Propaganda que você (não) vê

Ana Célia Biondi é CEO da JCDecaux, marca líder mundial de anúncio em metrô, relógio de rua e ponto de ônibus

Luiza Souto Da Universa
Keiny Andrade/UOL

Ao andar por algumas das maiores capitais do país, você pode não saber, mas está se informando sobre a hora, a temperatura, novos produtos do supermercado e programas na televisão por meio da economista Ana Célia Biondi. 

Ela é a diretora-geral no Brasil da JCDecaux, a empresa francesa que praticamente criou o conceito de publicidade em "mobiliário urbano". Chamada mundialmente de OOH ("out of home") essa propaganda é aquela que vemos nos relógios de rua, no metrô, em painéis de aeroportos e abrigos de ônibus, por exemplo. A JCDecaux é a líder mundial nesse mercado; está presente em 80 países -- o Brasil está entre os cinco maiores mercados para a empresa e a sede investiu 100 milhões de euros nos últimos quatro anos no país -- e sua publicidade alcança 410 milhões de pessoas todos os dias. 

Ana Célia teve uma formação profissional privilegiada. Estagiou em Paris, trabalhou num banco na Suíça e aprendeu muito com chefes do naipe dos ex-ministros Zélia Cardoso de Mello e Luiz Carlos Mendonça de Barros. Além disso, é filha de um dos maiores marqueteiros políticos do país, o publicitário Nelson Biondi (recentemente, ele trabalhou nas campanhas de Geraldo Alckmin e João Doria) que, em vários momentos de sua carreira, ajudou a filha a conseguir trabalhos, redefinir rumos profissionais e também pessoais.

Com 51 anos, Ana Célia está há cinco no cargo de diretora da empresa no país (a marca chegou por aqui há 20). Com uma fala rápida e movimentos ágeis (ela sempre foi super esportista), comanda 503 pessoas, tem filho estudante de medicina, marido também economista que, com ela, arruma a casa e faz as compras e, nesta entrevista, além de contar como se tornou chefona, revela como um ex-casamento quase acabou com sua carreira, e que montou uma academia na frente do escritório para, todo santo dia, malhar, nem que seja às seis e meia da matina. "É meu jeito de descarregar".

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Ana Célia Biondi

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Ana Célia Biondi

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Ana Célia Biondi

Keiny Andrade/UOL

Você teve uma formação profissional privilegiada. Quais foram os principais momentos dessa construção de carreira?
Quando eu tinha 17 anos, comecei a trabalhar em uma corretora de valores. O meu chefe era o Luiz Carlos Mendonça de Barros (ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES) e eu era assistente de mesa, a pessoa que lança as operações da empresa no mercado financeiro. Saí de lá para fazer um curso de business em Paris. Voltei e trabalhei na parte administrativa da agência de publicidade do meu pai. Mas eu queria crescer mais e fui trabalhar com a Zélia Cardoso de Mello (ex-ministra da Fazenda), operando projetos de administração de passivos públicos. Nessa época, o Collor a convidou para ir para o governo e eu pensei em ir junto. No entanto, meu pai fazia marketing político, conhecia o então presidente e não quis que eu trabalhasse naquele governo. Tinha 23 anos, era ingênua, e achava que meu pai estava acabando com a minha carreira, já que eu podia fazer parte do grupo que estava decidindo o futuro econômico do país. Não segui com a Zélia e arrumei um estágio não remunerado na Suíça. Queria trabalhar com números, e o país é o berço desse universo. No final, trabalhei em um banco lá por seis anos.

Como conseguiu "aparecer" profissionalmente tão jovem e num banco suíço? 
Às cinco da tarde, meu chefe batia a gaveta e ia embora. Mas eu lidava com clientes no Brasil, cujo fuso horário são cinco horas para trás. Então, eu ficava trabalhando até a uma da manhã. Comia risoto de saquinho, ia de scooter emprestada para o banco e peguei duas pneumonias. Conquistei meu lugar ao Sol trabalhando muito, e o fato de falar várias línguas ajudou bastante (Ana Célia tem mãe francesa e havia estudado nos Estados Unidos).

O banco investiu em mim. Me mandaram trabalhar ainda numa empresa de fundos de investimentos e também em mercado de bolsa. Depois de três meses me efetivaram como gerente de carteira. Estava indo muito bem até pedir para sair por causa do meu marido.
 

Um relacionamento amoroso quase a tirou de um rumo profissional ascendente? 
Sim. Conheci esse meu primeiro marido naquele estágio; era o início da década de 1990. Ele era americano, de família espanhola, lindo, inteligente, tinha uma empresa de commodities e eu achei que vivia um amor supremo. Nós nos casamos quando eu já era gerente de contas num banco de Genebra, mas ele achava que o que eu tinha era um "empreguinho". Não me deixava usar biquíni, eu não podia ir para a academia de top e se ele viajava, eu tinha que ficar em casa. E eu achava isso o máximo. Todo mundo falava que estava ficando louca, e eu respondia: "Vocês não entendem o que é o amor". Troquei o banco por curso de todo tipo de culinária que você possa imaginar. Estudei até encadernação de livro em couro. Fiz tudo que ele queria. Só não fumava na boca dele igual a uma gueixa porque não aprendi.

Como se livrou desse casamento?
Depois de um ano nessa vida, comecei a me sentir cinza por dentro e a ficar com raiva dele. Meu pai foi para lá me buscar. Parecia um resgate, com direito a cena patética no aeroporto, cada um me puxando de um lado. Achei que ia morrer.

Keiny Andrade/UOL

Como voltou para o mercado de trabalho?
Quando voltei para o Brasil, em 1997, estava muito mal com essa história da separação e achava que não ia dar conta de nada. Mas em uma semana, estava matriculada na academia e com emprego num laboratório farmacêutico, de uma família conhecida, trabalhando como gerente administrativa. Logo depois, no mesmo ano, uns amigos do meu pai me propuseram um trabalho com relógios publicitários de rua, numa empresa chamada Publicrono. Ninguém sabia no Brasil o que era o conceito de mobiliário urbano. Fui estudar o assunto e me apaixonei. Minha função na empresa era fazer um edital de licitação para conseguir cuidar das operações de todos os relógios de rua de São Paulo. Até 1999, eu precisaria instalar 370 relógios na cidade. Naquele ano, me casei novamente, tive um filho e só consegui liberar 369 relógios, hahaha. Deu tudo certo e me tornei sócia da empresa. 

Quando a JCDecaux apareceu na sua vida?
A empresa chegou em São Paulo em 2004 e se tornou parceira da Publicrono. Alguns anos depois, veio a Lei Cidade Limpa, que proibiu a propaganda em vários formatos que fazíamos. Precisamos retirar os relógios antigos e entrar em uma outra licitação para cuidar dos novos formatos de publicidade desses mobiliários.

Conversei com todos os arquitetos para desenhar um relógio para São Paulo, entre eles os irmãos Campana e o Oscar Niemeyer. Ficamos com o Ruy Ohtake e com o Carlos Bratke e ganhamos a licitação em novembro de 2011. Investimos R$ 200 milhões para implantarmos mil relógios em 14 meses. 

Depois desse sucesso, foi convidada para ser a diretora-geral da empresa no Brasil?
Sim. Depois desse contrato, a empresa investiu bastante no Brasil. Hoje estamos entre os cinco mercados mais rentáveis da empresa - que atua em 80 países. Temos operações de Norte a Sul do país, estamos nos aeroportos de Guarulhos, em São Paulo, no de Brasília e no de Natal. Temos faces (propaganda visual) em 59 estações de metrô de São Paulo e 14.400 faces em oito capitais. No mundo todo, a publicidade da empresa atinge 410 milhões de pessoas por dia.

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Quais foram os maiores erros que cometeu como chefe e o que aprendeu com eles?
Foram dois. Coloquei uma pessoa muito boa em uma posição para a qual ela não estava preparada. Não tem melhor jeito de queimar um profissional do que fazendo isso. Ele acabou saindo da empresa. O outro foi confiar demais em uma pessoa que, depois soubemos, desviava recursos. Isso aconteceu em um dos lugares que trabalhei antes da JCDecaux. Foi um tombo. Nós o demitimos e eu me senti uma corna. Pensei: "como ele fez isso comigo?".

Na sua área, qual é a vantagem de ser uma chefe mulher?
O machismo. Eu explico: Interajo muito com homens e, às vezes, rolam discussões acaloradas. Os homens costumam não ter cerimônia entre eles, mas se seguram comigo porque sou mulher. Aproveito isso e discuto de igual para igual. Se o seu machismo vai atrapalhar na sua negociação, o problema é seu.

Com quem uma mulher chefe pode contar dentro da empresa?
Normalmente, com meus diretores, independentemente de serem homens ou mulheres. Mas também sei o nome de todos os meus funcionários e quantos filhos eles têm. São essas pessoas que fazem a roda girar.

Na sua experiência, mostrar fraqueza ajuda ou atrapalha?
Depende da hora e do assunto. Recentemente, eu estava num debate com vários líderes de empresas e com a plateia cheia. Minutos antes de falar, meu filho mandou uma mensagem dizendo que tinha passado na faculdade de medicina. Comecei a chorar e contei para todo mundo. Mas numa hora de tensão, com um problema a ser revolvido, não dá para entrar em pânico nem mostrar que estou arrasada. É preciso passar confiança, ser líder. Mas se entram na minha sala para entregar um cartãozinho...aí eu também choro. 

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Você é casada, tem um filho e, pelo que soube, faz muita ginástica. Como dá conta de organizar o tempo da vida pessoal? 
A prática de um esporte é fundamental para descarregar; nem que seja para levantar às 6h30. E meu marido faz ginástica comigo. Batalho pelo equilíbrio na nossa relação.

Existe uma expectativa dele que a parte mais doméstica da coisa esteja sob a minha alçada, que a camisa esteja passada e a geladeira cheia. Então eu falo pra ele: "Lindo, não tem autoabastecimento de geladeira, né?". O Claudio, que também é economista, faz tudo em casa, vai às compras e arruma a casa, por exemplo.

É verdade que montou uma academia em frente ao escritório?
Sim. Havia um espaço em frente daqui, que queriam reservar para colocar nossa frota de carros. Eu falei: "Não". Botei barra de peso, equipamento aeróbico, colchonete, elásticos, televisão e ar-condicionado. Daqui a pouco acaba o turno da manhã, e já terá alguém na esteira correndo. Fui criada no esporte. Jogava tênis, minha irmã era campeã brasileira de hipismo, outra fazia ginástica olímpica. Era filosofia do esporte para todo mundo e mantenho esse espírito até hoje.

Keiny Andrade/UOL

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