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Atriz pornô feminista não se deixa agredir em cena: "Levo arte aos filmes"

A atriz pornô Giovana Bombom é indicada ao "Prêmio Sexy Hot" em três categorias: "Melhor cena de orgia/gang bang"; "Melhor cena homo feminina" e "Melhor atriz homo feminina"  - Reprodução/Instagram
A atriz pornô Giovana Bombom é indicada ao "Prêmio Sexy Hot" em três categorias: 'Melhor cena de orgia/gang bang'; 'Melhor cena homo feminina' e 'Melhor atriz homo feminina' Imagem: Reprodução/Instagram

Marcos Candido

Da Universa

22/07/2019 04h00

A atriz de filmes adultos Giovana Bombom, 28, é indicada em três categorias na edição de 2019 do "Prêmio Sexy Hot". A aparência dela destoa em meio às candidatas do "Oscar do pornô brasileiro". É negra e usa cabelo black power.

Ela também integra um movimento entre atrizes do ramo: é feminista e busca um olhar mais sensível e realista para a pornografia. Ela conta sua trajetória de vida e no cinema adulto:


"Foi no pornô que descobri o feminismo. Meu cabelo foi muito impactante. Eram muitas piadas. No pornô, até então as mulheres eram muito 'montadas'. Queriam me diminuir de qualquer jeito ao falar do cabelo. Eu usei isso a meu favor. Eu estava no caminho certo.

Colocaram fotos minhas em um grupo só de produtores, onde falaram que meu cabelo era muito diferente. Insisti, gravei com uma produtora e no ano seguinte tinha sido indicada ao Prêmio Sexy Hot, pela melhor cena de orgia.

As mesmas produtoras que me esnobaram, depois me procuraram. Eu respondi: meu cabelo ainda é crespo e não vou mudar para trabalhar com vocês. Eles me disseram que iriam aceitar, mas eu disse que não queria.

Giovana escolhe as produtoras que trabalha; agora encabeça as próprias produções - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Giovana escolhe as produtoras que trabalha; agora encabeça as próprias produções
Imagem: Reprodução/Instagram

Agora, sou atriz há três anos e sete meses. Antes do pornô, eu trabalhei como stripper em Minas Gerais. Foi lá que peguei o contato de uma atriz, que foi fazer show na casa noturna onde eu trabalhava. Meu primeiro filme foi com a [produtora de filmes adultos] Brad Montana. São bem poucas as negras crespas, e acho que não temos atrizes assim no Brasil.

Nasci no Amazonas, mas meu pai é baiano. Fui criada na Bahia e em São Luís, no Maranhão. Quando comecei no pornô, queria uma grana para voltar ao Nordeste, mas acabei gostando e querendo produzir mais conteúdos.

Ao mesmo tempo, notei que as atrizes não eram muito bem tratadas. Agora, melhorou muito. A produção tem um tratamento melhor, alimentação boa e preocupação com as atrizes.

Penso muito nos meus espectadores. Temos que receber o cachê, claro, mas há uma série de coisas, um conjunto, além do dinheiro. No pornô, há espaço para falar o que machuca.

Me impus que eu tinha que ser ouvida, sim. Não sou qualquer uma. Não sou carne. Mesmo que me dessem uma cena em que eu fosse carne, eu ainda não seria. Meu empoderamento é muito forte. Meu gênio também, minha visão é muito diferente.

Acho que temos que usar cada espaço que temos para falar. A gente não pode se submeter só a cachê ou a diretor. O cachê acaba, mas seu filme e imagem ficam ali. No pornô, você vende inspirações e sonhos. Você não pode deixar o homem hétero dominar uma cena de casal.

Têm produtoras com as quais eu não trabalho mesmo, porque é bem 'hard' e não posso. Essas produções são feitas por homens, o que é mais difícil para mim. Nas cenas em que atuo, eu controlo mais a ação: não deixo bater na minha bunda até ficar vermelha, segurar meu pescoço ou meu 'black power'. Não permito, não aceito.

Antes de gravar, os produtores perguntam se eu quero gravar com certo ator, ou se tenho algum problema com algum em específico. Se eu tiver, digo que o filme vai ficar péssimo. Meu semblante muda automaticamente.

No começo, foi difícil domesticá-los, por causa desses anos anos todos de experiência deles. Os mais antigos têm mais dificuldade de aceitar pensamentos novos.

Os atores, para gravar comigo, já estão preocupados. Não deixo eles fazerem o que quiserem comigo, entendeu? Eles têm certo cuidado. O motivo é que a sociedade criou um pornô muito violento.

Um pornô violento, feito para homens héteros, em que só se 'soca', machuca e bate na mulher

Os homens acham que todas as mulheres são assim. Não, não são todas assim.

É por essa violência que feministas tendem a não gostar de pornô. Nos filmes, as mulheres são submissas ao homem. Quando uma feminista assiste a um filme pornô assim não recebe nenhum estímulo.

Fui criada pelo meu pai. Creio que tenho sido feminista por causa dele, que faleceu e foi o homem mais maravilhoso que eu já conheci na vida em relação ao tratamento de mulheres. Ele me ensinou tudo.

O sexo nunca foi tabu para mim. Sempre soube que, no meio das minhas pernas, tinha alguma coisa que me fazia cócegas. Eu não sabia que era um clitóris. Meu pai me falava com cuidado sobre sexo, mas me falava.

A vida também ensina. Antes do pornô, nenhuma carreira me satisfazia. Eu queria me encontrar, buscar o que estava faltando em mim. Já fui dançarina, garçonete, vigia de carros, babá, cozinheira.

Já fiz várias coisas, mas o que gosto de fazer é o que faço agora. Me preocupo muito com as pessoas que estão assistindo. Hoje, tenho 28 anos e já viajei o Brasil todo, para fora do país...

Comecei a produzir filmes no ano passado, quando conheci um cineasta, que agora é amigo meu. A gente começou a conversar. Ele já fez vários filmes e é muito maravilhoso.

Levei o pornô para a arte e a arte para o pornô

A gente decidiu fazer um filme com isso tudo. A ideia não é fazer um filme qualquer, mas que você tenha curiosidade de assistir até o final.

Por isso faço cinema também. Ainda não me formei, mas já fiz um filme e ele vai passar pela primeira vez no cinema. Vai ser exibido no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul - Brasil, África e Caribe, no próximo mês.

O filme é um pornô, entendeu? Com arte, dança. Valorizando o corpo negro, o corpo feminino e o empoderamento das mulheres. A ideia é valorizar a mulher brasileira não só como um fetiche, ou como carne, só para transar. Valorizar o corpo da mulher brasileira: a branca, a preta.

Givoana é atriz há mais de três anos, mas sofreu racismo devido ao cabelo no início da carreira - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Givoana é atriz há mais de três anos, mas sofreu racismo devido ao cabelo no início da carreira
Imagem: Reprodução/Instagram

Recebo mensagens de mulheres que têm dúvidas, trocam informações e falam do próprio corpo. Muitas mulheres têm vergonha de fazer sexo com o cara. Dou as informações com maior cuidado, e não seguindo aquelas dicas clássicas como 'para se dar bem com o homem tem que fazer sexo anal'. Não é assim. Para dar certo, os dois têm que estar bem entre si.

Meu trabalho é mostrar a realidade, apresentar ao mundo o diferencial do pornô e que há uma alienação em relação ao conteúdo deles. Sexo é uma coisa que todo mundo faz e ainda há tabu para se falar em certos momentos.

Por isso, fico feliz de ser uma das únicas negras indicadas, a única com cabelo black power, no Prêmio Sexy Hot! A produção do evento ainda me intitulou como a primeira atriz com afro hair, né? Aí foi mais legal, um incentivo para mim."