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É possível ser feliz sem sexo? Pessoas assexuais respondem

Cris Varkulja é assexual e vai palestrar no Festival Path sobre o assunto  - Arquivo Pessoal
Cris Varkulja é assexual e vai palestrar no Festival Path sobre o assunto Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Da Universa

24/04/2019 04h00

Em uma sociedade em que uma pessoa bem realizada e plena é a que está com a vida sexual em dia, pode parecer estranho que a artista visual Cris Varkulja, 48, de São Paulo (SP), considere os momentos em que estava sozinha os mais felizes de sua vida. Ela faz parte de um grupo de pessoas que não tem interesse por sexo: os assexuais.

Eles não compactuam com a ideia de que é preciso fazer sexo para ser feliz. "Os momentos em que eu não estava praticando sexo foram o que eu mais tive bem-estar", diz Cris à Universa. Ela é artista visual e uma das palestrantes do Festival Path, que vai discutir o assunto no dia 1º de junho, em São Paulo (SP). Em um painel, que tem a participação do técnico de informática e militante Arunã Siqueira e da psicanalista Cristina Dias, eles devem discutir as particularidades da sexualidade e afetividade das pessoas assexuais (há mais informações sobre o evento no fim dessa matéria).

Cris não está sozinha nesse desinteresse. Um estudo feito pelo sexólogo canadense Anthony Bogaert deu conta, em 2004, de que 1% da população mundial não tem interesse em sexo.

Com dois ex-maridos em seu passado e mãe de duas filhas, Cris percebeu que está inserida nessa minoria há dois anos. Sem vontade de praticar sexo há alguns meses, ela achou, inicialmente, que estivesse passando por uma menopausa precoce, mas seus exames hormonais e ginecológicos estavam completamente normais. "Voltei do meu médico pensando no que podia estar errado comigo, mas, analisando o meu histórico amoroso, lembrei que já havia passado vários períodos sem fazer sexo sem nenhum problema. Foi quando pesquisei sobre assexualidade na internet", diz a artista.

Gabriela Souza, 26, de São Paulo (SP), encontra mais felicidade em tomar um banho do que em fazer sexo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Gabriela Souza, 26, de São Paulo (SP), encontra mais felicidade em tomar um banho do que em fazer sexo
Imagem: Arquivo Pessoal

Assexuais transam?

Há dois tipos de pessoas assexuais: as estritas, que não praticam sexo, e as parciais, que têm relações esporadicamente. Cris faz parte do último grupo. O fato de transar às vezes não impediu, no entanto, que a falta de sexo fosse um dos motivos do fim dos seus dois casamentos. Ela garante, no entanto, que ninguém a obrigou a ter relações. "Nunca fiz sexo por pressão dos meus parceiros, sempre foi por livre e espontânea vontade, mas percebi que cheguei a me envolver sexualmente com as pessoas por achar que tinha que praticar sexo, estar com alguém, porque a sociedade cobra isso da gente."

Segundo Breno Rosostolato, psicólogo especializado em estudos de gênero, esta pressão tem origem na "normatização do ato sexual como uma prática inerente do reconhecimento do ser humano e da identidade". "Ou seja, se eu sou feliz quando eu me conheço e se eu me conheço através do ato sexual, o sexo passa a ser uma norma na minha vida", diz o especialista, que conta que muitas pessoas se descobrem assexuais quando percebem que a relação sexual não faz sentido para sua vida e, inicialmente, se sentem um "peixe fora d'água". Essa inadequação os pressiona a ter relações mesmo achando-as impositivas e até violentas. "Precisamos entender que a prática sexual não é algo inerente à existência humana. O sexo não é uma lógica para todos."

Sexo x afetividade

Assexual da área cinza, a youtuber e social media Gabriela Souza, 26, de São Paulo (SP), diz que, muitas vezes, encontra mais felicidade em chegar em casa, tomar um banho e comer algo gostoso do que em relações sexuais. "Para mim é muito diferente das outras pessoas da minha idade. Se elas pensam 100% do tempo em sexo, eu penso em 30%", afirma. A falta de interesse no sexo faz com que os relacionamentos de Gabriela sejam mais curtos do que a média. "É sempre difícil trazer o assunto à tona porque o parceiro acha que é um problema com ele, sendo que sou eu que não preciso fazer sexo. Já fiquei seis meses sem ter relações", diz.

"Assexuais podem ter relações afetivas, porque há a separação entre o sexo e o afeto", explica o psicólogo Breno Rosostolato. "Haja vista que há pessoas assexuais que casam, namoram, constroem famílias. Tudo isso em um acordo."

O advogado Walter Mastelaro, 31, de Cornelio Procópio (PR), entendeu que era diferente dos colegas de classe aos 10 anos, quando percebeu que via meninos e meninas com o mesmo olhar. "Eu não sentia atração nem um nem pelo outro", afirma.

O advogado Walter Mastelaro, 31, de Cornelio Procopio (PR), não pratica sexo há 14 anos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O advogado Walter Mastelaro, 31, de Cornelio Procopio (PR), não pratica sexo há 14 anos
Imagem: Arquivo Pessoal

Ouvia dos adultos que era porque ainda era muito novo, que o interesse sexual e romântico viria com o tempo. Aos 14 anos, transou pela primeira vez com uma mulher. "Quando vi que não tinha achado nada demais, pensei que poderia ser gay". Aos 17 anos, experimentou relações sexuais com um rapaz. "Foi quando percebi que isso de fazer sexo não era para mim". Na mesma época, descobriu que era assexual e pansexual, ou seja, não vê distinção entre gêneros.

Assexual estrito, Mastelaro está há 14 anos sem praticar relações sexuais. Ele é, também, arromântico. "Não tenho sentimentos românticos de ficar abraçando, beijando a pessoa", diz. Sem interesse em sexo e nada "carinhoso", Walter não teve relacionamentos longos, mas entende a importância de estar em uma relação.

"É legal ter alguém para construir uma vida, ter em quem contar em todas as situações. Estas são as coisas que qualquer pessoa procura em um relacionamento"

Solidão x solitude

Ao longo de 30 anos, as amizades de Walter atendiam as necessidades afetivas dele, mas o advogado começou a desejar um envolvimento maior com as pessoas. "Eu lidava bem com a solidão, porém chegou um momento que achei que fosse morrer sozinho porque ninguém gostaria de ter uma relação amorosa com uma pessoa que não tem interesse em transar", fala.

Há algumas semanas, ele começou um relacionamento com uma pessoa não-binária -- que não se identifica como homem nem como mulher. "Tenho que deixar claro que, apesar de não ter os mesmos sentimentos românticos que ela, eu gosto dela e quero estar naquele relacionamento."

Cris Valkurja também costuma ter casos efêmeros. "Os meus envolvimentos costumam acabar quando a questão da falta de sexo se torna um problema", conta. A artista visual narra que, às vezes, prefere masturbar-se do que procurar um parceiro para praticar relações sexuais. "Não tenho mais saco para lidar com esses homens confusos", diz. Cris diz ter se encontrado na solitude.

Eu fico feliz sozinha, não preciso de um parceiro. Estar bem consigo mesmo é o que falta para os seres humanos. Tendemos a acreditar que o outro vai salvar a nossa vida"

Ela encontra acolhimento nos encontros do grupo AbrAce, que acontece em sua casa. "Foi muito importante trocar experiências com essas pessoas, entender que o fato de eu não ter interesse em sexo não é um problema." Tornar a assexualidade um assunto comum e natural é um dos objetivos de Cris.

"Acredito que há mais assexuais do que 1% da população do mundo. Precisamos falar mais disso para eles também se encontrarem."

E perceberem, quem sabe, que há uma vida feliz sem sexo.

TAB apresenta o Festival Path 2019, o maior e mais diverso evento de inovação de criatividade do Brasil. Saiba mais e participe.

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