lado emocional. A Tiffany é a empresa em que trabalhei que tem mais mulheres em posições de liderança. Adoro isso.
Mas conto bastante também com meus funcionários. Semanalmente, me reúno com eles para discutir decisões. É um fórum para eu não pensar sozinha. Às vezes, devo dizer, não gosto da conclusão e decido eu mesma. Falo: “Minha experiência diz que é melhor irmos por outro caminho”. E vamos.

A Tiffany remunera igualmente homens e mulheres?
Não existe outra possibilidade na Tiffany. No que diz respeito à diversidade sexual, a empresa também é correta. Gênero ou orientação sexual não impactam em promoção ou aumento de salário. Entre as assinaturas dos e-mails, temos uma com a foto de dois homens de mãos dadas. Meu estagiário, por exemplo, usa essa assinatura, sem medo de ser quem é, e isso me dá orgulho.

O mercado de luxo exige sofisticação. Você já era uma mulher sofisticada ou precisou se adequar?
Sempre gostei de me vestir bem, mas passei a vida apostando em uma postura masculina. Eu me vestia com alfaiataria, conservadora, mostrando pouca pele. Lá atrás, ninguém falava sobre assédio.

Hoje, a mulher se sente mais protegida para ser feminina e deixar claro que isso não significa dar liberdade aos homens. No luxo, pude descobrir um feminino que eu tinha sufocado. Foi gostoso esse processo.

E, mesmo com toda essa proteção, você foi assediada?
Várias vezes. Mas contornei bem: ameacei o fulano de volta. “Fala de novo, que levo para o presidente da empresa”, eu dizia. Infelizmente, nunca tive coragem de ir até o RH e denunciar. As ameaças, junto com um “eu não te dei essa liberdade” bastavam pra mim.

Você tem um chicotinho interno?
Não mais. Tenho ciência que jamais serei linda, gostosa, espiritualizada, a melhor executiva da companhia, a melhor namorada para o meu marido e a melhor mãe. Dá para fazer tudo, mas não para ser a melhor em tudo. E tudo bem. As mulheres precisam parar de se cobrar tanto. Não precisa amamentar até os dois anos de idade. Eu amamentei até os cinco meses, foi o que consegui.

Qual a sua estratégia para cuidar bem dos filhos, ter hobbies, namorar e estudar?
Sei que meu filho sofre com a minha ausência, não sou cega. Talvez em algum momento ele precise de uma bela de uma terapia. Mas, melhor sofrer por 20 anos do que a vida toda com uma mãe mal resolvida. Acordo às seis, tomo café com ele e o levo à escola todos os dias. Depois, vou malhar com meu marido. Faço bastante esporte, corro e jogo tênis. Trabalho o dia todo e chego em casa às 20h30. A partir de então, é nosso momento, ninguém liga a TV. Meu marido cozinha, eu não, e ficamos os três conversando. Durmo cinco horas por noite. Vou ficar cheia de rugas na cara, mas faz parte. Não aceito convites para eventos de trabalho aos fins de semana. Minha família é muito musical, meu marido toca violão, meu filho, piano. Fazemos saraus em casa com amigos. Curto de Criolo a ópera. 

Já enfrentou preconceito?
Sim. Antigamente, os estrangeiros tinham uma noção equivocada sobre a mulher brasileira, no que diz respeito à sexualidade. Participei de uma convenção no México e um homem deixou um bilhete no meu quarto, me convidando para dormir com ele. Foi horrível. Em outras ocasiões, ouvi de homens que meu marido não conseguia bancar a casa, por isso eu precisava trabalhar.

Qual é o seu próximo objetivo na empresa?
Meu maior compromisso na Tiffany é fazer a companhia crescer dois dígitos.

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