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Adoção: crescem chances de criança com mais de 5 anos; de adolescente, não

Segundo o CNJ, apenas 26 famílias brasileiras, de mais de 42 mil cadastradas, aceitam adotar adolescentes até 17 anos - Getty Images/iStockphoto
Segundo o CNJ, apenas 26 famílias brasileiras, de mais de 42 mil cadastradas, aceitam adotar adolescentes até 17 anos Imagem: Getty Images/iStockphoto

Matheus Pichonelli

Colaboração para Universa

25/05/2019 04h00

Ela tem 16 anos de idade. "Mas também tem dez. Tem oito. E, de repente, parece ter 25". Quem conta é a mãe, Cristiane Ratti, 44. "Acho que a história de vida dela fez com que ela amadurecesse muito cedo". Na véspera do Dia das Mães deste ano, Cristiane demorou a entender por que a filha começou a chorar. "Estou chorando de alegria, mãe. Eu sempre quis fazer uma carta, compor uma música, escrever um poema no Dia das Mães e não tinha para quem dar. Agora, eu tenho", respondeu a jovem, que se mudou em janeiro para a nova casa, no interior de São Paulo.

Foi o fim da espera para a jovem, que passou metade da vida em um abrigo no Paraná, e para os pais, que há quatro anos decidiram entrar na fila da adoção. A ideia inicial dela e do marido, o auxiliar administrativo Danilo Ratti, 44, era adotar uma criança de três a cinco anos. "Mas, conforme o tempo foi passando, começamos a participar de grupos de discussão e ficamos sabendo sobre a adoção tardia. Quando vimos a nossa filha, nos apaixonamos".

A história da família é uma história ainda rara no Brasil. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 26 famílias brasileiras, de um universo de mais de 42 mil cadastradas, aceitam adotar adolescentes com até 17 anos. No Brasil, 5.027 crianças e adolescentes estão aptas para adoção --número bem inferior ao de famílias interessadas. O nó é que, entre os casais, cerca de 75% estão em busca de crianças de até cinco anos de idade.

Quanto maior a idade, menor a chance de adoção

Segundo o CNJ, entre os 9.508 pretendentes que se cadastraram em 2018, 4.258 (45%) já admitiam a possibilidade de adotar crianças maiores de cinco anos. O índice era de 30% entre os que entraram na lista em 2009, por exemplo. A mudança coincide com a implantação, em 2008, do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), que passou a centralizar as informações fornecidas pelos tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal.

Até então, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, previsse que cada comarca deveria manter cadastros de pessoas habilitadas e de crianças disponíveis para a adoção, as listas regionalizadas pouco contribuíam para o aumento do número de adoções no país. Ao unificar as informações, o CNA aproximou crianças que aguardam por uma família em abrigos e pessoas que tentam uma adoção, mesmo separados por milhares de quilômetros.

O cadastro foi atualizado em 2018, e passou a permitir, por exemplo, a inclusão de fotos, vídeos, desenhos e cartas por parte das crianças e adolescentes como forma de dar visibilidade aos pedidos de adoção.

Em maio, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, anunciou, para o segundo semestre, a intenção de fazer uma campanha de incentivo à adoção de crianças e adolescentes, com foco na adoção tardia. Segundo a ministra, o governo estuda mandar para o Congresso um projeto de lei para promover mudanças na Lei da Adoção.

Visibilidade digital

A visibilidade das crianças e adolescentes que não se enquadram no perfil buscado pelas famílias se tornou tema de inúmeras iniciativas pelo país. Uma delas foi a criação de um aplicativo desenvolvido em parceria entre o Tribunal de Justiça do Paraná e o Grupo de Apoio Adoção Consciente (GAACO). Idealizador e responsável pelo projeto, o juiz Sérgio Kreuz, da Vara da Infância e Juventude de Cascavel (PR), conta que o app surgiu da necessidade de dar visibilidade a crianças e adolescentes que já se encontravam em condições de serem adotados, mas que, pelos meios tradicionais, não encontravam pretendentes.

O aplicativo foi lançado em maio de 2018. Segundo o magistrado, foi a forma encontrada de fazer os jovens chegarem aos pretendentes através de um aparelho que todo mundo usa: o celular. "Nossa preocupação é evitar a exposição exagerada desses jovens. O aplicativo não é para curiosos, mas para pessoas habilitadas, que estão em condições de adotar e já passaram pelas avaliações", diz.

Ao todo, 117 jovens estão cadastrados no aplicativo. Até maio, o app registrava 12.253 acessos de diferentes localidades do país. O acesso só é liberado via autorização judicial. Por meio do aplicativo, sete jovens que viviam em abrigos foram adotados em menos de um ano. Outros 21 estão em estágio de convivência.

A filha de Cristiane e Emerson está neste grupo, e só teve contato com os futuros pais após eles assistirem a um vídeo gravado através do app. "A gente se encantou pelo vídeo. Quando nos encontramos, já sentimos que ela era nossa filha. Hoje ela diz que somos almas gêmeas", resume a mãe. A família aguarda a sentença definitiva do juiz para mudar o nome da jovem, que em breve passará a ter Ohana como segundo nome. Ohana, palavra de origem havaiana, significa "família".

"Quando a pessoa vê a criança, ouve sua história, cria-se uma empatia entre eles. Muitas crianças falam de seus desejos, suas aptidões, a paixão por música e por futebol, e isso casa com o que pretendentes imaginam. Ninguém se apaixona por um número", resume Kreuz. O magistrado lembra que uma das dificuldades da adoção no Brasil é o fato de muitas crianças terem irmãos. No CNA, 63% dos casais dizem não aceitar adotar irmãos --mais ou menos o índice (60%) de crianças e adolescentes aptas a adoção e que estão nesta situação.

Casados há 17 anos, Lucas Claus e Elisângela Brito estavam inscritos no CNA desde 2015. Sonhavam em adotar uma criança de até dois anos. No ano passado, eles decidiram alterar as informações do cadastro e souberam do aplicativo. "Começamos a fazer cursos e a assistir aos depoimentos. Quando vimos que a maioria era adolescentes, decidimos mudar nosso perfil", conta Lucas.

O casal se encantou com o vídeo de duas irmãs adolescentes e pediu a aproximação à comarca da cidade onde elas viviam, no interior do Paraná. Após uma série de contatos e entrevistas com psicólogos e assistentes sociais, em outubro eles foram visitar as jovens pela primeira vez. Os quatro passaram o fim de ano juntos, e a guarda provisória saiu em fevereiro. Na nova casa, as jovens, de 16 e 14 anos, estão matriculadas na escola e aguardam a assinatura da guarda definitiva.

Polêmica

O aplicativo completa um ano em 25 de maio, Dia Nacional da Adoção. A data neste ano é celebrada em meio à polêmica gerada após um desfile realizado com crianças aptas para adoção no Pantanal Shopping, em Cuiabá, na terça-feira, dia 21.

O "Desfile da Adoção" gerou uma nota de repúdio da Associação Juízes para a Democracia (AJD), segundo a qual "a iniciativa nos faz retroceder no tempo e nas conquistas e nos remete às feiras de escravos". "Há várias outras formas e campanhas para adoção que não expõem as crianças e adolescentes e nem os revitimizam", afirmou a entidade. O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, analisa o caso.

Para a jornalista e estudante de direito Larissa Alves, que no começo de ano reuniu pelo Twitter um grupo de pessoas adotadas, como ela, para compartilhar experiências, é possível falar mais sobre a adoção tardia sem expor essas crianças.

"Se for pensar só na questão da visibilidade, você está vendo. Mas de que maneira você está expondo uma criança? Se ela não for escolhida, aí que ela vai se sentir um produto". Larissa diz que, no debate sobre adoção no Brasil, a questão não se encerra na questão da visibilidade. Por isso diz observar com reserva iniciativas como a do app.

"Eu só vou adotar se eu ficar sensibilizada com aquela história? Não é a questão da visibilidade da criança em si, mas em relação à adoção. Não é um processo motivado por escolhas guiadas, se não parece que é só enxergar, só escolher. É como se os pais dissessem 'só vou te amar se você gostar das mesmas coisas que eu porque eu te escolhi para ser assim'. Trazer visibilidade para adoção pode ser incentivar terapia gratuita, incentivar a ideia de enxergar o filho e as muitas questões psicológicas que ele pode enfrentar se precisar agradar os pais a todo custo."