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Pais contam como revelaram aos filhos que são homossexuais

Segundo especialistas, é importante frisar que a orientação sexual da mãe ou do pai não causará interferências na relação com o filho  - Getty Images/iStockphoto
Segundo especialistas, é importante frisar que a orientação sexual da mãe ou do pai não causará interferências na relação com o filho Imagem: Getty Images/iStockphoto

Priscila Ribeiro

Colaboração para Universa

18/04/2019 04h00

Muitos casais homoafetivos se perguntam como e quando contar aos filhos sobre seus relacionamentos. E, segundo os especialistas, não há uma única resposta possível. "Pais que trabalharam com os filhos de maneira mais aberta e consciente a questão da diversidade terão uma receptividade maior, provavelmente. A conversa precisa ser clara e sincera, respeitando o tempo de assimilação e a maturidade emocional das crianças", indica Aline Melo, psicóloga do Grupo São Cristóvão. Ela aponta que é fundamental salientar, desde as primeiras conversas, que a homossexualidade não é um problema. "A maior dificuldade percebida é o preconceito associado a ela, sendo esse o fato que pode gerar sofrimento e angústia", explica.

No mais, é preciso estar preparado para responder às dúvidas que surgirem, principalmente no período da adolescência, quando o filho começa a passar por muitas mudanças e pode ter sentimentos conflitantes, inclusive sobre a própria sexualidade. "Reconhecer e ensinar que as pessoas podem ser diferentes em muitos aspectos, não somente em relação à homossexualidade, vai ajudar nessa elaboração. Respeite as dúvidas da criança e procure respondê-las, sem se estender demais", aconselha Débora Cecília Cunha Mattos Degelo, psicóloga e psicopedagoga. Outro ponto importante, segundo as especialistas, é frisar que a relação pai e filho não sofre interferência do relacionamento afetivo estabelecido, já que são vínculos diferentes. Isso ajuda a criança ou o adolescente a se sentir mais seguro. Os pais entrevistados a seguir contam como lidaram com essas questões, na prática.

"Eu falei que amava uma mulher, mas que nada mudaria entre eu e ele"

"Sempre fui homossexual, mas tentei muito não me mostrar, porque era de uma família tradicional. Então, cheguei a ter relacionamentos com homens e, em um deles, tive um filho, que tem hoje 21 anos. Há 15 anos, conheci uma pessoa e ela veio morar comigo. Logo, trouxe o meu filho também --que morava com a minha mãe. No início, foi difícil, ele tinha seis anos e a minha mãe falou um monte de coisas ruins sobre a gente. Mas enfrentamos e conseguimos contornar a situação com muito diálogo.

Eu falei que amava uma mulher, mas o que importava, de verdade, era que nada mudaria entre mim e ele por conta disso. Para falar de sexualidade, eu sempre fiz um paralelo com as diferenças que existem entre as pessoas, sem entrar em detalhes. Ainda hoje, busco mostrar que todos somos normais, apesar de termos diferenças. Até comentei com ele sobre o preconceito que os homossexuais sofrem, do qual somos vítimas, assim como os negros o são. Hoje, ele entende que é preciso respeitar as pessoas em suas particularidades, e tem a mim e a Adriana como referência, somos uma família como outra qualquer."

Fernanda Ribeiro de Azevedo, 38 anos, feirante

"Nós explicamos que nos amamos"

"Sou casado há dois anos com o Marcondes, mas já estamos juntos há quatro. Desde quando éramos namorados, já pensávamos em adotar, e essa vontade foi apenas se fortalecendo. No mesmo ano do nosso casamento, entramos com o pedido de adoção. Em setembro de 2017, fomos à vara de Itaguaí, na nossa cidade, nos informar e logo depois demos entrada em toda papelada. Nos indicaram dois meninos, que estavam em um abrigo, em Minas Gerais, com idade de oito e dez anos. Não sabíamos nomes, apenas idade e sexo dos nossos filhos. Após uma conversa com eles por vídeo chamada, fomos para lá iniciar uma aproximação.

Chegamos na segunda na cidade onde estavam os nossos meninos. Fomos ao abrigo, brincamos com eles de manhã, foi superagradável. No dia 6 de dezembro de 2018, retornamos ao abrigo para buscá-los, eles iriam ficar conosco de forma definitiva. Desde o primeiro momento, eles sabiam que teriam dois pais, pois nos viram nos vídeos juntos. Mas fomos explicando, aos poucos, que éramos um casal. Eles não demonstraram preconceito, mas ainda é difícil na cabeça deles entender totalmente a situação, então, a gente não explica em detalhes. Para esse momento, bastou dizer que nós dois nos amamos e por isso casamos, que esse amor se multiplicou e veio o desejo de construir uma família, que foi quando eles chegaram."

Thadeu José Lima Nascimento, 26 anos, operador de telemarketing

"Falamos sobre diversidade de uma maneira geral"

"Sou casada com outra mulher há dez anos, seis anos no civil. No começo, foi desafiador, éramos jovens, inexperientes e não tínhamos apoio da família. Um dos grandes desafios foi o preconceito, mas sempre fomos muito unidas e, com amor e companheirismo, conquistamos o respeito das pessoas. Sempre sonhei em ser mãe, mas era um sonho distante, visto que não tinha intenção de me casar com um homem e um tratamento de fertilidade estava fora da minha realidade. Até começar a trabalhar em uma empresa de eventos e construir uma amizade com o proprietário, um homem mais velho, pai de três filhos adultos e que se propôs a me ajudar a conceber um bebê sem vínculo com a criança. Tive medo, afinal, só tinha dezoito anos recém-completos e era solteira ainda, mas aceitei, pois não sabia se teria outra oportunidade ou condições financeiras de, futuramente, realizar uma inseminação artificial. Mantive relações sexuais com ele e engravidei. Após quatro meses de gestação, conheci minha esposa, por meio de uma rede social. Contei minha condição e ela disse que sempre sonhou em ser mãe também. Iniciamos um namoro e, após três meses, fomos morar juntas.

Nossa filha nasceu e cresceu com duas mães, vendo nosso amor e carinho. Mas sempre falamos sobre a diversidade no mundo, de uma maneira geral. Procuramos mostrar quantas raças existem, bem como diferenças físicas e religiosas, explicando que entre o preto e o branco há uma infinidade de cores e todas são lindas, cada uma com sua particularidade. Daí, fomos evoluindo para falar que nem todo mundo gosta das mesmas coisas que nós, inclusive no que diz respeito à sexualidade, mas nosso dever é respeitar. Fora isso, nunca fingimos ou escondemos dela e nem de ninguém a nossa relação. Na escola, ela sempre falou com orgulho que não tem pai e, sim, duas mães. Mas ela sempre deixa claro que se casará com um menino quando crescer."

Erieli Maria Batista Rosa de Oliveira, 29 anos, microempresária

"Explicamos que ele estaria em um lar tido como diferente pela sociedade"

"Eu e Victor nos casamos em 2016 no civil, mas já temos seis anos de relacionamento. Desde que nos conhecemos já compartilhávamos o sonho de constituir uma família e, logo após o nosso terceiro ano juntos, resolvemos entrar no processo de adoção. Foi tudo muito bem pensado e planejado e, após um ano e meio de todo o processo, recebemos a nossa tão sonhada habilitação para adoção. Logo depois, conhecemos o Richard, na época com dez anos, e iniciamos a aproximação, que durou quatro meses. Ele veio para casa conosco em abril de 2018, quando saiu a guarda. Aos poucos, fomos explicando que éramos um casal que se amava, que ele estaria em um lar tido como diferente pela sociedade, mas que seria muito amado, não só por mim e pelo Victor, mas por toda a nossa grande família, que nos apoiou em todos os momentos. Acho que o fato de saber que seria amado e amparado bastou, porque ele nunca apresentou problemas em relação a isso.

Hoje, o Richard tem 12 anos e mantemos um diálogo aberto, sobre tudo, pois aprendi que, se você não ensinar seu filho, o mundo ensina, só que de uma maneira não muito boa. Se em casa a criança for ensinada e aconselhada sobre tudo, na escola não terá problemas, pois saberá responder a todos os questionamentos. Eu oriento meu filho a falar de maneira natural, a responder sempre com a verdade. Agora, se perguntarem muito, aí digo que ele pode me avisar. Na escola, tomamos o cuidado de conversar antes com a direção e explicar a nossa situação. Como o posicionamento foi bom, fizemos a matrícula. Acho isso fundamental, porque, se a escola já não receber bem nesse primeiro momento, é maior o risco de a criança sofrer e, depois, trazer esses questionamentos para casa. No mais, penso que esconder das crianças a orientação sexual é algo que já ficou para trás, quando as pessoas não podiam se assumir para a sociedade, a igreja, os amigos e a família. O momento, agora, é de dizer a verdade, sempre, o verdadeiro amor lança fora todo o medo e nos ajuda a superá-lo."

André Luiz Machado dos Santos, 38 anos, contador e pastor evangélico

Os 5 passos para um bom diálogo sobre o assunto

1. Seja honesto sobre os seus sentimentos.

2. Dê espaço para a criança tirar dúvidas e fazer perguntas.

3. Fale em uma linguagem condizente com a faixa etária, usando exemplos que façam parte do dia a dia da criança, para que ela consiga entender.

4. Ressalte que os papeis de pais e filhos não se alteram, independentemente da estrutura familiar.

5. Fale sobre bullying e prepare seu filho para responder a possíveis questionamentos que podem surgir, principalmente na escola.