Topo

Editora de revista do Vaticano: "Convém manter mulheres servis na Igreja"

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Da RFI

03/04/2019 18h04

Depois de se demitir no último 26 de março, junto com toda a equipe de nove redatoras, da revista mensal católica Donne Chiesa Mondo (Mulheres Igreja Mundo, em português), Lucetta Scaraffia disse que se sente caluniada.

"Acho que foi positiva a repercussão internacional da notícia nossa demissão em massa, mas então começaram os ataques a minha pessoa. Por exemplo, dois jornais diferentes publicaram no mesmo dia que eu era uma ultraconservadora que só admitia comandar e outro que eu era uma progressista que só queria revolucionar ".

Durante uma coletiva nesta quarta-feira (4), na associação dos jornalistas estrangeiros (Stampa Estera) em Roma, Lucetta Scaraffia, 70 anos, historiadora e jornalista católica feminista deu mais detalhes sobre os motivos que levaram a sua renúncia da revista. Criada há sete anos com a aprovação de Bento XVI, a publicação mensal é subordinada ao L'Osservatore Romano, o jornal oficial do Vaticano. Entre as razões dela, está o embate com o novo diretor do vespertino, Andrea Monda, um professor de religião que escrevia sobre Vaticano no jornal italiano Il Foglio.

"Ele queria comandar o que nós deveríamos escrever. Ninguém me chamou para dirigir a revista, a ideia foi do nosso grupo de mulheres. Na nossa redação, o critério prioritário era de afinidade intelectual e nunca foram impostas condições. Quando o novo diretor entrou, parecia um elefante numa loja de cristais" disse Lucetta.

Scaraffia fundou a revista há sete anos graças ao então diretor do L'Osservatore Romano, Giovanni Maria Vian. Entre os dois há uma amizade pessoal e também foram colegas por muitos anos na Universidade de Roma, onde ambos ensinaram História. Vian deixou de dirigir o jornal do Vaticano em dezembro de 2018, e foi substituído por Monda.

"Não há mais condições de continuar nossa colaboração com o L'Osservatore Romano, reiterou Scaraffia, falando da falta de apoio da nova administração. E ressaltou sem meias palavras:

"Assim voltamos à seleção das mulheres que parte do topo, à escolha dos colaboradores que garantem a obediência, e desistimos de toda possibilidade de abrir um diálogo verdadeiro, livre e corajoso, entre as mulheres que amam a Igreja em liberdade e homens que fazem parte dela. Retornamos à autorreferência clerical e renunciamos àquela audácia tantas vezes pedida pelo Papa Francisco ".

Denúncias de servilismo de religiosas

Além de artigos sobre espiritualidade e teologia, a revista publicou temas feministas, como o de religiosas exploradas e servis, muitas vezes sem remuneração. Em fevereiro passado, Scaraffia escreveu um editorial abordando os problemas das religiosas estupradas, forçadas a abortar, ou a criar sozinhas seus filhos sem reconhecimento dos pais, e também expulsas de suas comunidades. Logo após, o Papa Francisco admitiu pela primeira vez o histórico de abusos sexuais e trabalhistas de padres e bispos contra freiras.

Interpelada sobre a sua opinião a respeito do aborto, Scaraffia respondeu: "Sou contra o aborto, mas também sou contra a penalização do aborto. Existe uma grande distinção entre pecado e crime na justiça civil".

Segundo Lucetta Scaraffia, o editorial que mais chocou o Vaticano foi em março de 2018, o qual denunciava a exploração servil de religiosas cometidos por sacerdotes. "Muitas freiras, principalmente as de países mais pobres, são tratadas como de segunda classe. Elas acabam não denunciando porque são desencorajadas pelas próprias congregações. Para muitos homens dentro da Igreja, convém manter as mulheres servis e obedientes, caso contrário eles teriam que pagar uma empregada doméstica".

O futuro da revista

Mesmo depois da demissão em massa das redatoras da revista mensal, no último 1° de abril o diretor do L'Osservatore Romano optou por publicar o editorial de Lucetta Scaraffia. Conforme assegurou Monda nos últimos dias, a história desta revista ligada ao Vaticano, não será interrompida. O diretor já fez uma reunião na redação para pensar no próximo número, convocando 17 teólogas e acadêmicas; para ressaltar que a experiência do ponto de vista das mulheres na Igreja será retomada, mas com outras "vozes".

"O cheiro" é o tema do número da última revista mensal assinada por Scaraffia e suas colaboradoras mais próximas, aprofundando o tema de cinco sentidos. Lucetta Scaraffia garante que não vai sofrer com a demissão. Segundo ela, todas as redatoras da revista eram voluntarias sem remuneração.

"Eu sou professora aposentada e agora quero escrever um livro sobre a história da revolução sexual. Muitos jornais estrangeiros estão pedindo a minha colaboração, é o momento de refletir".