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Mulheres choram as mortes em Manaus. "Meu filho tinha saudade da cama dele"

Priscila perdeu seu irmão mais novo em mais um massacre que culminou na morte de 55 presos - Macarena Mairata/UOL
Priscila perdeu seu irmão mais novo em mais um massacre que culminou na morte de 55 presos Imagem: Macarena Mairata/UOL

Macarena Mairata e Fábio Oliveira

Colaboração para Universa

31/05/2019 04h00

"Bandido bom não é bandido morto". A frase, dita pela assistente social Priscila Paiva, 32, sai com uma voz embargada. Priscila perdeu o irmão mais novo no massacre de 55 presos de presídios de Manaus, ocorrido entre domingo (26) e segunda (27). Amparada pela sogra, Priscila diz que no último dia 21, seu irmão Thiago Paiva Amâncio, 30, morto no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) havia recebido o alvará de soltura.

Priscila aguardava a liberação do corpo de Thiago segurando a carteira de trabalho dele, em que constam informações sobre seu antigo local de trabalho e sua função, a de ajudante de depósito. O rapaz, preso por roubo, e que já havia cumprido dez anos dos 20 de condenação no IPAT (Instituto Penal Antônio Trindade) "estava aguardando pela liberdade", diz ela.

"É um descaso. Meu irmão estava trabalhando e já estava com alvará de soltura. Tiraram ele da ala onde ficam os presos que cumprem pena em regime semiaberto e puseram numa outra, onde ele morreu'' conta Priscila.

"Meu irmão errou, mas estava pagando. A sociedade diz "bandido bom é bandido morto" quando não tem um parente preso. Quando você tem, a visão é diferente. Bandido bom é bandido ressocializado, porque ele não volta a ser bandido e já é reinserido na sociedade", afirma Priscila.

"Meu marido era de Jesus"

"Ele estava preso, mas não era de facção nenhuma", diz Márcia Francisca Inacio, 36, companheira de Ivonei Basilio de Souza, 29, que também foi morto na segunda-feira. A causa da morte de Souza foi asfixia. Os presos estavam nas celas, trancados. Outros detentos os asfixiaram com mata-leões ou enforcaram com lençóis. O companheiro de Marcia estava encarcerado desde outubro de 2018 pelo crime de roubo.

"Só quero que ele agora descanse em paz e que a justiça seja feita; a de Deus, nunca falha. Fizeram isso com ele, mas meu marido era de Jesus. Armaram para ele", diz Márcia, ainda muito nervosa.

Os crimes se iniciaram no domingo, no momento em que as visitas ainda estavam dentro dos presídios. O Sistema de Segurança Pública do Amazonas investiga se as mortes foram ordenadas por causa de um racha entre facções.

"Mãe, furaram o Ivanilson"

maria moraes - Macarena Mairata/UOL - Macarena Mairata/UOL
Imagem: Macarena Mairata/UOL

Maria Moraes Calheiro, 58, moradora de Itapeaçu (município localizado a 213 km de Manaus) é mãe de oito filhos, entre eles, Ivanilson Calheiro Amorim, 28, preso por tráfico e morto na segunda, no Instituto Penal Antônio Trindade (IPAT).

Maria conta que por volta das 17h, viu uma das filhas fazendo uma ligação e falando baixo, quase sussurrando. Insistiu em querer saber o que estava acontecendo e a menina contou: "mãe, furaram o Ivanilson. Ele está bem mal", conta Maria.

A família achava que encontraria o rapaz no hospital, mas ao chegar em Manaus, na terça-feira, soube que ele havia morrido.

O reconhecimento do corpo no Instituto Médico Legal (IML) de Manaus foi feito por uma das filhas. Maria não conseguiu.

"Quando era criança, dizia que queria ser alguém importante para me ajudar", conta Maria. Mas na adolescência, o filho mudou por causa "das más amizades".

"Filho não escuta o conselho da mãe, né? E eu aconselhei muito, muito. Falei pra ele que não gostava de algumas amizades. Quando eu falava, ele ficava chateado. Eu disse pra ele sair dessa vida, que só existiam dois caminhos: ou tu ir preso, ou tu morrer, te matarem". O filho morreu por estrangulamento e com uma perfuração no pescoço.

"Meu filho sentia saudade da cama dele, do chuveiro e de comer x-salada"

claudia - Macarena Mairata/UOL - Macarena Mairata/UOL
Imagem: Macarena Mairata/UOL

Cláudia Bastos, 39, auxiliar de cozinha, era mãe de um casal de filhos. Um deles, André dos Santos, 21, foi morto por enforcamento no Instituto Penal Antônio Trindade (IPAT). Preso por tráfico de drogas, ele cumpria pena havia dois anos. Quando era criança, queria ser advogado, diz a mãe.

"Meu filho só queria sair de lá. Ele tinha saudade de dormir na cama dele, de tomar banho de chuveiro, de pizza e x-salada. Meu filho nunca matou ninguém. Errou, mas estava pagando seu erro. Não merecia morrer dessa forma", conta Cláudia, com os olhos marejados.

Entre cigarros e café, ela chora e diz que não tem apetite para comer tampouco vontade de viver. "Eu sempre terei dois filhos. O André sempre viverá no meu coração".

"Ele dizia que ia mudar"

A estudante Camila Pereira, 25, perdeu o companheiro Anderson Barros de Oliveira, conhecido como "Magaiver", 31. Ele é um dos mortos da Unidade Prisional do Puraquequara, que fica na Zona Leste da cidade. O interno cumpria pena por roubo, mas tinha outras passagens pela polícia.

"Ele ficou cinco anos preso, saiu, mas uma semana depois, foi preso de novo. Eu estava em todos os momentos com ele, nunca desisti. Ele sempre falava que estava tudo bem, que não tinha desafetos na prisão", fala Camila, com o semblante triste.

Anderson, diz Camila, tentou diversas vezes sair do crime. "Ele dizia que ia mudar. Eu dependia dele para tudo porque temos dois filhos. Nunca pensei que ele ia morrer em um presídio".