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Aos 75, Caetano não cansa de nos reinventar e atualizar

Marcello Sá Barretto /Agnews
Imagem: Marcello Sá Barretto /Agnews

“Quem poderia pedir por mais?”, perguntava Paul McCartney na música “When I’m Sixty-Four”, lançada há exatos 50 anos. Ele tinha, na época, 25 anos e demonstrava preocupação com uma velhice que, até agora, não veio – não aquela imaginada na música, quando demonstrava dúvidas sobre se receberia presente no dia dos namorados, saudações de aniversário, se seria útil consertando fusível ao lado de alguém tricotando suéter na lareira.

Nascido no mesmo ano, Caetano Veloso acaba de completar 75 anos. Tomei um susto quando soube, pelas redes (todo mundo tem uma música da vida feita por ele, e todo mundo tem algo a dizer sobre elas em dias assim).

Achava que fazia alguns dias (na verdade, eram cinco anos) que escrevi em seu septuagésimo aniversário um texto tentando, inutilmente, entender, o que fazia dele não só um dos artistas mais completos da minha geração, mas também da geração de meus pais, dos meus avós e, provavelmente, do meu filho, a exemplo de Chico Buarque ou dos grandes romancistas. (Na época eu não tinha filhos, e não imaginava que pouco depois iria tentar acalmá-lo nas noites sem sono cantando O Leãozinho).

De lá para cá, eu envelheci, saí da crise dos 30, entrei na crise dos 35 (uma prévia dos 40) e ele seguiu lançando álbuns, fazendo shows, se engajando em novas causas, e concedendo algumas das melhores análises, muitas vezes em forma de entrevista, sobre o momento histórico, do qual não se omitiu. Colocou Junior Cigano e Anderson Silva na mesma música-homenagem à bossa-nova, descobriu Liniker, abraçou Anitta e declarou que o funk e o sertanejo universitário são a nova tropicália.

Ninguém é obrigado a concordar, mas é difícil não admirar a forma com que ele abraça, absorve e digere as novidades e contradições do “nosso tempo” – em vez de se trancar, ressentido, com discursos sobre como eram as coisas no tempo dele, como se fosse possível determinar em que momento o mundo, como a vida, deixa de nos pertencer ou fazer sentido.

É dele, por exemplo, uma das melhores análises do filme “O Som ao Redor”, longa de estreia de Kleber Mendonça Filho e uma das novidades mais importantes do cinema brasileiro contemporâneo. E é dele também algumas das melhores definições sobre os desafios do Brasil atual, esse país meio desafinado, com ritmo frouxo “e as sílabas tônicas fora dos tempos fortes”, conforme disse à Folha de S.Paulo.

Em seu aniversário de 70, arrisquei: Caetano não é só autoridade em seu tempo, é autoridade da palavra, e ela não é datada; não envelhece. Por isso artistas como ele parecem sobreviver ao próprio tempo, e o Paul McCartney, algumas semanas mais velho, é também exemplo disso.

No livro “A Velhice”, a filósofa Simone de Beauvoir afirma que ter um projeto de vida é um possível caminho para a construção de uma “bela velhice”. A antropóloga Mirian Goldenberg usou o termo para citar, em obra homônima, exemplos de “belos velhos”: além de Caetano, cita Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Marieta Severo, Rita Lee, entre tantos, como típicos exemplos de pessoas chamadas "ageless". Sem idade, fazem parte de uma geração que não aceitará o imperativo “Seja um velho!” ou qualquer outro rótulo.

A disposição de Caetano em brigar por uma crase não a deixa mentir.

Não se trata de manter a disposição juvenil ao longo do tempo (sentir-se jovem muitas vezes é confundido com sinônimo de bem-estar ou felicidade, talvez porque a gente se esqueça das agruras e inseguranças de um mundo de possibilidades e impossibilidades da juventude).

Pelo contrário, ninguém é mais livre com menos elasticidade e equilíbrio, conforme definiu na mesma entrevista.

“Estou velho demais para isso”, costumam dizer meus amigos que passaram a linha dos 30 para justificar a escolha por uma vida acomodada. São os mesmos que se diziam jovens demais para assumir certos compromissos quando já tinham idade para (tentar não custa) mudar o mundo – em uma época mediada por condomínios, a idade ainda parece ser um grande muro de interdição entre adolescência, vida adulta e a velhice.

A dissolvência desses muros é o que parece diferenciar os pobres mortais (mortos antes de os primeiros fios de cabelo começarem a cair) de nomes como Caetano. Trata-se da capacidade de se reinventar e não se acomodar nem com o auge nem com o baque.

“O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece”, costuma cantar o aniversariante do dia.

Por falar nisso, no dia em que completou 75 anos, o perfil oficial de Caetano postava um vídeo com as fotos dos deputados que livraram o primeiro presidente da República denunciado por corrupção. A música? “Podres Poderes”, tão atual, e permanentemente atualizada, como seu próprio autor.

E você? Como imagina chegar aos 75?