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O estigma e a aceitação: a vida e as relações de mulheres com HIV positivo

Getty Images
Imagem: Getty Images

Breno Damascena

Colaboração para Universa

25/04/2019 04h00

O medo do preconceito ainda ronda a vida de Renata*, mas a mulher de 46 anos não vê motivos para isso. Gosta de ler, assistir a filmes, ir a bares, fazer churrasco com os amigos e ama viajar. Uma vida tradicionalmente pacata. Porém, teve um momento em que ela pensou que perderia tudo isso. Com aproximadamente 20 anos de idade, recebeu a notícia de que era HIV positivo.

"Foram os piores dias da minha vida". Renata abandonou o trabalho e a faculdade. Chegou a tentar o suicídio. Ela foi orientada pela equipe médica a contar sobre a situação para o namorado. "Ele fez o teste e deu negativo. Logo em seguida, começou a me evitar e acabamos rompendo o namoro de três anos. Foi difícil."

O sofrimento só começou a diminuir quando conheceu, por intermédio do RNP (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids), um grupo de mulheres que vivia com as mesmas dificuldades. Foi quando percebeu que era possível ter uma vida normal. Começou a fazer terapia, se formou e fez pós-graduação. Passou a seguir as orientações médicas e, com o uso correto dos medicamentos, a carga viral em seu sangue se tornou indetectável, ou seja, não transmite mais o vírus em relações sexuais.

Solteira há três anos, Renata optou por não contar sobre sua condição para outras pessoas. Na família, quase ninguém sabe. "Arrumava um emprego e era demitida. Conseguia um namorado e não durava. De qualquer forma, nunca tenho relação sexual sem camisinha. Existem muitos outros riscos", justifica.

Vanessa Campos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vanessa Campos
Imagem: Arquivo pessoal
Diferentemente dela, Vanessa Campos, representante estadual da RNP no Amazonas e membro do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP), prefere abordar o tópico já no primeiro encontro com as pessoas.

"Para mim, é assunto de mesa de bar. Quem quiser ficar comigo que fique sabendo disso", comenta a mulher, que vive com o HIV desde 1990. Lembra que, quando recebeu o diagnóstico, aos 19, ainda não havia um tratamento. "Tudo o que eu poderia fazer era continuar me cuidando com carinho". Com o surgimento do medicamento antirretroviral, suas perspectivas mudaram.

Hoje, Vanessa é mãe de três filhos, frutos de relacionamentos sorodiferentes (quando um tem HIV e o outro, não), e sua carga viral também está indetectável. Apesar disso, o estigma em torno da doença ainda se mantém presente. "Não é fácil. Desde 2004, quando me divorciei, não tive mais nenhum relacionamento longo. É muito complicado conseguir um namorado. E a sorologia atrapalhou bastante", relata.

A psicóloga Rafaela Queiroz conta que, por sempre postar sobre sua vivência nas redes sociais, também é normal que todas as pessoas com que se relacionam já saibam da sua condição. Mas entende que é natural quando preferem omitir. "O processo de contar é muito individual. Vivi com HIV a vida inteira e antes só contei para quem eu confiava, mas tinha medo de que mudassem comigo. Abrir minha sorologia foi um processo de aceitação, fortalecimento e autocuidado. Ainda não é fácil ver situações de discriminação", esclarece.

Aos sete anos, Rafaela perguntou para as médicas porque precisava tomar remédio, sendo que se sentia bem. "Disseram-me que tinha um bichinho no meu sangue que eu precisava combater ajudando os soldadinhos a terem força". Viria a vivenciar o estigma de verdade apenas na escola. O livro de biologia trazia a foto de uma criança muito magra de algum país africano ilustrando a Aids. Naquele momento, escutou frases que a deixaram triste e confusa.

Número de infectados aumentou entre jovens

A notificação de casos de HIV entre 2007 e 2017 aumentou aproximadamente 700% entre pessoas com 15 e 24 anos, de acordo com o Ministério da Saúde. Especialistas apontam que o moralismo ajuda a impulsionar esses números. "Estamos em uma era em que as relações estão mais fáceis, mas continuamos presos à ideia de que pessoas com HIV estão deitadas para morrer e pensam que isso nunca vai acontecer com elas. A infecção acontece porque quem tem nem sabe", analisa Rafaela.

Rafaela Queiroz - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rafaela Queiroz
Imagem: Arquivo pessoal
Rafaela, que já atuou no Programa Saúde na Escola (PSE), conta que, durante oficinas e dinâmicas para conversar sobre educação sexual, os jovens diziam saber usar preservativo, mas, na prática faziam errado. "Alguns até tinham a ideia de que usar duas daria mais proteção", aponta. "Cadê a informação que dizem tanto que esses jovens já possuem? Culpá-los é sempre a parte mais fácil", critica.

Vanessa finaliza afirmando que o apoio familiar e financeiro foram fundamentais para a sua saúde mental e física. "O preconceito e a discriminação continuam os mesmos, apesar da evolução no tratamento, mas o HIV não me define, o que me define é a forma como eu lido com ele. Aprendi que isso não me fazia pior do que ninguém, então me livrei do autoestigma e consegui me amar de verdade".

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado nesta reportagem, Renata (nome fictício) descobriu que estava infectada pelo HIV há cerca de 20 anos. O texto foi corrigido.