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"Temos de entender o que significa sustentável. É um conjunto de atitudes"

A estilista Livia Cunha Campos, da Beira - Eduardo Knapp/Folhapress
A estilista Livia Cunha Campos, da Beira Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Laura Reif

Colaboração para a Universa

24/04/2019 04h00

Quando se formou em Desenho Industrial, em 2012, Livia Cunha Campos sonhava em trabalhar como estilista. Mas a carreira não engrenou logo de cara. A paixão pela moda só saiu do papel dois anos depois, quando a Beira surgiu, graças a um projeto que criou com a mentoria de uma ex-professora.

Com proposta agênero, a marca tem roupas com aspecto clean, mas o trabalho por trás das peças é complexo. Após participar do Projeto Estufa em março de 2017 -- iniciativa de incentivo a novos estilistas dentro do calendário da São Paulo Fashion Week --, Livia fez sua estreia solo na semana de moda em abril de 2018. Na passarela, se destacou com o uso de fibras sustentáveis e casulos de bichos-da-seda descartados.

Em sua terceira temporada no evento, a Beira é um dos desfiles esperados desta quarta-feira (24). A estilista, de 30 anos, conta à Universa como funcionam seus processos de criação e fabricação das peças, compartilha sua opinião sobre os caminhos de aproximar o discurso sustentável do público e fala da ideia de continuidade que têm com suas coleções -- compostas de roupas atemporais e duráveis.

"Na hora em que vou produzir uma roupa, tanto faz o corpo que está ali. Eu fiz a escolha de criar para tamanhos que vão do zero ao quatro. Cada um desses tamanhos tem uma circunferência de quadril que abrange vários centímetros. Ou seja, a pessoa escolhe se quer usar o look de um jeito mais justo ou no estilo mais oversized. Crio peças com elásticos ou fivelas de ajuste de tamanho, para que a mesma roupa alcance um número maior de diferentes tipos de corpos.

A primeira coleção que fiz para a minha marca ainda é explorada em perspectivas diferentes. Em uma tentativa de entender a necessidade de fazer e ter roupa, as minhas coleções conversam entre si. Minhas criações formam um diálogo. No ano passado, peguei todos os tecidos que estavam no estoque e tirei as cores deles. Coloquei tinta em cima com pintura à mão. Desta vez, fiz tudo superpreto, com todas as costuras do avesso.

Minhas coleções derivam uma da outra. Não há necessidade de se separar uma peça antiga de outra que é nova. Na verdade, elas são um pouco do mesmo, só que repensadas. Com esse contraste, de se ter peças de várias coleções juntas, percebemos que uma calça tem origem na outra. Isso faz com que seja possível melhor o processo de evolução das peças. Isso é algo que me interessa. Ao parar e criar alguma coisa, você realmente pensa sobre ela. Mas é diferente quando você produz de quando você veste uma roupa. Por isso, estou tentando me comunicar de forma que outras pessoas parem e olhem junto comigo.

Toda a minha produção é feita Rio de Janeiro, dentro do ateliê, onde trabalho com seis pessoas. Usamos um software de encaixe de modelagem, que faz com que o desperdício de tecido seja mínimo. Estamos vivendo um período no qual deve haver mais consciência tanto do lado de quem compra, quanto de quem produz.

Temos de falar mais, mas sem usar tantos termos. Quando falamos 'sustentabilidade', usamos uns palavrões que podem afastar as pessoas. Temos de entender o que realmente significa ser 'sustentável'. Sustentabilidade é um conjunto de atitudes. Por exemplo, um tecido feito à mão é sustentável? Se quem o produziu não foi pago, você não está sendo sustentável. Para a marca ganhar um selo de sustentabilidade, é preciso seguir alguns critérios. É fácil sair com cara de sustentável, mas de que forma isso está sendo feito? Tem um folclore que precisa ser desmascarado e só vamos conseguir isso tendo mais aproximação com o processo, entendendo, de fato, o que são as coisas. E fazendo as perguntas certas.

Sustentabilidade ainda é um termo tão despopular que muita gente não tem vontade de entender. 'Ai, não, não quero falar sobre esse assunto.' É pouca informação. Não acho que exista 'o consumidor de fast fashion'. Todo mundo consome tudo e, por isso, é preciso existir acesso a informações mais sólidas.

Se conseguirmos falar sobre moda falando mais sobre melhor qualidade e menos consumo, vai ser a melhor coisa que vamos viver. Tenho certeza de que isso vai acontecer. Que haverá mais consciência sobre o consumo, sobre tomar as melhores decisões e se ter as melhores opções. Mas só conseguimos mudar, como criadores, se os consumidores pensarem dessa forma, senão não há como o negócio se sustentar. Precisamos que mais pessoas pensem de forma consciente."