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"Saio com travestis lindas, e gosto de fazer sexo com elas. Sou gay?"

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Imagem: Divulgação

“Não sei exatamente porque me sinto atraído por travestis. Pode ser o corpo modificado, que acaba chegando perto da perfeição, mas é realmente uma vontade que tenho desde muito novo. Saí com algumas, e fiz sexo anal. Sou gay? Vou te dizer que sou absolutamente ativo, não permito penetração em mim, também não faço sexo oral nelas. Mas elas podem, sim, fazer sexo oral em mim. Mas pensaria muito se fosse para me casar com uma. Se conseguisse esconder muito bem e eu gostasse dela, casaria sem problemas! Por fim, digo que realmente não tenho nenhum interesse por pênis, portanto não acho que seja a dualidade que me interessa. Gosto é da mistura, do corpo próximo do ideal. Isso é um problema?”.

O relato acima, de um personal trainer de São Paulo, foi enviado por e-mail. Angustiado, o rapaz tem dúvidas, muito comuns, sobre identidade, orientação sexual e gênero. Acha que tem “um problema”. Vamos falar de dois aspectos relativos ao dilema: desejo e identidade.

No que diz respeito ao desejo, o rapaz parece sintônico, ou seja, não tem dúvidas sobre quem é e suas características físicas. Parece. Isso porque, para nós, humanos, o desejo tem duas vertentes: sexual e afetiva.

A primeira traduz o sexo de uma determinada maneira e com um determinado tipo de indivíduo (ou mais de um). O personal trainer pratica sexo com travestis, diz ter prazer com isso e, ainda que eventualmente, se fixaria nesse padrão, casando-se com uma.

Do ponto de vista afetivo, ele pode estar mais enrolado. Isso porque o relato dele vem pontilhado de expressões como “perfeição” e “ideal” e, então, dá para pensar que ele não quer (ou não pode) se relacionar afetivamente. É assim: enquanto o desejo se limitar ao sexo, pode-se até cultivar idealizações, mas se piscar para o lado afetivo, elas podem ser traiçoeiras. O “outro” que desejamos é inevitavelmente imperfeito, assim como nós.

Nem sempre, é claro, desejo sexual e afetivo têm de estar juntos,  muito menos serem eternos, mas em algum momento a junção pode ocorrer. Além de a gente ter desejo, e ele oferecer variáveis, vertentes sexuais e afetivas, humanos têm a capacidade de “refletir” sobre esses desejos e de lhes atribuir valores.

A princípio, considera-se que esse dilema existencial seja exclusivo de nossa espécie, o que se chama de sexualidade: não nos basta “gostar de algo”, precisamos pensar que “gostar disso, desse jeito, é bom”.

O rapaz segue o perfil dos homens que se sentem atraído por travestis mapeado por Larissa Pelúcio, professora de Antropologia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (SP) no artigo “Na noite nem todos os gatos são pardos: notas sobre a prostituição travesti”, publicado em 2005: profissionais liberais, estudantes, vendedores, representantes comerciais, microempresários, entre 20 e 60 anos.

Ainda segundo ela, a maioria é casada ou mantém relacionamentos fixos com mulheres, as Genetic Girls (garotas genéticas em tradução livre). As travestis são denominadas T-Girls (garotas transgêneras). Esses senhores se identificam socialmente como 100% heterossexuais e tendem a reforçar a masculinidade no ambiente social.

Nosso personal trainer está com um dilema (“será que sou gay?”), mas aqui podemos nos solidarizar com ele. A miríade de expressões sexuais contemporâneas tem causado um efeito reverso que aparece na forma de categorização, classificação e eventualmente medicalização da sexualidade.

O assunto é vasto e complexo. O problema é quando não reconhecemos a humanidade no outro, que é a maior das violências possíveis. T-Lovers, como o homem que enviou o e-mail, podem e devem dar vazão a essa necessidade inexorável de se sentir feliz no sexo.

*João Luiz Vieira, 47, é jornalista e sexólogo, sócio proprietário do site paupraqualquerobra.com.br e tem um canal no YouTube: sexo_sem_medo. Com a colaboração do psicólogo clínico e professor de psicologia analítica Walter Mattos, e do psiquiatra Marcelo Niel.