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Deputadas negras barradas por seguranças planejam projeto sobre racismo

Além de deputada, Mônica é pastora e teve como mentora a vereadora Marielle Franco, executada em março de 2018 - Zô Guimarães/Folhapress
Além de deputada, Mônica é pastora e teve como mentora a vereadora Marielle Franco, executada em março de 2018 Imagem: Zô Guimarães/Folhapress

Marcos Candido

Da Universa

10/04/2019 04h00

A deputada estadual Mônica Francisco (PSOL-RJ) viajou nas últimas semanas para a Europa a convite de parlamentares europeus. Lá reuniu-se também com ativistas e cineastas. Esteve em Berlim, na Alemanha, foi para universidades na França, onde encontrou-se com a prefeita de Paris. Também visitou Berna, na Suíça, onde se reuniu com representantes da Anistia Internacional. Em 2018, ela foi eleita com 40 mil votos.

Mesmo assim, ao retornar ao Rio de Janeiro, ela diz que é comum ser barrada por seguranças e impedida de circular em espaços como o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, lugar até então com pouca ou nenhuma representante negra.

Em fevereiro, quando assumiu o cargo, Mônica foi "convidada" por um segurança a se dirigir ao elevador de serviço para a posse do presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Claudio de Mello. Na ocasião, ela usava um broche que a identificava como parlamentar. Assessores agiram para desfazer o mal-entendido. "Sei que se eu vestisse um terno, já teria um tratamento diferenciado", desabafa a deputada.

Outras deputadas negras, federal ou estaduais, também relatam serem"convidadas" por seguranças a tomar elevadores que não são destinados a parlamentares — ou passarem por revistas excessivas para acessar locais exclusivos a deputados, mesmo com identificação. Elas dizem que nem sempre é uma atitude consciente dos funcionários, embora seja recorrente. E que é preciso mudar isso.

Treinamento para não repetir a situação

Após o constrangimento no Tribunal de Justiça, Mônica propôs um treinamento sobre respeito à diversidade racial a servidores — o que ela nomeia como instrução contra o racismo institucional.

Inicialmente, seria apenas um convênio com o Tribunal fluminense e Assembleia Legislativa. Logo ganhou mais força e agora conta com uma parceria entre grupos da OAB e movimentos negros — já está pronto para ser levado ao Plenário da Assembleia Legislativa do Rio.

Inspiradas pela deputada fluminense, mais parlamentares negras adiantam à Universa que também preparam projeto similar, mas federal. A ideia é a de capacitar servidores públicos, terceirizados com campanhas de respeito racial, oficinas e fazer um levantamento racial dos funcionários que trabalham nesses espaços.

Deputados afirmam terem sofrido preconceito

Não à toa, a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), por exemplo, precisou acionar o chefe da segurança após ser barrada por duas vezes no Plenário, mesmo usando um broche para a identificação de parlamentares. O deputado Valmir Assunção (PT-BA) também relatou nas redes sociais sofrer o mesmo preconceito, mesmo no segundo mandato na Câmara.

A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) (centro da foto) no Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. Deputada reclamou ser barrada em espaços da Câmara - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) (centro da foto) no Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. Deputada reclamou ser barrada em espaços da Câmara
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

"Durante as quatro primeiras semanas de mandato foi muito explícito. Me encaminharam ao elevador que não é para deputados, me barraram na porta do Congresso. Não foi uma, nem duas: foram várias vezes. Nesta semana, foi uma vez, na entrada do Congresso", diz Talíria.

Na ocasião, ela diz que o segurança justificou que era difícil de enxergar o broche em meio às vestimentas coloridas, que a parlamentar veste como parte de sua identidade cultural enquanto mulher negra.

Normalização do racismo

A deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) diz que os funcionários da Câmara já estão se habituando às mulheres negras, apesar de ainda ser barrada ou direcionada a elevadores abertos ao público. "Claro, as pessoas não são obrigadas a conhecer mais de 500 deputados", pondera, "mas tem uma normalização do estereótipo".

 Aurea Carolina, candidata a deputada federal por Minas Gerais , durante o Lançamento de candidaturas do movimento #OcupaPolítica no Teatro Oficina - Zanone Fraissat/Folhapress - Zanone Fraissat/Folhapress
Aurea Carolina, candidata a deputada federal por Minas Gerais , durante o Lançamento de candidaturas do movimento #OcupaPolítica no Teatro Oficina
Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

"Eu acho que é quase uma assimilação inconsciente de quem pode ser parlamentar nesse país", diz Áurea

"O estereótipo típico, no caso, é o de um homem branco, de meia-idade, de terno e gravata. Nós somos mulheres negras, com cabelos volumosos, roupas coloridas. Isso contrasta até mesmo com a concepção do que seria uma mulher deputada, que seria branca de cabelos lisos e em roupas formas", analisa.

Em 2018, aumentou o número de deputadas federais negras — passou de 10 para 13. "Essa normalização do estereótipo só vai deixar de ser habitual quando houver mais diversidade de gente ocupando as cadeiras do legislativo", conclui.