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"Entregar o corpo para um policial é comum", diz norte-coreana sobre abusos

Turistas observam a Coreia do Norte desde o observatório de Dora, na Coreia do Sul - Josh Berglund/creativecommons.org/licenses/by/2.0/deed.en
Turistas observam a Coreia do Norte desde o observatório de Dora, na Coreia do Sul Imagem: Josh Berglund/creativecommons.org/licenses/by/2.0/deed.en

Frédéric Ojardias

Correspondente da RFI em Seul

01/11/2018 09h54

As mulheres norte-coreanas são vítimas de estupro e abuso sexual cometidos por oficiais que abusam de sua autoridade. Esta é a conclusão de um relatório divulgado nesta quinta-feira (31) pela ONG Human Rights Watch, que entrevistou 54 refugiadas norte-coreanas.

Segundo a ONG, as violências são tão comuns na Coreia do Norte que são vistas como inevitáveis. O medo das represálias políticas e a ausência de dispositivos legais para proteger as mulheres as tornam mais vulneráveis. De acordo com a Human Rigths Watch, policiais e autoridades do Estado aproveitam a situação para cometer abusos, como descreve o correspondente da RFI em Seul, Frédéric Ojardias, que teve acesso ao depoimento de duas vítimas: uma refugiada e uma prisioneira.

"Quando o oficial me estuprou, ele apenas tirou minha calça, sem dizer uma palavra. Eu não tinha para onde fugir. Pensei: 'o que pode acontecer comigo se eu recusar'. Então cedi. Fui libertada no dia seguinte. O próprio homem que me violentou preencheu os documentos necessários para minha libertação. Pensei que, para poder deixar a prisão e cuidar do meu filho, era preciso dar meu corpo em troca", descreve Yoon Soo-ryun, entrevistada pela organização.

Park Sol-dan, outra norte-coreana entrevistada pela organização fala sobre o cotidiano difícil das mulheres no país. "Quando os oficiais estão patrulhando nas ruas, se eles veem uma bela mulher, inventam um problema. Mesmo se ela tem sua identidade em ordem, sua permissão para viajar e todos os documentos necessários, eles dizem: 'Ah, tem algo errado'. Entregar seu corpo para um policial é tão comum e não há nada que se possa fazer", declara.

Com a grave crise econômica que atinge a Coreia do Norte, alvo de diversas sanções dos países ocidentais em razão de seu controverso programa nuclear, os lares são sustentados na maior parte do tempo pelas mulheres, que trabalham no mercado negro. Os homens, na maioria das vezes funcionários com baixos salários, têm menos liberdade de movimento. Isso expõe as norte-coreanas a todo tipo de risco, ressalta o documento.

Uma vendedora de tecidos conta ter sido tratado como um "objeto sexual". Segundo ela, "quando tinham vontade, os policiais me pediam para acompanhá-los e eu era abusada", diz. "É tão frequente que já se tornou banal. Quase nem percebemos mais nosso sofrimento", afirma. "Mas somos humanas. Então às vezes, no meio da noite, choramos e não sabemos bem o porquê."

Problema pode ser resolvido, diz ONG

"Não há nenhuma razão para tolerar esses estupros que continuam ocorrendo. É inaceitável e é evidente que o problema pode ser resolvido, e esperamos que nossos interlocutores da Coreia do Norte insistam para mudar essa situação", disse Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch. A questão dos direitos humanos é colocada em segundo plano nas discussões com o país. Os Estados Unidos evitam o tema durante as reuniões sobre o desarmamento nuclear para não irritar Pyongyang.