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Frigidez: por que esse termo (ainda bem!) entrou em desuso

O termo frigidez foi aposentado pois não aborda de forma correta os diversos distúrbios de que a mulher pode sofrer - Getty Images/iStockphoto
O termo frigidez foi aposentado pois não aborda de forma correta os diversos distúrbios de que a mulher pode sofrer Imagem: Getty Images/iStockphoto

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

18/06/2019 04h00

No início do século 20, a indisponibilidade feminina para fazer sexo com o marido era denominada frigidez. Não importava o motivo: dor de cabeça, falta de vontade, medo e, o mais comum, ausência de amor e desejo por um parceiro de vida frequentemente escolhido pelos pais. Qualquer que fosse a razão para uma mulher não se mostrar muito animada na cama, a palavra assinalava a sentença: tratava-se de uma inútil, uma fria, uma pedra de gelo.

"A maioria não recebia estimulação adequada ou tinha problemas de relacionamento com o cônjuge. Numa época machista, muitas vezes o problema era resolvido com o homem se envolvendo com outras mulheres em um relacionamento extraconjugal ou indo a prostíbulos. Ou, em casos mais graves, com violência física, psicológica e sexual contra a parceira", afirma o psiquiatra, terapeuta sexual e cognitivo-comportamental Eduardo Aliende Perin.

Nos anos 1940 e 1950, senhoras frígidas eram personagens recorrentes nos romances e espetáculos permeados por críticas à moral e aos bons costumes do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980). Na década de 1980, numa canção da banda Blitz, Betty Frígida não conseguia relaxar na cama e justificava para o parceiro, Roni Rústico: "Não foi sua a minha culpa".

Como a frigidez raramente é um problema atribuído aos homens, não é difícil concluir que a questão sempre foi permeada por altas doses de machismo e preconceito. "O termo masculino nunca foi utilizado para falar de qualidades sexuais. Ou seja, sua criação teve uma finalidade moral, não científica ou profissional", comenta Oswaldo Martins Rodrigues Jr., terapeuta sexual, diretor do Inpasex (Instituto Paulista de Sexualidade) e autor do livro "Parafilias - Das Perversões às Variações Sexuais" (Zagodoni Editora).

"Na verdade, sempre foi uma forma de destratar a mulher, pois não havia uma proposta de cuidar ou auxiliar, mas de culpabilizar. Inclusive, durante um bom tempo, foi um termo usado para xingar socialmente as mulheres, desclassificando-as da condição de biologicamente aptas", completa.

Felizmente, o termo caiu em desuso em meados dos anos 1990, embora algumas pessoas insistam erroneamente em adotá-lo. Hoje, os especialistas se referem ao distúrbio como uma disfunção sexual chamada anafrodisia ou transtorno da excitação/do desejo. "A palavra frigidez ficou mais associada às mulheres pelo fato de que a sociedade nos impõe uma ideia estereotipada de que o homem deve ser sempre um ser hiperdesejoso que não sofre nunca com a falta de apetite sexual. Mas isso caiu por terra à medida que os médicos passaram a entender essa disfunção como uma dinâmica psicológica, e não biológica", diz a psicanalista Andréa Ladislau.

E essa disfunção pode, inclusive, também afetar os homens. "Uma vez que eles tendem a não falar sobre suas dificuldades sexuais e suas limitações, atribuir o problema à mulher é muito comum diante de uma leitura patriarcal, que enaltece o poder masculino em detrimento da vulnerabilidade e da impossibilidade feminina. Principalmente quando a questão é a prática sexual. Ainda bem que esse cenário machista está mudando e muitos homens começam a aceitar suas limitações e a buscar ajuda e orientação", diz Breno Rosostolato, psicólogo, educador sexual e cofundador do projeto de imersão para casais LovePlan.

Diferenças entre anafrodisia, anorgasmia e vaginismo

Anafrodisia, anorgasmia e vaginismo são termos e distúrbios bem distintos. Enquanto a primeira disfunção significa a ausência do desejo sexual, a anorgasmia é a incapacidade de conseguir atingir o orgasmo. Já o vaginismo é um espasmo descontrolado e involuntário dos músculos da vagina, que se fecha e provoca dor e desconforto na transa.

"Há impedimento da penetração, mas não do orgasmo", fala Oswaldo. "A excitação sexual feminina resulta no aumento do fluxo sanguíneo da vagina, gerando a produção de um lubrificante natural. No entanto, em casos de anafrodisia, a lubrificação se torna insuficiente ou, em muitos casos, ela nem acontece, o que pode produzir muito incômodo no sexo", completa a psicanalista Andréa Ladislau.

A anafrodisia nada mais é do que a negação da sexualidade no seu sentido mais amplo e erótico. É possível até dizer que é um estado de falta de interesse e de incapacidade geral da busca pelo prazer, conforme Andréa. A pessoa tem um curto-circuito não apenas na sua relação com o sexo, mas em vários outros aspectos da vida.

Segundo Eduardo, o termo frigidez também deixou de ser usado porque não deixava claro se a mulher não tinha libido, não se excitava ou não lubrificava durante o ato sexual, ou porque não atingia orgasmos. O termo era, portanto, erroneamente utilizado para as três situações.

Para diagnosticar um distúrbio, ele deve se prolongar por um período de pelo menos seis meses em que a mulher tem redução ou ausência de pelo menos três dos seguintes sintomas: interesse em sexo, fantasias e pensamentos eróticos, iniciativa para iniciar o sexo, excitação (lubrificação vaginal) durante a transa, interesse ou excitação em resposta a estímulos internos ou externos (escritos, verbais ou visuais) e sensações genitais ou não genitais durante a transa.

"É importante salientar que esses sintomas só caracterizam um transtorno se houver sofrimento e/ou prejuízo na relação com o parceiro. Se a mulher não tem desejo ou excitação sexual e não sente falta disso, ela é considerada apenas assexual, o que é uma orientação sexual", informa Perin, que destaca ainda que a mulher não deve receber o diagnóstico apenas porque sente menos desejo do que o par.

Os três distúrbios podem ser primários, quando começam no início da vida sexual e perduram até a busca por tratamento; secundários, quando a pessoa passa a ter dificuldade em determinada idade; situacional, quando ocorre apenas em determinadas situações, ambientes ou com determinados parceiros; e generalizado, quando ocorre em qualquer situação e com qualquer par.

Formas de tratamento

De modo geral, os distúrbios sexuais são tratados com terapias medicamentosas e não medicamentosas. Quando está associado a alguma disfunção hormonal, tratamentos à base de estrogênio e andrógenos podem ajudar a melhorar o tônus e a aumentar o fluxo sanguíneo da região, além de propiciar maior lubrificação.

De acordo com Perin, estudos recentes têm demonstrado, embora com dados ainda contraditórios, o uso de medicamentos para ereção (sildenafila, tadalafila, e outros) para o tratamento do transtorno. "Embora essas medicações possam eventualmente dar uma ajudinha, fica bastante claro que a terapia sexual é o principal tratamento", pontua.

A grande maioria dos casos se deve a fatores emocionais. Conflitos com o parceiro, problemas de autoimagem (como se achar pouco atraente), questões culturais e religiosas muito rígidas quanto à sexualidade, problemas profissionais ou financeiros, bloqueios em se sentir à vontade na cama, entre outros fatores, devem ser abordados.

Fato é que existem outros aspectos por trás da anafrodisia. "O constrangimento em falar sobre o assunto, a resistência de reconhecer e aceitar uma situação de dificuldade, a exigência social e os equívocos em cumprir papéis e performances sociais. Esses fatores estão diretamente relacionados a distúrbios sexuais e a conflitos vividos por homens e mulheres. A solução ideal é falar e refletir sobre sexo e a sexualidade com abertura e sem preconceitos", sentencia Rosostolato.