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Lei que pune clientes aumenta violências contra prostitutas na França

Lei colocou mulheres na clandestinidade - iStock
Lei colocou mulheres na clandestinidade Imagem: iStock

Da RFI

30/08/2018 16h09

O assassinato da transexual Vanesa Campos no último 16 de agosto causou forte comoção na França.

Juan Florian, um dos porta-vozes do Sindicato do Trabalho Sexual da França (Strass), não tem dúvidas: para ele, a lei adotada em abril de 2016 na França é a principal responsável pelo assassinato de Vanesa Campos, de 36 anos. O texto prevê uma multa de € 1,5 mil para os clientes de prostituição, e € 3.750 para infratores reincidentes.

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“Somos obrigados a trabalhar na clandestinidade, nos isolarmos, procurar espaços escondidos para realizarmos nosso trabalho porque os clientes têm medo de serem pegos pela polícia. Isso nos deixa à mercê de grupos que se formam com o objetivo de nos roubar e nos agredir. Foi o que aconteceu com Vanesa Campos”, diz Florian à "RFI".

Segundo Florian, percebendo a vulnerabilidade das garotas e garotos de programa com a nova lei, quadrilhas passaram a se formar com o objetivo de saquear e violentar os profissionais do sexo. Para facilitar a organização dos roubos, muitos ainda se fazem passar por falsos clientes.

Ao contrário do que veiculou uma parte da mídia francesa, Florian salienta que Vanesa Santos não foi assassinada pelo cliente com quem estava, mas porque tentou protegê-lo de um roubo. Ela chegou a gritar por socorro, mas, em uma região extremamente isolada do bosque de Boulogne, não foi ouvida a tempo.

Alertada pelas colegas da peruana, a polícia chegou a encontrar Vanesa Santos com vida, mas ela não resistiu ao tiro que recebeu na região do tórax. Oito suspeitos foram detidos e cinco foram indiciados por “assassinato em grupo organizado” e “roubo em grupo com violência”.

Precarização e insegurança

O aumento da violência contra a categoria é o assunto de um relatório publicado no aniversário de dois anos da lei, em abril deste ano, por pesquisadores da Sciences-Po de Paris e da Kingston University em Londres, coordenado pela ONG Médicos do Mundo, e com o apoio de uma dezena de associações de ajuda e proteção dos profissionais do sexo, como a Strass.

O documento mostra que, apesar de a lei tentar reprimir a prostituição, garotas e garotos de programa continuaram a exercer atividades, mas em condições muito mais precárias e inseguras.

“Com a nova lei, o cliente tem poder de negociação, não apenas no preço, mas do tipo de relação escolhido e do uso do preservativo, que muitos se recusam”, aponta Florian. Para os autores do estudo, essa degradação resulta em um problema de saúde social “extremamente preocupante”.

Outro problema é que a lei considera as garotas e garotos de programa como vítimas da prostituição, o que não corresponde à realidade da maioria dos profissionais do sexo, segundo o porta-voz da Strass. “O texto propõe um programa para deixar a atividade – e até há pessoas que querem fazê-lo – mas esse não é o caso da maioria de nós. O que queremos não é o fim da nossa profissão, mas direitos para trabalhar em segurança”, reitera.

Para Kouka García, porta-voz da associação Pari-T, de ajuda e proteção aos transgêneros, a lei da penalização dos clientes é absurda. “Se querem prender quem explora os trabalhadores do sexo, já há uma lei, a do proxenetismo. Que apliquem essa lei e deixem as pessoas tranquilas”, diz.

Vítimas do Estado

Florian também critica a demora das autoridades para se pronunciarem sobre a morte de Vanesa Santos. A secretária do Estado encarregada da Igualdade entre Mulheres e Homens, Marlène Schiappa, demorou uma semana para expressar “sinceras condolências” aos parentes da peruana.

Da parte da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, só houve silêncio, nota o porta-voz da Strass. Segundo ele, isso demonstra o desdém da sociedade pelos profissionais do sexo.

“A impressão que temos é que o assassinato de uma prostituta – e no caso de Vanesa, uma prostituta transexual e imigrante – não muda nada para ninguém, para a população, para os políticos, para o governo. Por isso é que digo que não somos vítimas da prostituição. Somos vítimas é do próprio Estado”, finaliza.

Vanesa Santos morava há dois anos na França, para onde veio buscar uma vida melhor para ajudar a família no Peru, segundo a compatriota Sandra, também garota de programa. Elas dividiam um pequeno apartamento em Asnières-sur-Seine, na região parisiense. Segundo as autoridades francesas, o corpo da transexual será repatriado nos próximos dias.

Na última sexta-feira (24), uma marcha em homenagem à Vanesa Santos foi realizada na capital francesa, convocada por ONGs de luta contra a transfobia. “Estamos com medo, considerando que todos os dias um transexual é assassinado no mundo. Mas queremos justiça e vamos continuar lutando”, conclui Kouka García.