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Traumas em hospitais levam francesas a optar por partos domiciliares

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Imagem: iStock

da RFI

11/12/2018 10h02

Cerca de 1% dos partos sem complicações acontece a domicílio na França. Esse número não é maior porque a legislação exige a presença de uma enfermeira especializada no momento do nascimento, explica a assistente de parto e presidente da associação Doulas de France, Pascale Gendreau.

Em 2011, a dona de casa Gabryela Autret-Cioubanu, 41 anos, que vive perto de Bordeaux, no sul da França, teve seu primeiro filho. Na época, ela morava em Brest, na Bretanha, e o parto aconteceu no hospital universitário da cidade. Gabryela não imaginava o que a esperava, apesar de sua gravidez não ter nenhuma complicação.

“Foi uma má escolha. Aplicaram uma anestesia que eu não queria, uma episiotomia (corte no períneo) que eu recusei, mas me fizeram do mesmo jeito, e meu filho nasceu com a ajuda de uma espátula. Nunca me deram uma explicação”, diz Gabriela.

“Foi um choque”, diz. Quatro anos depois, ela consultou um psicólogo e descobriu, com surpresa, que tinha um stress pós-traumático provocado pelo parto.

Sete anos se passaram e Gabryela engravidou novamente. Para ela, ter o bebê em um hospital estava fora de cogitação – só se fosse “absolutamente necessário”, diz. Além disso, explica, o nascimento de seu primeiro filho também foi uma experiência difícil para seu marido, que passou mal na sala de parto.

“Para ele, depois disso, ver sua mulher sofrer novamente em um hospital não era possível”, diz. No início da gravidez, Gabryela fez o acompanhamento com seu clinico-geral. “Eu me recusava a consultar um ginecologista ou até mesmo uma sage-femme (enfermeira especializada em partos) ”, declara.

Violências ginecológicas

Um relatório divulgado em junho pelo Alto Conselho para a Igualdade entre Homens e Mulheres, órgão ligado ao governo francês, mostrou que, em muitos hospitais públicos, as parturientes são vítimas de agressões verbais, intervenções médicas sem consentimento (caso da episiotomia), e ignoradas quando sentem dor, por exemplo.

O documento, que caiu como uma bomba nas maternidades francesas, levou à publicação de 26 recomendações, entre elas a realização de uma investigação de saúde pública sobre a questão.

A solução para a dona de casa francesa foi buscar ajuda especializada. Foi assim que, no início deste ano, Gabryela obteve o contato de Pascale Gendreau, presidente da Associação Doulas de France. Ela a acompanhou durante a gravidez, deu apoio psicológico e físico, além de dicas de amamentação.

O parto, normal, foi realizado por uma enfermeira, já que na França as doulas não têm essa permissão. Decidida a ter seu bebê sem anestesia e na posição que julgasse mais confortável, ela e o marido acabaram optando pelo parto em casa.

Justine, sua filha, nasceu no dia 19 de julho. A presença de Pascale, diz, foi indispensável. “O parto foi como eu tinha imaginado e ainda bem que Pascale estava lá. Foi um verdadeiro apoio para mim e meu marido”.

Na França, logo depois do nascimento, o bebê deve ser examinado por um pediatra em até oito dias depois do parto. Foi o caso da pequena Justine, com quem Gabryela admite ter uma relação “mais próxima” por conta do parto humanizado.

Apoio às gestantes

Na França, as doulas são assistentes de parto. Não há uma estatística precisa sobre o número de mulheres que atuam na área. Na realidade, explica Pascale Gendreau, a profissão não é oficial e, ao longo do tempo, coube às associações a criação de uma regulamentação, que se inspira do código penal e de saúde pública francês.

Como não há necessidade de uma formação médica, quem exerce a atividade não pode praticar gestos no corpo da paciente – como cortar cordão umbilical ou ajudar a mãe a “expulsar” o bebê, por exemplo.

“Nós fazemos o acompanhamento físico e emocional durante a gravidez, o parto e em pós-natal “, explica Pascale, que ajuda a trazer bebês ao mundo há mais de 20 anos.

A doula só pode acompanhar o parto se estiverem presentes um médico ou uma enfermeira especializada – as chamadas sage-femmes, que têm um diploma de ensino superior de 5 anos de estudo. A mesma regra vale para o parto em casa.

Cerca de 1% das mulheres na França optam por ter seu bebê em casa. Esse número, estável há vários anos, tende a diminuir, ressalta a doula, porque as enfermeiras têm dificuldade em obter um seguro que arque com os custos de um eventual incidente.

“Cada vez um número menor delas propõe acompanhar os casais em um projeto de parto a domicílio”, lamenta.

Segundo Pascale, várias famílias gostariam de viver a experiência, mas há menos profissionais da saúde disponíveis. A desconfiança em relação aos hospitais é fruto das denúncias de violência ginecológica e obstétricas ocorridas em estabelecimentos franceses – principalmente em cidades menores. Foi essa percepção do parto “mal vivido”, aliás, que levou Pascale, a investir na profissão.

“Constatei o impacto negativo que o nascimento poderia ter no início da amamentação. Para mim, tinha todo o sentido estar presente e ajudar a prevenir os problemas que poderiam surgir após o nascimento e no estabelecimento da relação entre o bebê e mãe”, diz Pascale, que antes trabalhava em uma clínica de radiologia e se interessou pela atividade depois de virar mãe.

Sua atuação se organiza em função do projeto dos pais, seja no hospital ou em casa, para melhorar o conforto emocional e físico para a mãe antes, durante e depois do trabalho de parto.

Seu trabalho inclui massagens, posições e outras técnicas que ajudam a gerenciar a dor e a ansiedade em cada fase. O acompanhamento começa em geral aos cinco ou seis meses de gravidez e pode se estender até o terceiro ou quarto mês depois da chegada da criança.

O trabalho exige tempo e flexibilidade, o que faz com que Pascale possa atender no máximo 10 pacientes por ano.

“Ser doula exige muita disponibilidade. Temos que estar prontas para vir acompanhar um trabalho de parto na hora que os pais nos telefonam”. Mas o esforço compensa quando a doula presencia o primeiro contato de um bebê com sua mãe.