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Violência doméstica: juristas criticam PL que facilita medidas protetivas

PL aprovado pelo Senado permite que policiais assinem medidas protetivas mas, para especialistas, pode colocar mulheres em risco - Getty Images
PL aprovado pelo Senado permite que policiais assinem medidas protetivas mas, para especialistas, pode colocar mulheres em risco Imagem: Getty Images

Mariana Gonzalez

Da Universa, em São Paulo

10/04/2019 18h33

O Senado aprovou na terça-feira (9) o projeto de lei 94/2018, proposto pelo deputado federal Bernardo Santana de Vasconcellos (PR/MG) para permitir que delegados e policiais possam emitir medidas protetivas de urgência para mulheres vítimas de violência doméstica.

Atualmente, quando a mulher vai à delegacia prestar queixa, o delegado tem até 24 horas para encaminhar o pedido de medida protetiva ao juiz, que pode levar até 48 horas para julgar o caso -- ou seja, o documento só passa a valer, de fato, cerca de três dias após a denúncia.

Se o PL passar pela sanção do presidente Jair Bolsonaro, a mulher que sofrer violência doméstica em uma das 2.873 cidades que não são sede de comarca -- ou seja, que não abrigam um fórum ou outra sede do poder judiciário, pouco mais da metade dos municípios brasileiros -- sairão da delegacia com a medida protetiva em mãos, assinada em caráter de urgência pelo delegado ou, na ausência dele, por um policial.

O que à primeira vista soa como um avanço, para as especialistas em violência doméstica ouvidas por Universa pode, na verdade, prejudicar a Lei Maria da Penha e expor a vítima a novas agressões. Entenda as críticas:

Falsa proteção

A advogada Marina Ruzzi, integrante da Rede Feminista de Juristas, acredita que, na prática, a medida protetiva assinada por um delegado ou policial não tem efeito -- ou seja, nada muda.

Isso porque, enquanto o agressor não for notificado por um oficial de justiça, ele não pode ser punido por descumprir a medida.

"Essa é uma das maiores falhas do projeto. O texto não fala como e quando ocorreria essa intimação. É pouco provável que aconteça dentro das 24 horas", explica Ruzzi. "É um papel na mão, mas não pune o agressor".

Para a juíza Teresa Cabral, integrante da coordenadoria dos direitos da mulher do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a medida protetiva passa a valer a partir do momento que é emitida -- mas ela explica que essa percepção é subjetiva e pode mudar de acordo com o entendimento de cada juiz.

"Por isso, [a medida] cria uma noção de falsa proteção", acredita.

A juíza conta que é muito comum que os agressores passem a perseguir a mulher e, por isso, tenham conhecimento da denúncia antes mesmo de ser notificado. "Ele sabe para onde ela vai, o que faz e o que deixa de fazer. Conceber a intimação, neste caso, pode intensificar o risco que a vítima está sofrendo", acrescenta.

Despreparo

Outro obstáculo para garantir que o PL 94/2018 tenha algum impacto positivo na proteção dessas mulheres é a falta de estrutura da Polícia Civil, especialmente em cidades pequenas.

Se aprovada com o texto atual, a mudança passa a valer apenas em cidades que não são sede de comarca, ou seja, municípios que "dificilmente têm delegacias especializadas na defesa da mulher e provavelmente não têm logística para garantir que a polícia fiscalize a proteção", comenta Teresa Cabral.

Tanto a juíza quanto a advogada lembram que é comum mulheres serem desacreditadas por delegados e policiais na hora de lavrar uma denúncia por violência doméstica -- problema que se intensifica se esses profissionais forem autorizados a julgar se existem riscos para emitir (ou deixar de emitir) a medida protetiva.

"Há um grande despreparo. É comum que a vítima não consiga lavrar um boletim de ocorrência porque ouve que 'isso não é motivo para medida protetiva' ou que 'você vai se arrepender depois'. É comum esse descrédito", conta a advogada.

Inconstitucionalidade

Além disso, "é muito preocupante tirar essa responsabilidade de um juiz e dar a estes profissionais", acredita Marina Ruzzi.

"A gente luta para garantir que a palavra da vítima tenha valor, é claro, mas é necessário ser responsável ao assinar um documento que restringe direitos de um cidadão", explica, lembrando que uma medida protetiva proíbe o agressor de circular por determinados lugares e usar determinadas formas de comunicação, por exemplo.

A advogada da Rede Feminista de Juristas entende que, por isso, o projeto de lei chega pode ser considerado inconstitucional.

"Delegados são representantes do poder executivo e, segundo a Constituição Federal, é o poder judiciário que tem o poder de restringir direitos", diz.

O outro lado

A senadora Juíza Selma (PSL-MT), relatora do projeto de lei, defendeu que pediu aos colegas que o texto fosse aprovado sem modificações. À Universa, ela disse acreditar que "em caso de violência, o atendimento deve ser imediato" e, por isso, espera que a lei facilite a aplicação de medidas protetivas de urgência.

Questionada sobre a falta de estrutura da Polícia Civil em cidades pequenas e o possível despreparo dos profissionais para julgar os casos, Selma afirmou que "é preciso que o executivo acompanhe a evolução do legislativo".

"Não podemos deixar de endurecer a legislação e [fazer] mudanças que são necessárias para garantia de vidas por falta de aparelhamento do poder executivo, seja ele Federal, Estadual ou Municipal", disse, por meio da assessoria de imprensa.

A assessoria de imprensa da senadora disse que não há previsão para a sanção presidencial, mas que a pauta "é prioridade para as mulheres".