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Sharenting: compartilhar a vida do seu filho nas redes sociais é legal?

Tatiane Ribeiro e o filho, Eduardo; ela abandonou os posts de beleza quando virou mãe e passou a falar do dia a dia do bebê - Reprodução/Instagram
Tatiane Ribeiro e o filho, Eduardo; ela abandonou os posts de beleza quando virou mãe e passou a falar do dia a dia do bebê Imagem: Reprodução/Instagram

Manuela Aquino

Colaboração para Universa

16/07/2019 04h00

Você sempre compartilhou fotos suas nas redes sociais. Até aí, ok, todo o mundo faz isso. Aí vem a gravidez, e você continua dividindo seus momentos na internet. Seu filho nasce e, claro, o passo seguinte é ele aparecer nas fotos com você. Com você, sozinho, no parque, no banho, na piscina, comendo a primeira fruta.

Seu rebento acaba virando uma estrela das redes (fazendo dinheiro ou não), pois ganha muitos likes (quem resiste a uma coisinha tão fofa?) e você continua postando e postando. Isso tem um nome em inglês: sharenting, a junção das palavras "share", que significa compartilhar, com "parenting", que quer dizer paternidade.

"A sociedade mudou, e o que está em jogo agora é a performance, não quem somos efetivamente. O valor está no olhar do outro", diz Laura Granado, professora de psicologia da Universidade São Judas, de São Paulo.

A criança não foi consultada

Usar as redes sociais é legal, dividir conquistas e até perrengues com seus amigos e seguidores pode ser divertido e frutífero. Mas há de se concordar que a criança não foi consultada sobre o fato de ser exposta. Pode ser que simplesmente não goste de aparecer ou que ache horrível aquele clique que a mãe postou.

"Uma foto pode virar motivo de bullying na escola, por exemplo. Do ponto de vista simbólico, a criança vai crescer em um ambiente em que não há diferença entre o público e o privado, caso haja muita exposição", fala Laura.

Com os posts sequenciais, inevitavelmente, segundo a especialista, vem o desejo de ter a aprovação dos outros e, de preferência, de maneira imediata, por meio dos likes.

Como dosar

Crianças no Facebook e no Instagram parece um caminho sem volta. Vai ser difícil os pais deixarem de postar fotos dos filhos, pois, naturalmente, querem dividir com amigos, seguidores ou familiares que estão longe o que acontece na vida deles. Então, como fazer isso de maneira saudável?

Talvez não seja preciso postar tudo, toda hora e fazer stories da rotina da criança diariamente. "Primeiro pense se o seu filho teria vergonha da foto daqui a dez anos. Há pais que colocam imagens de crianças vomitando ou chorando, o que não é agradável e pode viralizar. Nessas situações, as crianças normalmente precisam de amor, atenção e conversa", explica Gabi Sayago, terapeuta em desenvolvimento pessoal.

Segundo ela, no caso de já ter filhos maiores, converse com eles e peça ajuda na hora de escolher as fotos que vai postar. Faça com que eles participem do processo.

Com relação à segurança, as especialistas recomendam não postar fotos das crianças nuas, para não correr risco de que elas possam ser usadas em pornografia, assim como evitar dar localização, dados da rotina e mesmo deixar aparecer o uniforme da escola.

"Quanto mais eu tenho educação digital, menos eu posto. Quando quero compartilhar fotos dos meus filhos sempre pergunto se posso e, em geral, eles dizem que não. Eles detestam exposição, gostam de privacidade", diz Ana Claudia Pompeu Torezan Andreucci, advogada e membro da Comissão da Infância e Juventude da OAB São Paulo.

Existe lei para isso?

Não há legislação específica a respeito, mas existem disposições que se aplicam a esse caso. O artigo 17 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) garante o direito à privacidade, à imagem e à autonomia. Já o artigo artigo 227 da Constituição Federal diz que a família, a sociedade e o Estado são responsáveis pela proteção de crianças e adolescentes.

"Esse é um problema do mundo novo, já que redes sociais não existiam há 30 anos, época de edição da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente", diz Ana Claudia, que defende políticas públicas de educação voltadas ao tema.

Compartilho e daí?

"Meu perfil do Instagram sempre foi sobre beleza. Quando engravidei, passei a falar mais sobre gestação e, depois, sobre maternidade. Foi algo natural, esse se tornou o assunto", conta a influenciadora Tatiane Ribeiro, 25 anos.

"Para mim, agora, é mais fácil falar sobre a reforma do quarto, ou sobre a primeira visita ao pediatra, pois não tenho mais tempo de ficar testando produtos ou usar uma máscara facial por 20 minutos", completa ela.

Tatiane diz que, no entanto, evita expor o filho, Eduardo, em excesso e que não posta fotos dele sem fralda. "Quando ele for maior e entender, vou ter que conversar. Se não gostar, terei que voltar a falar mais de beleza, tudo bem."

Já a administradora de empresas Andrea Patricia Dias, 43 anos, criou um perfil para mostrar o dia a dia de seus quadrigêmeos, Bernardo, Joaquim, Maria Luisa e Maria Augusta.

Os quadrigêmeos de Andrea Patricia Dias, que criou o perfil  para compartilhar a experiência com outras mulheres - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Os quadrigêmeos de Andrea Patricia Dias, que criou o perfil para compartilhar a experiência com outras mulheres
Imagem: Reprodução/Instagram

"Fiz a conta no Instagram para compartilhar a experiência com outras mulheres que queriam engravidar também. Quando eles nasceram, continuei postando a vida deles, continuei contando a nossa história. Hoje tenho 44 mil seguidores e sei que a grande maioria tem um carinho grande por eles", afirma.

Segundo ela, se quando eles crescerem disserem que não querem mais aparecer nas redes sociais, tudo bem. "Por enquanto, o direito de postar ou não é meu. Não vejo nenhum mal, me dá prazer e sirvo como inspiração."

A modelo Rubia Colber, 27 anos, também criou um perfil especial para a filha, Zara. "Para mim, foi como montar um álbum em que eu teria a linha do tempo de cada mês dela. O perfil é aberto, mas há poucos seguidores, menos de 60. Para mim é natural, pois sempre trabalhei com isso", diz ela que planeja fazer um book [álbum com fotos que modelos possuem] para a criança e procurar uma agência.

"A ideia é ganhar dinheiro e colocar em uma poupança para ela. Ela ama fotos, sorri e aponta para a câmera. Nunca vi um bebê assim."