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Ela já foi presa por tráfico; hoje, ajuda ex-presidiários a arrumar emprego

Karine Vieira, 37, criou a ONG Responsa, que capacita presidiários - Arquivo Pessoal
Karine Vieira, 37, criou a ONG Responsa, que capacita presidiários Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Da Universa

27/05/2019 04h00

A assistente social Karine Vieira, 37, de São Paulo (SP), passou 15 anos no crime antes de "ter um processo de reflexão". "Comecei a ver que aquilo não valia a pena. Perdi muita gente que eu gostava, não estava sendo um bom exemplo para os meus filhos. Eu precisava mudar", diz à Universa. Foi quando, aos 29 anos, ela começou a fazer um bico em uma papelaria e se matriculou em um supletivo. "Lembrei que gostava de estudar". De egressa do sistema prisional, ela se tornou a cabeça do Instituto Responsa, ONG que capacita pessoas que acabaram de sair do cárcere para facilitar o caminho para o mercado de trabalho.

A organização iniciou o acompanhamento a egressos do sistema prisional em 2018, mas o primeiro contato de Karine com a criminalidade foi muito tempo antes disso. "Comecei a praticar atos ilícitos aos 14 anos", diz ela, que, hoje, é assistente social. Moradora, na época, do bairro Aricanduva, na zona leste de São Paulo (SP), ela, inicialmente, fazia pequenos furtos, entrou para o mercado de drogas e, em alguns anos, chegou a gerenciar as operações de um chefe do tráfico. "Eu saía, ia para o rolê, fumava, bebia, com o mesmo grupo de amigos. Na adolescência, a gente quer se sentir pertencente. Quando eles começaram a roubar, eu acabei entrando nessa também porque fazíamos tudo juntos. Aquilo se tornou algo natural para nós", afirma.

Resgate de valor

Em 2005, aos 23 anos, foi presa por tráfico de drogas e associação criminosa. Como era bem relacionada no mundo do crime, não teve muitas dificuldades dentro da prisão. "Passava as necessidades que todo mundo tem dentro do cárcere, como privação de liberdade, mas não tinha sufoco material", fala. Ela saiu da penitenciária em 2006, após ser absolvida por inconsistências em seu caso. "Não saí reabilitada. Para mim, naquele momento, minha vida era aquela, era o que eu sabia fazer. Por isso, voltei para o crime". Ela ficou nessa vida por mais três anos.

Quando teve o momento de reflexão que a fez mudar de vida, Karine precisou passar por uma transformação --de vida e de autoestima. "Tive um processo de resgate de valores e me acostumei a viver com pouco dinheiro. Na papelaria, eu tirava R$ 25 por dia, muito menos do que no tráfico", fala.

Em 2010, ganhou uma bolsa integral em uma faculdade por ter conseguido uma boa pontuação no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). "Decidi fazer serviço social para ajudar outras pessoas que tinham passado por uma situação como a minha."


"A sociedade falha em não dar oportunidade"

Com trabalhos em ONGs como a Afroreggae em seu currículo, Karine diz que o Instituto Responsa não faz reinserção, mas inserção de egressos do sistema prisional no mercado de trabalho. "Porque muitos deles nunca tiveram um emprego formal", fala.

Na organização, que atua como uma agência social, ela e sua equipe ministram workshops de capacitação, recrutamento, seleção e acompanhamento pós inserção. Karine diz que a área que consegue absorver muitos deles é a operacional. "Ainda lidamos com pessoas que saem do sistema prisional com baixa escolaridade", afirma. Ela fala, no entanto, que existe muito preconceito em relação aos egressos. "Entendo a desconfiança, mas a pessoa não tem como melhorar se ninguém estender a mão. A sociedade falha em não dar uma oportunidade."

O Responsa já atendeu mais de 400 pessoas, além de fazer o acompanhamento de 43 egressos e ter colocado 55 deles no mercado de trabalho. Em um ano de trabalho, Karine diz não ter visto nenhuma das pessoas que apoiou voltar a praticar atos ilícitos. "O máximo que aconteceu foi termos arranjado um emprego para alguém, a pessoa não se adaptar e nós voltarmos a procurar outro trabalho para ela", fala.

Segundo a assistente social, o que faz egressos procurarem uma saída do mundo do crime é a motivação própria e a família. "E nem precisa ser de sangue, podem ser amigos ou parentes mais distantes que mostram que se importam. Elas têm medo de trazer mais desgosto para os entes queridos e, por isso, começam esse processo de mudança", afirma.

No caso de Karine, ela encontrou força para se transformar nos três filhos. "Não há nada que pague a minha paz em saber que chegarei em casa viva para vê-los."